divórcio ou casamento eterno?...

2011-04-23

Dia Mundial das Vítimas da História

Sexta-feira Santa é, devia ser, o Dia Mundial das Vítimas da História. Os inventores dos Dias de Qualquer Coisa só não inventaram nem lhes interessa inventar este Dia porque as vítimas não consomem, só sofrem; não têm dinheiro, só fome em abundância; vivem no meio dos outros, mas são excluídos; não têm poder e, por isso, os poderosos ignoram-nos; não têm voz e os tribunos, quando falam deles, é quase sempre de modo abstracto e, (muitas) vezes para se servirem deles para fins outros e, de um modo geral, as legislações não fazem opção pelas vítimas e, quando o fazem, obrigam as vítimas a ter bons advogados para evitar as armadilhas das leis e virá-las a seu favor. Finalmente, para nós, os católico, as vítimas são sempre o próprio Cristo, mas nós não sabemos ou não queremos saber e muito menos acreditar. Uma prostituta é Jesus? Escândalo. Um drogado é Jesus? Heresia. Um sem abrigo é Jesus? Blasfémia. Por isso preferimos deixá-los fora das paredes das igrejas onde Cristo Crucificado sofre neles, para ir encontrar-nos com o mesmo Cristo, agora triunfante, dentro das igrejas, porque é bom estar lá dentro no quentinho do Monte Tabor e longe, muito longe, da violência da Cruz que tantos Cristos sofrem cá fora. Se pensamos que é escândalo, heresia ou blasfémia ver Jesus crucificado nas vítimas, estamos a ir por muito maus caminhos, caminhos perigosíssimos porque garantidamente não conduzem ao Reino de Deus. Foi Jesus quem o disse.

Há dias escrevi uma crónica de "raiva" porque a nossa sociedade nem sequer é capaz de se entender neste momento tão difícil e, também por causa disso, as vítimas vão aumentar. Alguém fica incomodado com elas?A crónica é de raiva, mas não de ódio; é de indignação, mas não de desespero. Escrevi-a de um jacto e nem me dei ao trabalho de a polir fonética, morfológica, sintacticamente nem de lhe dar um arzinho de politicamente correcta. Acho que em quase trinta anos de cronista nunca escrevi assim. Escrevo, leio e releio. Emendo, acrescento, corto. E ainda peço a opinião à minha consultora privativa. Procuro dizer o que acho, criticando às vezes com dureza mas quase sempre com palavras demasiado macias. Desta vez fiquei-me pela primeira versão, sem aumentos nem anotações nem rectificações. Mas anda bem que o fiz.
Se alguém quiser lê-la aqui a deixo. Mas não pense que vai encontrar um tipo armado de metralhadora. Apenas uma vozinha ingénua e irrealista que, se não fosse blasfémia, diria que às vezes se sente a pregar no deserto.   


AUSCHWITZ, UMA PARÁBOLA DE PORTUGAL?
Para preparar uma recente “conferência” que fiz, li vários artigos e houve dois conceitos tão pouco habituais que vou tentar aplicá-los à nossa situação, também tão pouco habitual.
G. Faus, no seu livro “Outro mundo é possível… desde Jesus” tem uma afirmação quase aterradora: olhar a realidade com honradez “obriga-nos a apresentar, como ponto de partida de todo o pensamento teológico (e não só, diria eu), a visão de Auschwitz como uma parábola do nosso mundo. Um mundo povoado por uma infinidade de “campos de extermínio” cuja enumeração nunca mais acabava”. E depois apresenta sucessivos exemplos em quase todos os continentes por causa de matérias-primas, de milhares de guerra, dos inúmeros genocídios, terminando “na crise económica mundial que quase não afecta os maus mas apenas as suas vítimas”. Apesar de tanta desigualdade, e cada vez maior, objectivamente não poderemos ir tão longe com Portugal. Mas escolhi esta palavra maldita para chocar e acordar a inconsciência colectiva em que parece que estamos mergulhados. Pois, apesar de algumas bolsas de extermínio, o que impressiona é a nossa assumida falta de atenção e de compromissso, preferindo ignorar uma real realidade mais profunda. Não basta que se tenham multiplicado as esmolas ou o número de pessoas com maior consciência de situações degradantes sempre ignoradas, excepto pelas centenas de voluntários que persistem em levar-lhes pão, esperança e amor. O que choca é que, apesar de estarmos a afundar-nos a olhos vistos, o egoísmo, individual ou tribal, esteja ainda tão presente, que não sejamos capazes de prescindir de “privilégios adquiridos”, para sermos mais iguais, e de interesses partidários para dar prioridade ao bem comum, que continuemos a cultivar um clima quase de ódio ao outro para o abater ou de medo do outro porque nos pode tirar benesses que não dão para todos.
                Utilizei esta palavra maldita para fazer uma ponte com as reflexões de um famoso sobrevivente de Auschwitz, como explicação para a indiferença colectiva perante tão descomunal barbaridade. Refiro-me a Primo Levi, que chamou ao seu código moral de sobrevivência “nosismo”, isto é, um egoísmo tão feroz que se estendia apenas aos que estão junto de mim, a um pequeno círculo geográfico e humano, para lá do qual só havia bruma e nevoeiro pelo qual passavam, de quando em vez, silhuetas difusas e irreconhecíveis, que não faziam parte do seu mundo. Isto gerava uma espécie de “zona cinzenta” que impossibilitava de julgar, de traçar uma distinção moral absoluta entre os assassinos e as suas vítimas (T. Judt). Por isso, ao ser libertado, sentiu vergonha de si. Mas sentiu uma vergonha ainda maior, a vergonha do mundo, que deixa que isto aconteça e nem sequer quer saber o que se passa: “há quem perante a dor dos outros vire as costas”. Começa por acusar os alemães por, durante anos, viverem na ilusão de que não ver significava não saber e que não saber era uma boa desculpa para sossegar a sua consciência da cumplicidade e da conivência. Mas é inútil fechar os olhos, voltar as costas ou varrer os esqueletos para debaixo do tapete. O ter acontecido isto, uma vez que fosse, demonstra que “o homem, o género humano, isto é, nós próprios, éramos (somos, digo eu) potencialmente capazes de causar uma enorme infinidade de dor e que a dor é a única força que se cria do nada, sem custo nem trabalho. Basta não olhar, não escutar, não fazer nada”.
                Chamei aqui estas palavras, porque me parece que também neste país vivemos numa espécie de consciência cinzenta, sem distinção nítida entre claro e escuro, esbatida pela neblina com que nos envolvemos para ignorar a realidade, onde os outros não existem ou são marionetes mas não pessoas que sofrem, que riem, que amam, que têm sentimentos. Vivemos numa “sociedade líquida”, que não mantém nenhum rumo determinado e vai tomando as formas mais moldáveis. E isto marca as nossas vidas com a precariedade e a incerteza constantes e leva-nos a aceitar sem protestos a falta de rumo e sentido (Z. Bauman). Hoje já se fala de uma sociedade gasosa: nos gases, as moléculas estão muito afastadas, chocam pouco e aleatoriamente, parece que nada as liga entre si e espalham-se por todo o espaço sem qualquer ordem. Mas a expressão parece-me imprópria. Porque, numa sociedade gasosa só os ricos se deslocam como querem e só os capitais atravessam incólumes o espaço virtual. Os pobres, contudo, não podem viver nesta liberdade de movimentos, não podem circular livremente. Esta sociedade, tão gasosa para a riqueza, torna-se uma verdadeira fortaleza para os pobres. Há muros sólidos por todo o lado: muros legislativos (espaços de Schoengen, …) mas também muros de pedra e cal, como as paredes que separavam os lautos banquetes do rico epulão do esfomeado Lázaro cheio de feridas e de exclusões.
                A consciência cinzenta e anestesiante, a liquidez de uma vida sem norte nem rumo, uma organização social ambivalente – gasosa para a difusão livre da riqueza e sólida como fortaleza contra a invasão dos pobres – estão a asfixiar-nos moralmente e a degradar as nossas relações humanas, suprimindo “a capacidade de sentir o outro como irmão, como um que faz parte de mim, e incapacitando-nos para criar espaço para o outro e para nos ajudar a levar os fardos uns dos outros, rejeitando as tentações egoístas, que sempre nos ameaçam e geram competição, arrivismo, suspeitas, ciúmes” (NMI 43).
                Não custa nada ser criminoso cívico e moral: basta não olhar, não escutar, não fazer nada.

