divórcio ou casamento eterno?...

2008-01-28

Sociedade atabalhoada

As recentes declarações do bastonário da Ordem dos Advogados vieram chamar a atenção para aquilo que muitos pensamos mas não temos nomes nem dados concretos para ter a coragem de falar. Não sei se o modo que ele utilizou é o mais adequado numa sociedade onde particularmente os advogados conhecem bem os mecanismos legais para fazer avançar estes processos sempre difusos e difíceis de clarificar.
De qualquer modo, disse-o e como figura pública colocou a questão e a necessidade de clarificar muita coisa que é bom que seja clarificada em nome da transparência e da cidadania.
Vamos ver o que se segue.
De qualquer modo, este estado de coisas vai-se mantendo e degradando porque somos uma sociedade onde poucos assumem a sério o seu trabalho e o seu compromisso cívico. Há dias publiquei no Correio de Coimbra uma crónica onde classificava a nossa sociedade como sociedade atabalhoada, e nesta situação todos somos culpados: uns por acção, outros por demissão.
Aqui reproduzo esse meu comentário.

ATÉ CIMA… ATÉ CIMA!
Os balanços do fim de ano preocupam-se geralmente com as grandes questões e estão demasiado centrados em perspectivas partidárias ou ideológicas. No entanto, estes factos demasiado brilhantes no céu dos comentários podem ofuscar realidades aparentemente insignificantes mas talvez com uma maior influência capilar no evoluir da sociedade.
Olhando para a nossa actual maneira de ser, diria que nos falta uma cultura do “fazer bem”. O que fazemos, faz-se muitas vezes como calha, atabalhoadamente, sem preocupação por fazer bem feito. Um simples exemplo: já precisei de chamar um técnico para um pequeno trabalho que implicava furar uma parede ou colocar um cabo eléctrico. E verifiquei o seguinte: uns faziam o trabalho, recebiam e iam-se embora; outros, poucos e sobretudo se já caminhavam para a terceira idade, antes de receber, pediam uma vassoura e limpavam o chão. Não se trata de tempo, pois este último exercício demorava meio minuto, um minuto. Trata-se de uma cultura diferente e que se vai perdendo: fazer bem feito o que se faz. Age quod agis , “o que fizeres fá-lo bem feito”já diziam os Romanos.
Claro que esta cultura do “fazer bem feito” implica disciplina interior, capacidade de resistir à tentação de considerar um trabalho apenas no seu aspecto imediato (fazer o furo na parede e passar o fio), ignorando as suas consequências (limpar o lixo que o furo produziu).
Esta exigência interior é primeiro que tudo uma exigência comigo próprio. Sem ela não é possível construir uma sociedade mais humana, pois a sociedade é antes de mais o resultado do esforço pessoal e comprometido de todos os cidadãos.
E só tendo este estado de espírito poderei ser exigente com os outros. Ora o que verificamos é que muitas das nossas chefias não têm para consigo próprias esta exigência, pelo que não podem passá-la para os seus serviços e muito menos motivar nesse sentido os seus funcionários. Talvez por isso, deixou de haver brio em ter um serviço com qualidade, isto é, capaz de “fazer bem” aquilo que lhe compete. No entanto, um serviço competente é mais eficiente, mais acolhedor, mais capaz de responder às necessidades do bem comum. É mais produtivo e com menores custos porque reduz erros e repetições desnecessárias, onera menos cada um dos funcionários e cria um bom ambiente porque todos fazem bem o que lhes compete, serve melhor os cidadãos porque dá uma resposta mais rápida e eficaz. Por tudo isto é fácil concluir que esta atitude é uma condição indispensável para a aplicação da justiça social. É, pois, não só um exercício de cidadania mas de justiça e de respeito pelos direitos do outro.
Portanto, esta exigência aplica-se a todos os cidadãos, incluindo naturalmente deputados e ministros. Embora uma das funções dos governos seja criar as condições para que todos “façam bem”, quantas leis e quantas medidas parecem ou são atabalhoadas, retirando credibilidade a quem as fez, facilitando o seu incumprimento e pondo em causa a construção do bem comum. Veja-se a recente lei do tabaco e as movimentações oportunistas para fugir a ela. A própria aplicação da lei é por vezes atabalhoada e discriminatória: crianças são tiradas aos pais afectivos e entregues aos parentes biológicos sem ter em conta a sua fragilidade e saúde psicológicas; uma figura pública prevaricadora tem, por norma, um tratamento diferente da do cidadão comum. A primeira vítima é manifestamente o cidadão discriminado. Mas também a justiça social sai gravemente lesada.
Este exercício de “fazer bem feito” adquire para os cristãos uma importância teológica suplementar mas estruturante. M. Quoist gosta de contar a história de uma militante da JOC que fazia assim a leitura do episódio das bodas de Caná: “Penso nos criados: se eles não tivessem feito bem o seu trabalho, quer dizer, enchido as tulhas “até cima”, como explica o Evangelho, Jesus teria feito menos vinho. Assim, durante a minha semana, quando me vem a vontade de atabalhoar um trabalho, repito a mim mesma “até cima… até cima!” para que, deste trabalho e do meu esforço, Jesus possa fazer bom vinho”. Isto é, só quando cada um de nós fizer bem o seu trabalho é que Deus pode cumprir em plenitude o seu. Pode parecer estranho, mas Deus quer precisar de nós para construir a história e para O tornar visível entre as pessoas.
Infelizmente esta cultura não se cria por decreto. Infelizmente também não se ensina hoje, não se exige hoje e não se testemunha hoje. É urgente, portanto, que os pais, os professores, os catequistas, a comunicação social falem disto, insistam, lhe dêem a importância que ela tem. É preciso fazer campanhas como as dos tempos eleitorais ou da luta contra o tabaco ou na educação rodoviária. Deve começar em casa, mas continuar nas escolas, nos grupos culturais, nas Igrejas de modo a ser tão natural como o ar que respiramos. Ou se transforma num hábito ou não funciona.
Não sei quantificar a influência no PIB, no défice e nesses parâmetros tão acarinhados pelos políticos, mas uma sociedade de atabalhoados é uma sociedade atabalhoada, sem objectivos, onde cada um trabalha ao seu ritmo, deixando o trabalho inacabado, a sobrar para os outros.
O cidadão assim (e são tantos) atrasa a construção de uma sociedade justa. Um cristão assim (e são tantos) atrasa a chegada do Reino de Deus. Por isso, o anjo do Senhor é tão violento com ele: “porque és morno – nem frio nem quente – vou vomitar-te da minha boca” (Ap 3,16).

