divórcio ou casamento eterno?...

2011-02-19

Fotografia de família

Quando me preparava para fazer um comentário sobre a pessoa idosa que foi encontrada morta no seu apartamento ao fim de oito meses, alguém me mandou um artigo de opinião de Marinho e Pinto. Como, espero que tenha sido perceptível, tenho aqui procurado reflectir e lutar pela necessidade de construirmos uma sociedade civil, onde a cidadania seja cada vez mais forte e eficaz, pensava abordar, entre outros, alguns dos aspectos que o autor do artigo descreve de modo fabuloso e conhecedor. 
Antes de reproduzir integralmente o artigo, quero fazer um comentário.
A tristeza desta nossa sociedade em termos de cidadania é tal que, para sossegar a nossa consciência "cívica", arranjámos um bode expiatório: a classe política. É certo que eles "se põem a geito". Mas é uma atitude comodista nossa. E o que este artigo denuncia é que, como se vê, os responsáveis directos são pessoas e instituições "não políticas". A classe política está como está. Mas ela não é a única. Temos de perceber isso. Devemos lutar contra os seus dislates, mas não nos devemos ficar pelos "políticos". Caso contrário, estamos a deixar apodrecer a maçã, porque só olhamos para o píncaro e estamos convencidos de que, quando começar a apodrecer o píncaro, basta cortá-lo e a maçã fica comestível. É falso. Todos somos responsáveis, conforme  a área e a extensão de poder e da influência que cada um tem. E sobretudo os que não têm nenhum poder institucional senão o de sermos cidadãos, porque somos milhões e se mudarmos de vida mudamos tudo.
Se não assumirmos uma leitura honesta da realidade, se nos ficarmos pelo mais fácil e visível, a sociedade vai continuar cada vez a piorar mais. Porque deixamos que a maçã vá apodrecendo discrertamente por dentro. Assim fazendo, somos ainda mais responsáveis que a longa lista de (ir)responsáveis referidos no artigo.
Portanto, todos somos culpados porque não criamos um ambiente de responsabilidade: 
- todo o que se cala, porque não quer chatear-se, obrigando o funcionário a atendê-lo com respeito e delicadeza, ou porque não está para fazer uma contestação cujo desenvolvimento pode demorar anos e não chegar a nada;
- todos os pais que não ensinam os filhos a serem responsáveis e construtores do bem comum, já para não falar dos que viciam as regras do jogo cívico para que os seus filhos passem à frente de outros;
- todos os professores que transmitem "apenas" muitos saberes técnicos mas não educam para a cidadania nem a praticam quer dentro da sala de aula quer no tipo de reivindicações públicas que fazem;
- as Igrejas sempre que as suas catequeses e formação se perdem nos meandros insondáveis do Deus infinito e não colocam o assento tónico na missão, que o próprio Deus nos confiou, de sermos os seus instrumentos na construção de um mundo, continumado a sua obra da Criação e da Redenção;
- todos os "políticos" que apenas pensam nos seus interesses e se especializaram em embrulhar uma falsa luta pela cidadania em meros exercícios de luta pelo poder pessoal ou de defesa de interesses egoístas partidários;
- todos os sindicalistas que não fazem dos sindicatos também escolas de formação dos trabalhadores, acabando por se esgotar na mera defesa de salários ou imorais "direitos adquiridos";
- toda a comunicação social que prefere destacar notícias de "faca e alguidar" e deixa para as letras miudinhas (não vá alguém sabê-lo!) a dedicação e o esforço anónimos de milhares de voluntários, de animadores culturais, de assistentes sociais e também de alguns poderes autárquicos, que, todos os dias, fazem milagres, autênticos milagres, matando a fome material, alimentando a sede espiritual, estimulando o florescimento da dignidade de tantos que a vão deixando estiolar, promovendo iniciativas que pouco a pouco vão acordando os milhares de cidadãos adormecidos, acomodados, egoístas;
- todas a chefias intermediárias que vivem para a promoção pessoal, para a subserviência irracional ao chefe, para a cunha dos amigos, e não sentem brio por ter um serviço eficiente e produtivo, não estimulam as competências próprias de cada um dos seus subordinados, não criam a beleza de um ambiente saudável que faça cada um sentir-se membro indispensável de uma equipa sólida e unida, preferindo multiplicar insatisfações, coarctar a criatividade (só o chefe é que tem ideias!), "pôr na prateleira" os mais competentes, esquecendo que todos devemos estar ao serviço do bem comum e tanto mais quanto maior for a nossa responsabilidade cívica.
Vamos todos dar uma forcinha, que isto vai avançar pouco a pouco, mas temos de empurrar todos.      
E então vamos ao artigo.

