divórcio ou casamento eterno?...

2006-05-31

Educação

Chegou a vez da Educação ser também mais falada.
Já há tempos que se vem insistindo que a formação (embora subjacente esteja muito mais, parece-me, uma formação em conhecimentos técnicos e científicos, esquecendo que sem outros saberes aqueles pouco desenvolvimento autêntico poderão trazer...), que uma pessoa instrtuída é mais capaz de se "orientar" na vida; que um povo instruído é mais capaz de ser construtor da (sua) história e do (seu) futuro. Esta verdade, aparentemente elementar, não está tão suficientemente enraizada para que a sua concretização se torne um "desígnio nacional", isto é, dos governos, das escolas, dos professores, dos pais e dos próprios alunos. Exige-se uma mudança de mentalidade geral, que crie um ambiente tal que "preparar-se para a vida" se torne um hábito de tal modo "rotineiro", que não precise de ser continuamente recordado aos governos, às escolas, aos professores, aos pais e aos alunos, mas se torne tão natural como comer ou respirar. A falta desta consciência colectiva é bem capaz de ser a causa de muito do mal que existe na Educação em Portugal.
Há dias, lemos aquela recomendação do (ex-)primeiro ministro irlndês "Não cortem na educação". No entanto, nós somos um dos países que "investe"mais dinheiro per capita na Educação... mas os resultados são os que todos conhecemos. É evidente que o problema não está no dinheiro. Parte estará no modo como é aplicado. Mas outra parte está no espírito com que encaramos , todos nós, o ministério (isto é, o serviço à comunidade), o exercício cívico da Educação.
Ontem lemos e ouvimos as palavras da Ministra. Delas destacaria três linhas de reflexão.
A primeira, mais epifenoménica, refere-se a situação mais ou menos conhecidas. Certamente que é muito arriscado generalizar num universo que envolve muitas dezenas de milhares de pessoas e instituições, mas quase todos nós conhecemos aqueles truques de colocar filhos de alguns professores e funcionários nos melhores horários e nos melhores professores, a constituição de turmas só com os melhores alunos ou só com os piores; a distribuição dessas turmas pelos professores.
Depois vem a preocupação, de demasiados directivos e professores, quase exclusiva do cumprimento burocrático-administrativo, em que o que conta é a letra da lei, não o seu espírito, transformando muitas boas propostas e intenções em oportunidades para responder a interesses egoístas e corportivistas. Então, como diz a Ministra, "tudo se cumpre , burocrática e administrativamente, de forma perfeita" e vem a inspecção que logo "confirmará a conformidade com as normativas legais". O legalismo sempre matou a vida e a qualidade de vida!
Mas, pior que tudo, é a falta de orientação de (muitas) escolas e de (demasiados) professores para o bem do aluno. E o aluno de hoje não é o aluno de há uma geração atrás nem sequer o de meia geração atrás. Isto é, estar atento ao aluno não quer, para mim, dizer que se lhe deva facilitar demagogicamente a vida. Um dos nossos dramas de hoje é que ou facilitamos demasiado a vida aos nossos filhos e aos nossos alunos ou então caímos no oposto, no excesso de lhes dificultar a vida com coisas, amaior parte das vezes absolutamente secundárias (e basta olhar para alguns programas escolares ou para aquela ideia idiota do alargamento das aulas para 90 minutos, só para dar dois tipos diferentes de exemplos), pois a separação entre ambas as situações neste contexto actual é muito estreita e fácil de transpor.
Mas, o mais grave para mim, tem a ver com a falta de prioridade que damos aos nossos jovens na gestão das nossas vidas (de pais e de professores), na definição de adaptadas políticas e na mobilização da consciência nacional para a gravidade e as repercussões futuras de qualquer falha neste campo.

2006-05-25

Exercício de cidadania (2)

A suspensão do encerramento da maternidade de Santo Tirso decidido por um tribunal de Penafiel sugere-me algumas observações.
1. É importante, do ponto de vista da cidadania, que possam ser pedidas providências cautelares ou decisões análogas, poistrata-se de mais um instrumento, embora de tipo diferente do anterior, que favorece a participação cívica dos cidadãos. E isso é manifestamente um bem para a democracia e para a cidadania.
2. O poder suspensivo que esta medida implica levanta um problema: se não houver bom senso, mas sobretudo grande respeito pelo bem comum, a sociedade corre o risco de ver esta medida estar ao serviço de interesses "particulares" (que podem ser regionais ou locais) em detrimento do bem comum. Pessoalmente entendo que o bem comum, enquanto o melhor bem possível para todos e para cada um, tem de ser o primeiro critério na organização da sociedade.
3. Que tipo de efeitos poderá ter na governação seja do país (como agora aconteceu) seja de uma câmara (como já aconteceu) uma medida destas se não for ditada pelo respeito pelo bem comum?
4. Não será o bem comum um conceito muito menos bem definido do que imaginamos, quando se cruzam interesses tão divergentes? Apesar de tudo, não me parece saudável para uma sociedade que interesses legítimos "particulares" possam pôr em causa decisões se estas forem ditadas pelo bem comum geral.