Mundo louco

Finalmente, Olmert acabou com a sua medida, verdadeiro crime contra a humanidade, de cortar energia aos palestinianos. Bem sei que aquela região só parece saber a linguagem das armas, mas condenar uma sociedade civil a morrer de frio é uma atitude que me apetecia classificar de nazi, mas pela negativa: enquanto os nazis davam gás aos judeus para os matar; Olmert corta o gás para matar de frio os palestinianos.
Com os povos esquecem tão rapidamente as lições da história!

Li no Público que o New York Times, no obituário de Suharto, nas quatro páginas que lhe dedicou não encontrou espaço para recordar os seus massacres. Com a excepção de uma linha dedicada ao massacre dos timorenses, esqueceram-se dos cem mil presos políticos sem julgamento, logo no início do seu mandato, dos quinhentos mil a um milhão de indonésios assassinados, de um sexto da população da Papua Ocidental eliminada, para lá dos regulares massacres em Aceh. Depois há ainda os 30 mil milhões de dólares desviados das ajudas ocidentais para as suas contas privadas.
Foi ele um dos grandes responsáveis pelo desenvolvimento económico da Indonésia. Vários outros exemplos deste tipo se poderiam apontar o que pode levar à inaceitável conclusão de que só pode haver desenvolvimento, sobretudo nos países do Terceiro Mundo, regado pela violação dos direitos humanos.
E no entanto o desenvolvimento para ser autêntico não pode ser só económico, mas sim integral (da pessoa em todas as suas dimensões) e solidário (não discriminando nem excluindo ninguém, pessoas e povos).
Não é fácil, mas só assim será verdadeiramente humano.

2008-01-17

lei do tabaco (2)

Peante a avalanche de acontecimentos mediáticos, que nos têm atropelado nestes últimos dias, a lei do tabaco vai já a milhas. Este ambiente alienante onde tudo rapidamente se esquece, numa sociedade sem grande consciência cívica e quase nula capacidade de didadania, permite o desenvolvimentos de riscos e ameaças que se não são cortados cerce logo no início podem conduzir a situações graves futuras.