UM PAÍS INSUPORTÁVEL
A. Marinho e Pinto
Jornal de Notícias 13.Fev.2011
A falta de bom-senso e humildade constitui uma das principais causas da degenerescência da justiça portuguesa. Tudo seria simples se houvesse uma coisa que falta cada vez mais aos nossos magistrados: bom senso.
Uma mulher com 88 anos de idade morreu no seu apartamento em Rio de Mouro, Sintra, mas o corpo só foi encontrado mais de oito anos depois, juntamente com os restos mortais de alguns animais de companhia (um cão e dois pássaros).
Este caso, cujos pormenores têm sido abundantemente relatados na comunicação social, interpela-nos a todos não só pela sua desumanidade mas também pela chocante contradição entre os discursos públicos dominantes e a dura realidade da nossa vida social. Contradição entre promessas e garantias de bem-estar, de solidariedade e de confiança nas instituições públicas e uma realidade feita de solidão, de abandono e de impessoalidade nas relações das instituições com os cidadãos.
Apenas duas ou três pessoas se interessaram pelo desaparecimento daquela mulher, fazendo, aliás, o que lhes competia. Com efeito, uma vizinha e um familiar comunicaram o desaparecimento às autoridades policiais e judiciais mas ninguém na PSP, na GNR, na Polícia Judiciária e no tribunal de Sintra se incomodou o suficiente para ordenar as providências adequadas. Em face da participação do desaparecimento de uma idosa a diligência mais elementar que se impunha era ir à sua residência habitual recolher todos os indícios sobre o seu desaparecimento. É isto que num sistema judicial de um país minimamente civilizado se espera das autoridades policiais e judiciais, até porque o caso era susceptível de constituir um crime. O assalto e até assassínio de idosos nas suas residências não são, infelizmente, casos assim tão raros em Portugal. Mas, sintomaticamente, as autoridades judiciais não só não se deram ao trabalho de se deslocar à residência como, inclusivamente, recusaram-se a autorizar os familiares a procederem ao arrombamento da porta de entrada.
E tudo seria tão simples se houvesse uma coisa que falta cada vez mais aos nossos magistrados: bom senso. Mas não. Dava muito trabalho ir à uma residência procurar pistas sobre o desaparecimento de uma pessoa. Dava muito trabalho oficiar outras instituições para prestar informações sobre esse desaparecimento. Sublinhe-se que um primo da idosa se deslocou treze vezes ao tribunal de Sintra para que este autorizasse o arrombamento da porta da sua residência. Mas, em vez disso, o tribunal, lá do alto da sua soberba, decretou que a desaparecida não estava morta em casa, pois, se estivesse, teria provocado mau cheiro no prédio. É esta falta de bom-senso e humildade perante a realidade que constitui uma das principais causas da degenerescência da justiça portuguesa. Os nossos investigadores (magistrados e polícias) não investigam para encontrar a verdade, mas sim para confirmarem as verdades que previamente decretam. E, como algumas dessas verdades são axiomáticas, não carecem de demonstração.
Mas há mais entidades cujo comportamento revela que a pessoa humana não constitui motivo suficientemente forte para as obrigar a alterar as rotinas burocráticas e impessoais.
A luz da cozinha daquele apartamento esteve permanentemente acesa durante um ano, ao fim do qual a EDP cortou o fornecimento de energia eléctrica, sem se interessar em averiguar o motivo pelo qual um consumidor deixou de cumprir o contrato celebrado entre ambos.
Os vales da pensão de reforma deixaram de ser levantados pela destinatária, mas a segurança social nada se preocupou com isso. Ninguém nessa instituição estranhou que a pensão de reforma deixasse de ser recebida, ou seja, que passasse a haver uma receita extraordinária sem uma causa. E isto é tanto mais insólito quanto os reformados são periodicamente obrigados a fazerem prova de vida. Mas isso é só quando estão vivos e recebem a pensão.
Os CTT atulharam a caixa de correio daquela habitação de correspondência que não era recebida sem que nenhum alerta alterasse as suas rotinas.
Finalmente, as finanças penhoraram uma casa e venderam-na sem que o respectivo proprietário fosse citado. Como é que é possível num país civilizado penhorar e vender a habitação de uma pessoa, aliás, por uma dívida insignificante, sem que essa pessoa seja citada para contestar? Sem que ninguém se certifique de que o visado tomou conhecimento desse processo? Como é possível comprar uma casa sem a avaliar, sem sequer a ver por dentro? Quem avaliou a casa? Quem fixou o seu preço?
Claro que agora aparecem todos a dizer que cumpriram a lei e, portanto, ninguém poderá ser responsabilizado porque a culpa, na nossa justiça, é sempre das leis. É esta generalizada irresponsabilidade (ninguém responde por nada) que está a tornar este país cada vez mais insuportável.

