divórcio ou casamento eterno?...

2008-04-17

Filosofando...

Regressei já a casa há mais de oito dias, mas só agora me dispus a passar por aqui.
Gostaria de fazer alguns comentários, mas por hoje quero apenas partilhar o meu artigo para o Correio de Coimbra sobre o exercício político. Não referi outros exemplos porque são suficientemente ridículos (embora destrutivos) para não lhes dar demasiada divulgação.

ESTA ARTE NOBRE E DIFÍCIL
Estas palavras, com que o Concílio quis manifestar o seu respeito e admiração pelo exercício da política (GS 75), apresentam-se hoje em vivo contraste com a realidade.
Efectivamente nunca o exercício político terá tido uma imagem tão degradada. Não é difícil encontrar razões para tal situação. Sem pretender enumerá-las todas ou hierarquizá-las, aqui ficam algumas. A globalização, nas suas características actuais, privilegia o primado do económico sobre o político: as empresas deslocalizam-se depois de terem sugado as mordomias que os Estados de origem se viram forçados a conceder-lhes para outras regiões onde a mão-de-obra garante maiores lucros. E o poder político parece ficar manietado. Não haverá nada que possa ser feito em prol do primado do político sobre esta ditadura do económico? Este eclipse do Estado é um factor fortemente negativo para a sua afirmação pública. Depois, o político é um campo em que as decisões nem sempre funcionam como se desejaria e os seus resultados se arrastam. Não é fácil mudar mentalidades por decreto e as reformas, sempre pedidas, implicam mudanças de vida para as quais poucos estão disponíveis. Em terceiro lugar, a política é o lugar por excelência do compromisso, o que numa sociedade maniqueísta não é muito fácil de entender, aceitar e praticar. A propósito de negociações recentes falou-se em vitória e derrota, mas nunca de acordo, quando muito de entendimento. Até parece que os intervenientes nestes processos políticos têm receio de assumir a cidadania como um exercício de diálogo e de cedências mútuas orientadas pelo serviço do bem comum e não como um campo de batalha onde cada um guarda zelosamente o seu território e onde a cedência aparece com um acto de cobardia indigno da pessoa. E, sobretudo quando uma sociedade é doentiamente corporativista, estes tiques reptileanos agudizam-se ainda mais.
Depois vem as palavras verdadeiramente autofágicas dos políticos com responsabilidades graves na degradação da sua imagem: por exemplo, as contínuas acusações de mentiroso e incapaz de cumprir promessas. É quase ridícula esta falta de bom senso (e de inteligência?): é que, quando acusam os seus adversários de partido mas colegas de profissão, os políticos estão a acusar-se também a si próprios e sobretudo à sua classe desses mesmos vícios e defeitos. E o que passa para a opinião pública é essa auto-avaliação, feita pelos próprios envolvidos.
Mas para lá das palavras, cada vez mais desvalorizadas, há também os comportamentos. E bastará lembrar dois ou três casos recentes. O caso de Jorge Coelho e a Mota-Engil é mais um elo numa longa cadeia que justifica o sábio ditado popular com tudo o que tem de injusto: “melhor que ser ministro é ter sido”. Como se sabe, não é caso único, o que agrava a situação. Mas sempre que acontece um caso destes fica sempre a dúvida: estes convites são para pagar favores antigos ou para garantir favorecimentos futuros. Claro que o problema é complexo: Deverá um ex-ministro ser impedido de trabalhar onde lhe surgir a oportunidade? Esta limitação não o irá prejudicar como cidadão? Bastará legislar e estabelecer um “período de nojo”? Mas o problema de fundo não está no tanto no ser ilegal mas na esfera do ético. E à lei não compete legislar sobre os domínios da ética mas sob o império da ética, pois a prioridade é da ética.
A afirmação de um ilustre deputado de que “o casamento se baseia em afectos e não em deveres” é uma afirmação preocupante: naturalmente que cairá bem a muita gente. Mas numa sociedade, onde só se fala de direitos e nunca deveres, esta afirmação vem reforçar mais esta falha. Não é possível viver numa sociedade só fundada em direitos. Já João XXIII recordava que esquecer os deveres é como que "destruir com uma mão o que a outra vai construindo" (PT30). Fazer uma afirmação destas como justificação de uma proposta partidária, neste caso do PS, é um péssimo contributo para a construção de uma sociedade que se quer justa e solidária.
Finalmente, com o recente aumento do salário mínimo, os grandes beneficiados foram, imagine-se, os partidos que viram o seu subsídio crescer acima da média. Isto é, os mais pobres e os partidos foram os que tiveram o maior aumento, bem acima da inflação. Que os pobres tenham uma discriminação positiva está muito bem e até deveria ser maior, pois trata-se de uma exigência de justiça social. Mas os partidos!?
Dir-se-á que estes são três exemplos ridículos. É sintomático que alguém assim pense, mas sejam ou não, são sobretudo sinais de uma mentalidade vigente, mentalidade esta que vem ainda deteriorar mais a imagem dos políticos e por arrastamento, do exercício político, que dada a sua exposição mediática, deveria ser o primeiro exercício de cidadania.
“Aqueles que são ou se podem tornar capazes de exercer a arte, simultaneamente tão nobre e difícil, da política, preparem-se para ela e procurem exercê-la sem pensarem no interesse pessoal e nas vantagens materiais. Lutem com integridade e prudência contra a injustiça e a opressão, contra o absolutismo e a intolerância, quer de um só homem, quer de um partido político; dediquem-se, na actividade política, ao bem de todos com sinceridade e rectidão, com amor e coragem” (GS 75).