Depois do meu anterior comentário, pessoa amiga fumadora, deu-me a ler um dos muitos artigos, neste caso de um fumador. Este artigo (do M. Esteves Cardoso?) levanta algumas questões interessantes, nomeadamente quanto à dificuldade dos fumadores "sobreviverem" nos locais de trabalho. Em conversas que fui tendo, choquei com uma questão em que nunca pensara: como vai dar-se, na escola, a convivência dos professores já que os fumadores deixam de ter espaço, mesmo no interior do seu carro, para fumar? ou nos hospitais? ou nos serviços públicos?
De qualquer modo, para o autor do artigo trata-se, como para muitos fumadores, de um mero problema de liberdade.
Ora a liberdade é um conceito que aqui ajuda pouco. Porque é um conceito relativo: a minha liberdade acaba não onde eu quero ou desejo, mas onde começa a liberdade do outro. Por aí penso que não se irá muito longe...

O problema pode ser muito mais sério do que as potenciais ameaças à liberdade. É que já começa a haver exemplos discretos da violação ou potencial violação de direitos fundamentais. Segundo li, a TAP no recrutamento de hospedeir@s coloca como terceiro critério ser ou não fumador, a Unicef não contrata fumadores, o Serviço Nacional de Saúde inglês dá prioridade aos não fumadores. Ora isto é inaceitável. Uma coisa é tentar regular, melhor ou pior, o exercício de fumar; outra é retirar direitos fundamentais por causa da qualidade de fumador.
Para além disso, a saúde é um âmbito onde os fundamentalismos facilmente ganham raízes. É bom,pois, que todos, fumadores e não fumadores, estejamos muito atentos a possíveis interpretações, que facilmente deslizam para abusos e rapdamente caem em violações dos direitos humanos.
E aqui estamos todos do mesmo lado da barricada. Melhor, deveríamos estar.

2008-01-07

lei do tabaco

Como não fumador congratulo-me com uma lei que pretende dar espaço para todos embora não onde todos querem.
Era urgente regulamentar esta situação, porque os não fumadores não têm que ser obrigados a fumar. É também um direito que lhes assiste.
Quanto aos comentários que ouvi pareceram-me equilibrados. Mas o que achei mais divertido foi o daquele fumador que perguntou por que não se proibem também os carros de circular. Não sei qual seria a sua reacção se o proibissem de andar de carro. Mas quanto à sua proposta parece-me que pelo menos deviam ser proibidos de circular os carros que não tem os recursos técnicos já existentes e os que forem sendo sucessivamente introduzidos para reduzir ao mínimo a sua capacidade poluir.
Pois esperemos que a lei seja sabiamente aplicada e que não apareçam os chicos espertos a dizer que nos casinos e nas discotecas se pode fumar à vontade, baseado no argumento de que o jogo estava acima d(est)a lei ou de que às discotecas só vai quem quer.
É urgente desmontar a mentalidade nacional que insinua que a lei é para os outros e só para mim quando serve os meus interesses.
Um bom ano novo para todos com muita aegria, paz, amor, saúde e para os que dela precisam graça de Deus.

2008-01-04

Férias de Natal

Este tempo de Natal ocupa-nos demasiado o tempo e não permitem algumas coisas interessantes, como uma visitinha ao blog.
Da minha parte tive, além do Natal e do fim de ano, como todos, os anos da minha mãe (88), o aniversário da morte do meu pai, o lançamento de um livro de poesia do meu irmão. E eu, além disso, ainda passei algum tempo em baixo de forma.
Por isso, só hoje voltei e para recordar duas passagens da Mensagem do papa para o Dia Mundial da Paz.

1º. “Numa vida familiar «sã» experimentam-se algumas componentes fundamentais da paz: a justiça e o amor entre irmãos e irmãs; a função da autoridade manifestada pelos pais; o serviço carinhoso aos membros mais débeis, porque pequenos doentes ou idosos; a mútua ajuda nas necessidades da vida; a disponibilidade para acolher o outro e, se necessário, perdoar-lhe. Por isso, a família é a primeira e insubstituível educadora para a paz” (3).

2º. “Respeitar o ambiente não significa considerar a natureza material ou animal mais importante do que o homem; quer dizer antes não a considerar egoisticamente à completa disposição dos próprios interesses, porque as gerações futuras também têm o direito de beneficiar da criação, exprimindo nela a mesma liberdade responsável que reivindicamos para nós. Nem se hão-de esquecer os pobres, em muitos casos excluídos do destino universal dos bens da criação” (7).
Aqui queria sobretudo destacar o paralelismo entre o pensamento do Papa e a grande reocupação do PNUD 2007/2008, que diz logo a abrir: “As alterações climáticas exigem neste momento uma acção urgente para lidar com uma ameaça a dois grupos de eleitores com fraca voz política: os pobres do mundo e as gerações futuras” (p. 2)