2011-02-17

O TRABALHO MAIS IMPORTANTE DO MUNDO

No passado sábado participei numa tertúlia de amigos dedicada ao tema da Cidadania. Fui indigitado para a orientar. Depois de uma incursão histórica, terminei com quatro critérios que, devidamente vividos, contribuiriam significativamente para a mudança do nosso estilo de vida e da nossa organização social. Nada de novo. Foi apenas recordar o que todos sabemos: centralidade da pessoa, que implica uma ética do cuidado; construção do bem comum, que implica uma ética da fraternidade; reverenciação da natureza, que implica uma ética da solidariedade; dignificação do trabalho, que implica uma ética da responsabilidade. Como entretanto, tinha escrito a  minha ultima crónica sobre a dignificação do trabalho, aqui a deixo, até porque penso que, parecendo um tema menor, ele é fundamental para a dignidade da pessoas, para a organização mais justa e humana da sociedade e para a construção de futuro melhor e mais solidário com as gerações dos nossos filhos, netos e netos dos nossos netos.  

O TRABALHO MAIS IMPORTANTE DO MUNDO
Tive mais uma vez a agradável oportunidade de ouvir o Professor Bruto da Costa falar de pobreza. Como é sabido ele dedicou os últimos trinta anos a estudar esta realidade dolorosa, tendo desenvolvido alguns conceitos e desmontado alguns mitos. Vou deixar aqui alguns números que referiu, como ponto de partida para esta minha reflexão. Tendo seguido durante seis anos sempre as mesmas famílias, tirou, entre outras, as seguintes conclusões: 47% das famílias foram pobres pelo menos num desses anos. A distribuição dessas pessoas era assim: 31%, reformados; 44%, empregados e, repare-se, apenas 3% eram desempregados. Certamente que com a actual crise este pequeno número aumentou, mas as conclusões mantêm-se.
Se 44% dos pobres estão empregados, isto significa que não bastam as políticas sociais; são precisas sérias medidas e reformas económicas. E também mudança profunda de mentalidade.
O trabalho é vocação, é um chamamento ao desenvolvimento da pessoa mas também da sociedade. O desaproveitamento de muitas pessoas nesta função construtora resulta de não aceitarmos esta verdade, porque não fomos educados e não educamos nesse sentido. Usamos expressões corrosivas como “nunca mais é sábado”, “nunca mais chega o fim do mês” (para receber o dinheirinho!). E até muitos pais para justificar aos filhos que não podem ficar com eles, dizem a frase sacramental: “O papá (mamã) tem de te deixar porque vão ganhar o dinheiro para os teus brinquedos e a tua papinha”. Damo-nos conta que estamos a alimentar um “ambiente”que associa automaticamente a chatice do trabalho ao dinheiro, que é o dinheiro, e não o trabalho, o mais importante? O trabalho não é uma vocação; apenas um meio de ganhar dinheiro. Isto é, o importante é receber o salário, não é trabalhar. Por isso muitos trabalham o mínimo, fogem aos seus deveres laborais, fazem autênticas “greves de zelo”, sempre que não estão a ser vigiados. Pouco lhes importa que estejam a defraudar a sociedade e a sobrecarregar os colegas que têm de cobrir a sua baldice. É pelas mesmas razões que muitos ficaram infectados pela reformite aguda. A alguns até agradecemos a doença. Lamentamos que outros não tenham continuado, pois o seu muito saber é agora especialmente necessário. Condenamos as chefias que nada fizeram para os acarinhar e tenham criado condições tais que, por uma questão de dignidade e de respeito por si próprios, tiveram que ir-se. Mas na maior parte dos casos, o culpado foi o dinheiro: o dinheiro sempre o dinheiro. “Louvado seja o dinheiro!”