divórcio ou casamento eterno?...

2010-06-21

Foi há oito dias

De acordo com o previsto, aterrou na Austrália, no passado 13 de Junho, uma cápsula espacial.

O que tem isto de extraordinário num tempo em que quase todos os dias se lançam satélites?
É que neste caso, tratou-se de uma verdadeira odisseia, um enorme desafio tecnológico e uma prova da capacidade humana para converter uma viagem extremamente acidentada numa viagem de sucesso.

Em 2 000 os japoneses planearam mandar uma sonda espacial chamada Hayabusa, “falcão” em japonês, para “aterrar” num pequeno asteróide, recolher poeira da sua superfície e vários dados científicos e voltar à Terra. Não fizeram a propaganda que a NASA gosta de fazer, mas, no anonimato, preparam tudo e após alguns atrasos, a sonda partiu a 9 de Maio de 2003. O seu destino era um calhau com 500 metros de comprimento e 180 de diâmetro, o asteróide Ytokawa, perdido na imensidão do espaço. A 12 de Setembro de 2005, chegou ao seu destino. Mas durante a viagem e sobretudo quando chegou aconteceu-lhe de tudo. Programada para descer suavemente, falhou a primeira tentativa de “aterragem”, na segunda tentativa teve uma fuga de combustível, que a deixou incapaz de sair do asteróide. Entretanto foi perdendo os seus giroscópios (espécie de bússola para orientar a sonda), os motores iónicos que deviam empurrá-la pelo espaço falharam, os sistemas de comunicações trabalhavam intermitentemente. E tudo isto a uma distância tal que as comunicações com a Terra demoravam 17 minutos!

Não se sabe bem se conseguiu recolher poeira do asteróide.
Mas mesmo que isso não tenha acontecido, não podemos deixar de admirar a capacidade humana, que conseguiu, no meio de tantos problemas, controlar uma sonda que teve de percorrer cerca de sete mil milhões de km e aterrar sete anos depois da sua partida. No meu blog ventosdouniverso contei esta odisseia de modo pormenorizado.

A sua reentrada na atmosfera era complicada porque o ângulo da sua trajectória era muito elevado. Mas mesmo isso foi resolvido; a sonda transformou-se numa bola de fogo ao entrar na atmosfera, acabando por, como estava previsto, se fragmentar, enquanto a cápsula onde virão as poeiras aterrou mais suavemente nas proximidades da “Área Proibida de Woomera”, um campo de testes militares localizado 485 km ao nordeste de Adelaide, no Outback australiano. Quem quiser poderá acompanhar estes momentos clicando aqui.

Não há palavras!!!

O que poderíamos fazer pela qualidade de vida de todos os habitantes do nosso planeta se puséssemos a nossa inteligência colectiva ao serviço do bem comum nacional e in ternacional em vez de lhe sobrepormos interesses egoístas, acontecimentos degradantes, explorações de todos os tipos dos nossos irmãos, com quem formamos, em conjunto, uma única família.

2010-06-20

As três grandes explorações humanas

Da segunda leitura da Liturgia de hoje fazem parte as bem conhecidas palavras: “Não há judeu nem grego, não há escravo nem homem livre, não há homem nem mulher” (Gal 3, 28). Estas palavras são possivelmente das mais revolucionárias que poderiam ser ditas, porque resumem as três principais violações dos direitos humanos e as grandes degradações da dignidade das pessoas e dos povos.

Não há judeu nem grego
Nenhum povo é superior a outro. Nenhum povo tem mais direitos ou deveres que outro.
É, portanto, a recusa da força bruta do mais forte porque tem mais armas ou mais ogivas nucleares. É a recusa da superioridade intelectual dos que acumulam Prémios Nobel como se fosse a ciência e a técnica que decidissem o avanço moral da humanidade. É a recusa da superioridade cultural de um povo só porque é “primitivo” e não segue os nossos valores e tradições ou os nossos não-valores.
É a obrigação que todos os países têm de respeitar os outros a partir dos seus valores e critérios. É a recusa do etnocentrismo, que coloca o meu país ou a minha cultura no centro e que obriga todos os outros a sujeitar-se a eles.
É a obrigação de que todos os países devem criar espaço para que os outros, todos os outros, grandes ou pequenos, possam dar o seu contributo para o desenvolvimento da humanidade.

Não há escravo nem homem livre
A escravatura sempre existiu e ainda existe. É das invenções históricas aquela que mais se torna incompreensível. Um homem transformado em animal, sem direitos, sem possibilidade de poder reclamar o que lhe pertence por natureza.
Todos os sistemas políticos e económicos assentaram e ainda muitos assentam nesta degradação suprema do ser humano. Foi uma luta intensa que durou milénios, mas que finalmente conseguiu a condenação formal na legislação. Nem sempre este reconhecimento é eficaz, mas significa que a consciência moral da humanidade assumiu como um degrau superado esta situação inqualificável.
De qualquer maneira, esta luta não está acabada. Exige atenção redobrada sobretudo das instâncias internacionais.