Exercício de cidadania (1)

Na semana passada, a Assembleia da República aprovou, (por unanimidade, embora isso não seja o mais importante para este comentário) o projecto de lei proposto por 36 783 cidadãos.
Parece-me um facto muito significativo. Parece-me, embora não possa afirmá-lo, que é a primeira vez que um grupo de cidadãos faz uso de um direito de cidadania, que é propor projectos de lei.
É bom, do ponto de vista cívico, que a sociedade civil tome conssciência deste seu direito e faça mais uso dele. Este exercício pode não só valorizar a Assembleia da República, mas também promover a sensibilidade e a consciência cívica, num país onde é aflitivo o défice de cidadania.

2006-05-24

Justiça para os ricos

A justiça volta a estar nas bocas do mundo.
Eu imagino que deve ser muito difícil julgar, sobretudo porque estão em causa pessoas.
Mas quando se vê o tratamento dado a uma cidadã que rouba quatro queijos para comer e o que se vai definindo vagamente para os vários Apitos dourados que por aí andam, o cidadão comum tem muita dificuldade em não se sentir indefeso e não sabe muito bem o que andam os "fazedores" de justiça a fazer.
Mais a mais, trata-se de um assunto para iniciados dado o seu enquadramento tão hermético (a legislação é tanta e tão complexa, que só os especialistas podem entrar nela) e assustador (com rituais e ritos que intimidam quem não está com eles familiarizado).
Só sabemos que é cega (mas muitas vezes olha, e descaradamente, para onde não deve) e dura (mas geralmente só para quem não tem dureza suficiente na carteira para arranjar quem a "manipule": a palavra "manipule" aqui está usada no sentido etimológico e não ético).

2006-05-18

Justiça para os pobres

Três juízes desembargadores da relação do Porto depois de, imagino, longas horas de reflexão decidiram obrigar ir a julgamento uma mulher que tinha roubado 4 queijos para matar a fome, apesar de um juiz de Matosinhos ter dado o caso por insignificante e irrelevante e o supermercado ter perdoado à senhora faltosa.
Realmente esta decisão, digna de juízes desembargadores, só numa república das bananas.
1) Será que três desembargadores - TRÊS - não têm mais nada para fazer?
2) Já na Idade Média tinha havido um debate para decidir se roubar para comer era ou não pecado e que tipo de pecado. A conclusão tirada há cerca de 7 séculos é que roubar para comer não era pecado. O Concílio Vaticano II recorda tal norma (tão natural e evidente, já que o primeiro direito é o de viver) com uma afirmação que poucos gostam de recordar: "Qualquer pessoa em extrema necessidade tem o DIREITO de tomar das riquezas dos outros o necessário para si" (GS 69). Pelos vistos há juízes que ainda não passaram da Idade Média.
3) Pobre de quem é pobre. Fosse a senhora um dos arguidos no Apito Dourado e tivesse ela oferecido os serviços de prostitutas encartadas teria sido certamente absolvida. Agora roubar quatro queijos e ainda por cima para matar a fome, isso realmente é inaceitável num Estado de direito, onde uma norma constitucional devia, no mínimo, proibir que alguém passasse fome.

2006-05-17

Certeza da incerteza

Bom dia a todos.
Depois de um longo interregno, em que andei sobretudo a tratar da minha vida, vou voltar com outra regularidade. Estas três semanas de exames e opiniões médicas não coincidentes sobre a evolução da minha situação deixaram-me uma certeza: a certeza da incerteza.
Pensei, num primeiro momento, que se tratava de uma situação excepcional. Mas pensando bem, esta é a nossa condição de mortais. A nossa vida afinal é feita de incertezas: o que me irá acontecer ao virar da esquina? como acordarei amanhã? acordarei sequer?
Mas estas incertezas não podem nem devem impedir-nos de fazer projectos, olhar o futuro como a tarefa a desempenhar, etc..
Portanto estou vivo e estou normalmente vivo com um ligeiro abaixamento no grau de incerteza.
A minha reacção a este abaixamento passou por várias fases:
1) continuar como dantes;
2) aproveitar para fazer coisas que gostava de fazer mas acabava sempre por não fazer por causa da sobrecarga de compromissos;
3) acabar projectos em curso (por exemplo, estas três semanas foram muito passadas a pôr em dia parte de uns apontamentos pessoais, anotados ao longo da vida, de cerca de mil páginas, sobre a opção pelos pobres na Igreja desde o Antigo Testamento até aos nossos dias);
4) finalmente continuar como dantes sem descurar os projectos sucessivamente adiados (alínea 3)). É nesta fase que me encontro, e bem.
Portanto aqui estou cheio de vontade para continuar a ser útil e a gostar de viver a certeza das incertezas que é a nossa vida.