. É por esta mesma razão que muitos preferem o subsídio de desemprego a trabalhar porque vão ganhar menos. Sempre o dinheiro a comandar. Somos escravos do dinheiro. Não percebemos que o trabalho é uma vocação, um meio de nos realizarmos como pessoa e de construir a sociedade. O dinheiro pode dar estatuto social, satisfazer hábitos e estilos de vida, por vezes, ilícitos, mas nunca “faz” a pessoa, até porque pelo dinheiro muitos vendem a alma, alimentam a corrupção, compram estatuto, desonram-se sem dar por isso ou sem lhe dar importância.
O trabalho é criação, como diz Paulo VI: “Deus, que dotou o homem de inteligência, de imaginação e de sensibilidade, deu-lhe assim o meio para completar, de certo modo, a sua obra: ou seja artista ou artífice, empreendedor, operário ou camponês, todo o trabalhador é um criador” (PP 27). Se todo o trabalhador é criador, por que é tratado pelo neoliberalismo reinante como um criado para quando for preciso (“a reserva do capitalismo”) e por que se considera o trabalho uma mera mercadoria? Legislação e empresas estimulam pouco esta faceta criadora, ou nem a reconhecem, salvo raras excepções. João Paulo II acusava uma sociedade assim de “não poder conseguir nem a sua legitimação ética nem a paz social” (CA 43). Também por isso temos tantos desempregados.
Desmentindo uma ideia quase universal, a dignidade não é dada pelo trabalho mas pela pessoa. Não se é mais digno por se ser catedrático universitário do que por se ser “mulher a dias”. A dignidade vem da pessoa, do modo como vive o seu trabalho, de investigador ou de arrumador, como uma vocação ou não. Até porque numa sociedade todos somos precisos. Alguém seria prémio Nobel sema ajuda de cientistas, técnicos, administrativos, empregados de limpeza? O que faria um empresário sem os trabalhadores, desde os mais qualificados aos menos instruídos? Conta-se que, quando Kennedy, ou talvez outro Presidente, visitou o Cabo Canaveral perguntou ao porteiro: “Então qual é o seu trabalho?”. E o funcionário, cheio de brio, respondeu-lhe: “Ajudo a colocar um homem na Lua!”. Isto é, eu, um simples porteiro, tenho a mesma responsabilidade que os “crânios” que ali dentro programam órbitas, quantificam combustível, definem locais de alunagem. É este espírito que nos falta: sentirmos que o nosso trabalho como o mais importante do mundo. Mas a pandemia da doutorite dá cabo de nós. Todos queremos ser doutores. Esses, sim, é que são importantes! Por isso andaram sindicatos e corporativismos a exigir equivalência a “doutores”, esquecendo-se alguns de que não passavam do exemplo vivo do ditado popular: “doutor é um burro carregado de livros!”.
Se todos acreditássemos e trabalhássemos sentido o nosso trabalho como o mais importante do sistema, quase certamente não estaríamos a passar por esta crise tão profunda.