Não há homem nem mulher
Para quem é crente, encontra logo na primeira página da Bíblia, uma justificação teológica para esta afirmação: “Deus criou o ser humano à sua semelhança, criou-o à imagem de Deus; homem e mulher o criou” (Gn 1,28)
Se houve algumas sociedades matriarcais, rapidamente foram superadas pelas patriarcais. Ou pior ainda, pelas sociedades machistas quantas vezes apoiadas por motivações religiosas. Em nome de Deus, os homens-machos espezinharam as mulheres, serviram-se delas, consideraram-nas propriedade sua equiparando-as aos animais domésticos.
As formas e as justificações foram as mais variadas, mas, no fundo, todas iguais. Mais comentários para quê?

Porquê?
Falta apresentar a razão desta tripla recusa: “Todos vós sois um em Jesus Cristo”. Esta é uma razão que só obriga os crentes.
Mas, todos, crentes ou não, somos um, formamos uma só família, a humanidade.

2010-06-13

Margaret Merkel

A Europa atravessa uma fase especialmente difícil. Não se trata “apenas” da grave crise financeira e económica. Esta é o carrasco que coloca muita gente no cepo, que cria desemprego, que fragiliza os mais débeis e serve apenas os interesses de alguns oportunistas, quais abutres a pairar sempre onde há sangue e carne morta, à espreita de mais uma oportunidade.
Trata-se também e sobretudo de algo mais profundo: da própria essência, da alma da Europa. De uma Europa que se definia por valores solidários e os punha em prática. De uma Europa que praticava a abertura aos outros sem deixar de ser ela própria. De uma Europa que podia exportar valores como os direitos humanos sempre no respeito pelas tradições locais. Muitos poderão ir à História e provar que esta não foi a regra. É um debate interessante, mas que pouco adianta para os tempos que hoje vivemos.
Hoje temos de decidir se queremos ser a Europa no que ela tem de melhor, nas suas virtudes e potencialidades ou se queremos chafurdar nos nossos interesses nacionais. Temos de escolher entre a solidariedade e o egoísmo. Temos de escolher entre uma Europa “moral” ou uma manta de retalhos juridicamente atabalhoada. Temos de escolher entre uma Europa, onde todos se regulam pelos valores que sempre definiram a Europa, ou se nos rendemos, sem honra nem glória, a um neoliberalismo gerador de todas as crises.
A Europa quer continuar a governar-se por princípios e valores ou prefere a velha máxima de Margaret Tatcher: “Eu sou pelos valores desde que eles não interfiram com os meus interesses”? Esta pergunta tem de ser feita, antes de mais, aos primeiros responsáveis pela organização e instituições europeias. A todos… mas principalmente a Angela Merkel.
E a nós, cidadãos comuns, o que nos compete fazer? Talvez a nossa tarefa primeira seja uma decisão interior: queremos ser cidadãos europeus (abertos ao mundo) ou basta-nos sermos cidadãos nacionais (fechados no nosso quintal)? Sem esta opção clarificada, cada um puxa para seu lado, ou seja, para lado nenhum. O que vamos assistindo é que os cidadãos ou não agem como cidadãos, capazes de prescindir de alguns direitos para que a Europa fique mais forte, ou são cidadãos manipulados pelos interesses partidários dentro de cada país. E como os governantes ainda parecem mais egoístas do que os seus cidadãos, as nuvens da destruição pairam sobre a Europa.
Acredito que esta crise nos desperte a todos. Esta pode ser a crise que, apesar das dores de parto, dê à luz uma Europa a sério. É a minha esperança.

2010-06-05

Palavras infelizes

A propósito de algumas considerações de D. José Policarpo numa entrevista à Renascença, escrevi um dos meus artigos quinzenais que passo a reptoduzir.