2011-02-04

Um sorriso por… amor

Por iniciativa, segundo me pareceu, da RR, hoje as várias estações de rádio desafiam-nos a sorrir, a sorrir para o vizinho do lado, seja em casa, no prédio, no local de trabalho ou na rua.
O autor da ideia não me conhece de lado nenhum nem nunca deve ter lido nada do que escrevo aqui sentado olhando o mundo por uma janela. Por isso, apesar, de no meu último artigo e post, a primeira atitude a que desafiava os leitores era a de “sorrir uns para os outros”, aqui estou a cumprimentá-lo e a fazer força para que todos os ouvintes sorriam hoje, sorriam a sério e não com um daqueles “sorrisos de casa de banho” (é a minha versão para “sorriso amarelo”), sorriam várias vezes, para que amanhã continuem a sorrir e depois de amanhã também e depois e depois, ao longo do ano e ao longa de toda a vida.
O sorriso não só evita rugas precoces melhor que muitos cremes, alguns bem carinhos, mas ajuda a limar as rugas da alma.
A nossa sociedade, que até é muito criativa a inventar anedotas risonhas, perdeu o hábito de sorrir. Passamos uns pelos outros e é preciso dar um encontrão distraído para pedir um”perdão!” ainda mais distraído a que nem sempre se responde com um “não tem importância” igualmente distraído.
Eu, por acaso, ou melhor por opção ou por educação, tenho por hábito cumprimentar as pessoas, mesmo desconhecidas, que encontro: um aceno de cabeça, um “bom dia” discreto, um sorriso, a que procuro dar o ar mais inocente do mundo, sobretudo se dirige a uma rapariga bonita… “por causa das moscas!” (Não conhece a expressão? Que falta de coltura!)
Os familiares próximos gozam comigo por causa desta minha atitude. Mas não é o “gozo” uma forma de obrigarmos os outros a sorrir?
O meu filho chama-me carinhosamente “serrano”, epíteto de que me orgulho muito, pois nasci no meio das serras do interior. Um grande e exagerado amigo meu, na apresentação que um dia fez da "minha ilustre pessoa", disse: “Um poeta beirão, que foi também médico de muita gente pobre e humilde, escreveu num dos seus livros que "todo o passarinho tem penas, e é feliz de cada vez que volta ao beiral da casa onde nasceu". Como gostamos de voltar ali, meu caro Zé! Leio sempre essa vontade nos teus olhos e sinto-o nas palavras que trocamos todas as vezes que o tempo nos deixa voar - como o tal passarinho do poema - nas asas do pensamento, até à nossa pequena aldeia, onde nos aguarda sempre o cheiro da broa de milho, acabada de cozer no forno do povo do Portal do Linhar; o perfume da sopa das nossas mães, com feijão vermelho e couve galega (ai que saudades!); ou o gosto nunca ultrapassado do maranho da festa… Enganou-se, pois, quem disse que o nosso destino não é telúrico! Somos cidadãos do mundo, é verdade, mas tudo se desmorona - ou, pelo menos, tudo perde o sentido - se for cortado o fio que nos liga ao horizonte onde ainda hoje imaginamos que sempre nasce o sol, à paisagem - a nossa é deslumbrante, por dom do Criador! - que continua a ser o termo de comparação para todas as outras que vamos tendo oportunidade de observar na vida!”.
(Por uma questão de honestamente devo dizer que fiz esta citação com o objectivo de dar alguma qualidade literária e poética a este post!)
Também a minha companheira … Alto lá, não vá alguém pensar que vivemos em união de facto. Não. Estamos casados religiosamente há 40 anos. E chamo-lhe companheira, porque ela é realmente a minha companheira de um projecto que todos os dias vamos construindo com altos e baixos, com alegrias e tristezas, como sorrisos e lágrimas. Chamo-lhe a minha companheira porque ela não é a “minha” mulher, não sou dono dela. Ela é Fátima, tão pessoa como eu.
Mas continuando…
Também a Fátima goza comigo, quando nalguma viagem ao estrangeiro, entro num elevador e cumprimento as pessoas com um “bom dia!” a que alguns respondem com umas palavras desconhecidas que tanto podem ser um “bom dia” como “vai tu!”. Mas cumprimento: um gesto, uma palavra, um sorriso.

O sorriso é ainda a linguagem mais universal. Um sorriso todos o entendem. Um sorriso límpido e sincero ainda o entendem melhor. Por isso respondem também com um sorriso. Além disso, o sorriso não custa dinheiro e é mais eficaz. O sorriso lava a alma, a nossa e a dos outros. O sorriso cura feridas interiores mais facilmente que muitos ansiolíticos, cujo consumo cresce assustadoramente entre nós. O sorriso não se gasta antes pelo contrário: quanto mais se dá, mais se tem e quanto mais se dá mais mais ele se multiplica.
Vá lá, pelo menos hoje sorria para um amigo e, se tiver coragem e amor para isso, sorria a um suposto inimigo. Talvez o sorriso até faça as pazes. Capaz disso é ele!
Vamos sorrir não para enganar ou esquecer a crise, mas para ganhar forças para a enfrentar. Quem é capaz de sorrir é capaz de acreditar na vida, está disponível para acreditar que as borrascas, mesmo tornadas tempestades, são passageiras.
O sorriso é juventude. O sorriso é amor. O sorriso é eterno.

2011-02-01

A opotunidade da crise

Como tive algumas reacções interessantes de dois leitores, resolvi reproduzir aqui o meu último artigo. Eu acredito que se todos olharmos para o melhor que temos dentro de nós e dentro dos outros podemos fazer coisas lindas que ajudem a superar a crise.