A CAPACIDADE DE DIALOGAR
Quando me preparava para continuar a minha reflexão sobre os “inimigos na/da Igreja” fui interpelado pelas palavras de D. José Policarpo sobre o Presidente da República.
Começo por recordar o quanto marcou a minha formação a sua tese de doutoramento em Teologia Dogmática – Sinais dos tempos – e outros dos seus muitos escritos, homilias, discursos que fui lendo e meditanto. Admiro-o enquanto homem de diálogo, muito na linha da encíclica de Paulo VI, Ecclesiam suam: “diálogo sem condições” e respeitador do outro, mas sem nunca ceder ou trair as suas convicções. E até penso que terá sido por forte influência sua que foram publicadas algumas das Cartas Pastorais mais dialogantes com a sociedade portuguesa. Por isso, me causou grande surpresa a sua afirmação que transcrevo da Ecclesia: se “usasse o veto político” na lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo, acredito que “ganhava as eleições presidenciais do próximo ano”. Estas palavras são mais de comentador político do que responsável qualificado da Igreja. As repercussões políticas são evidentes como se confirma pela rápida movimentação que logo se multiplicou em termos de presidenciais.
Dito isto, parecem-me mais interessantes outras palavras suas – “Pela sua identidade cultural, de católico, penso que precisava de marcar uma posição também pessoal” – porque me transportam para o difícil dilema dos católicos entre a consciência e a obediência.
Sempre defendi que todo o Povo de Deus, particularmente os seus primeiros responsáveis, tem o direito e a obrigação de proclamar “oportuna e inoportunamente” (2Tim 4,1) a mensagem evangélica sobre a pessoa e a sociedade. Tem o direito e o dever de a propor, mas não de a impor, aliás uma ideia muito cara a D. José Policarpo e agora reafirmada, entre nós, pelo Papa.
Que ele apele à consciência cristã dos católicos e coerência de vida é sua missão. Simplesmente cada um será julgado pela coerência com a sua consciência, não pelos bispos ou cardeais, mas por Deus: “A consciência é o centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser” (GS 16). Os católicos (já) não podem ser vistos como mera manus longa da hierarquia, mas “antes, esclarecidos pela sabedoria cristã, e atendendo à doutrina do magistério, tomem, por si mesmos, as próprias responsabilidades” (GS 43). Este viragem conciliar não é fácil de perceber sobretudo numa sociedade democrática onde a pluralidade das mediações da fé é um bem: “Nas diferentes situações concretas e tendo presentes as solidariedades vividas por cada um, é necessário reconhecer uma variedade legítima de opções possíveis. Uma mesma fé cristã pode levar a assumir compromissos diferentes” (OA 50). O Magistério tem abordado esta questão, complexa e difícil, sobretudo para os que têm a coragem de participar activamente na “vida política”. Por exemplo: “Viver e agir politicamente em conformidade com a própria consciência não significa acomodar-se passivamente em posições estranhas ao empenho político ou numa espécie de confessionalismo; é, pelo contrário, a expressão com que os cristãos dão o seu coerente contributo para que, através da política, se instaure um ordenamento social mais justo e coerente com a dignidade da pessoa humana”.
Mas aqui podem surgir conflitos de consciência. Certamente que “um católico não pode pensar em delegar noutros o empenho que, como cristão, lhe vem do evangelho de Jesus Cristo de anunciar e realizar a verdade sobre o homem e o mundo”. Mas o problema que se coloca é como saber “a verdade sobre o homem e o mundo”. Não basta falar da verdade. O que é a verdade sobre a dignidade da pessoa? Jesus falou muito da dignidade da pessoa, colocando-a acima do sábado (Mc 2,27), da lei (Jo 8,3-11), do culto (Mt 5,23-24) e até pôs a vivência da caridade acima da doutrina sobre a caridade (Lc 10,29-37). Além disso, há uma hierarquia de verdades (UR 11). Primeiro temos um núcleo absolutamente indiscutível de que o Credo é um bom resumo. Mas depois, saídos da esfera dogmática, entramos noutras esferas, nomeadamente da moral, que é hoje um campo fértil em desafios e conflitos para muitos católicos, especialmente os “políticos”. Claramente que a opinião do Magistério deve ser respeitada e tida na devida conta, mas isso não resolve o problema da consciência de cada um, que procurou “formar bem” a sua consciência à luz do Evangelho e tendo em conta os ensinamentos do Magistério. Por exemplo, como conciliar estas afirmações: “todo o acto sexual deve ser aberto à vida” (HV 11) e os casais “podem encontrar-se numa situação em que o número de filhos, pelo menos por um tempo, não pode aumentar e em que só dificilmente se mantêm a fidelidade do amor e a plena comunidade de vida. Quando a intimidade conjugal se interrompe, pode correr perigo a fidelidade e estar comprometido o bem dos filhos” (GS 51) e “são os esposos quem, em última instância, devem propor este juízo (sobre ter ou não filhos) perante Deus” (GS 50)?
Hoje ao deputado ou ao governante colocam-se também muitos problemas perante a dificuldade em perceber o que é realmente melhor para defender, respeitar e promover a dignidade humana, o bem comum e a coesão social, obrigação primeira da sua missão. Nestes momentos de decisão, a consciência de cada um é que deve contar, pois é por ela que seremos julgados no fim dos tempos. Quem o disse, entre outros, foi S. Tomás, há já muitos anos: “Recebida uma ordem encontramo-nos num dilema: se formos contra a nossa consciência, pecamos; se desobedecermos ao nosso superior, também pecamos. Dos dois, o primeiro é pior pois que o ditame da consciência vincula mais que o decreto da autoridade exterior”.
E quem de nós está em condições de avaliar a consciência dos outros, apenas podendo ver os seus gestos e atitudes?