PENSAR E AGIR POSITIVO
Não é preciso tirar nenhum curso de psicologia ou de psiquiatria. Basta a experiência do dia a dia para saber que, se sistematicamente se disser a um miúdo ou até a um graúdo que “não prestas para nada”, “nunca serás ninguém na vida”, “não tens habilidade nenhuma”, ele acabará por interiorizar essa condição, as suas qualidades e talentos, mesmo inatos, acabarão por se atrofiar, a sua auto-estima afundar-se-á e muito dificilmente será capaz de enfrentar decididamente e com “espírito de vitória” os inevitáveis desafios que cada dia da vida trazem.
Todos conhecemos casos destes e talvez muitos tenhamos culpas no cartório quanto ao modo como lidamos com os filhos. Contudo, isto não acontece apenas com as pessoas. Acontece também com os povos. Os mecanismos serão mais rebuscados e os meios mais difíceis de detectar e de combater, mas criam um clima em que o desânimo paralisa, o fatalismo pontifica, a angústia amarfanha os espíritos, a incerteza interior mina a vontade de construir um futuro melhor. Não é difícil apontar como culpados intermédios alguns “fazedores de opinião”, alguns escritores, artistas e compositores, alguns jornalistas. Mais difícil é saber como e quem (se há algum quem!) começou este resvalar pelo plano inclinado da auto-estima perdida.
Portugal vive neste momento uma destas situações. Torna-se aflitivo, ver, ouvir e ler o que pensamos de nós, o que dizemos de nós, o que esperamos de nós, como povo. É angustiante viver nesta atmosfera asfixiante de desânimo, do fatalista “que podemos fazer?”.
E, no entanto, podemos fazer muito, se quisermos. Até porque basta pensar, falar ou escrever de modo positivo, isto é, olhando com outros olhos a nossa realidade. Estamos muito habitados a “dizer mal” de tudo e de todos, a ridicularizar iniciativas promissoras, a destacar apenas o erro do outro, a fechar os olhos aos pequenos gestos libertadores, a ignorar o que tanto de bom se passa ao pé de nós. Temos os nossos jornais e telejornais a rebentar pelas costuras com notícias que só descrevem o lado negro da nossa realidade. E é raro ver uma referência a milhões de pequenos gestos que libertam, a milhares de voluntários anónimos que afrontam o frio da angústia dos outros com uma sopa de consolo.
E este contínuo dizer mal, mostrar o mal vai corroendo as nossas reservas de bem, do muito bom que temos dentro de nós. Mesmo quando contam que milhares de pessoas deram toneladas de arroz e açúcar, temos de perceber que isso não muda a vida das pessoas assistidas; apenas lhes mata a fome. Isso não estimula a nossa vontade moral de mudar e de construir um país diferente. Não cria o ambiente de optimismo saudável e realista de que “nós podemos”, de que “somos melhores do que nos pintam”. E aqui ambiente significa qualquer coisa que me envolve e me ajuda a ter hábitos como o motorista experiente que não precisa de pensar quando deve travar ou meter uma mudança. Como povo, temos de criar este ambiente que nos faça fazer o que é preciso pela construção do bem comum sem ter de pensar; um ambiente que nos estruture, que se torne parte integrante e omnipresente da nossa forma de viver e de agir.
É verdade que já temos um ambiente, mas de maus hábitos. Temos, pois, de construir um ambiente que, espontaneamente, nos conduza a pensar primariamente no que temos de bom, no que podemos extrair dessa nossa bondade, apesar de sabermos que há coisas que não controlamos. Temos de, espontaneamente, acreditar que somos capazes de vencer as actuais dificuldades, que temos muitas reservas energéticas interiores adormecidas por essa “campanha de maldade” que todos os dias nos cai em cima. Essa força interior , se conseguir vir ao de cima, vai dar-nos força para lutar por uma vida melhor, para olhar o lado positivo da vida e das coisas, para vencer muitas dificuldades.
É urgente, pois, deixar de falar continuamente de crise, de depressão, de falência. A crise deve servir não para amargurar a nossa vida, mas para encontrar soluções libertadoras. Soluções conjuntas que nos vêm de um ambiente de vencedores, de uma mentalidade nova. Precisamos que os lideres, desde o Sócrates e o Cavaco, aos presidentes das câmaras, aos párocos, aos catequistas, aos movimentos de opinião, a todos os líderes intermediários, se mobilizem e em conjunto nos preguem a esperança no futuro, estimulem a vontade de lutar pelo bem comum, afastem os fantasmas exteriores do cataclismo mas sobretudo os fantasmas interiores geradores do medo de arriscar, da paralisia do caçador inexperiente frente ao leão devorador, da falta de reacção do peão frente a um carro em aceleração.
Todos juntos, na diversidade enriquecedora e criativa das nossas capacidades, vamos fazer gestos que autentiquem a confiança mútua: sorrir uns para os outros, elogiar quem faz um gesto libertador, dar a mão a quem luta por sair de uma situação difícil, estimular o vizinho com um “vamos lá, força”, cumprimentar-nos uns aos outros como quem se sente membro de uma comunidade, dar uma flor. Vamos ter orgulho de sermos portugueses, acreditar na nossa dignidade de povo, recusar as leituras miserabilistas, vamos berrar bem que somos capazes, nos jornais, nos telejornais, no nosso prédio, no meio da rua. Vamos gostar uns dos outros e com essa força esmagar medos do futuro e angústias do presente.
Vamos lá! Vamos fazer força todos juntos. E a crise, que é realmente crise, parecerá mais pequena e menos gravosa. É urgente fazê-lo especialmente este ano que vai ser mais difícil.