              É o que a maior parte de nós faz, mesmo hoje, com o barco a afundar-se. Afundamo-nos com os olhos fechados. Que ao menos a água fria nos acorde e nos empurre para a superfície.

2011-04-19

Seis anos de BentoXVI

Faz hoje seis anos que Ratzinger foi eleito Papa para suceder a João Paulo II.
Devo dizer que, no momento desta eleição, tive a sensação difusa de que se tratara de uma eleição de medo: Quem estaria à altura de João Paulo II? Não era uma ruptura violenta escolher alguém que não fosse seu continuador, apesar da Igreja se debater com problemas cada vez mais complicados? Vamos para mais uma Papa de transição, como aconteceu com a escolha de João XXIII? Mas não sei. Não estava lá. E, mesmo que estivesse, não conheço os mecanismos curiais que se foram refinando durante centenas e centenas de séculos.  

Também devo dizer que não fiquei entusiasmado, especialmente por quatro razões
Ter idade avançada
É preciso aprender a ser papa, a ser o principal condutor de um povo de quase 1,2 mil milhões de pessoas, entre as quais há um pluralismo tão alargado que a diferença entre elas é superior a muitas diferenças entre alguns católicos e não católicos ou até não crentes. E isto leva tempo sobretudo se o terreno esta “minado” por uma Cúria que “a sabe toda”: um historiador diz que nenhum papado deveria ter mais de quinze anos, não só porque a partir daí o papa já não tem nenhuma ideia nova, mas sobretudo porque ao fim desse tempo já a Cúria sabe perfeitamente como “dar-lhe a volta”e poder fazer o que tão bem sabe fazer.

Pertencer à Europa
A Igreja que está na Europa é uma Igreja velha, gasta, cansada, a atravessar um verdadeiro período de “inverno” (Rahner). Precisamos de superar vícios velhos, cortar ramos secos, injectar seiva nova, o que esta Igreja já não parece capaz. Além do mais, as coisas vistas da Europa (uma pequena ilhota no mundo) estão muito focadas nos problemas intelectuais –laicismos e laicidade, fé e razão – e passam por alto os grandes dramas da enorme maioria dos católicos, como a luta pela justiça social, a consolidação da paz, a conservação da natureza.
  
Ser Teólogo
O que a Igreja precisa é de um Papa que seja “pastor” que conheça bem os problemas pequeninos que fazem o dia a dia das pessoas e não de um intelectual que esteja preocupado com as grandes questões teológicas. O pastor parte das pessoas; o teólogo parte da doutrina; o pastor parte da realidade concreta e procura iluminá-la com a palavra de Jesus; o teólogo parte de Jesus e procura iluminar a realidade que ele teólogo pensa que existe. Por isso, a Igreja perde demasiado tempo a responder a perguntas que ninguém faz, a passar ao lado das questões existenciais em que a História continuamente mergulha as pessoas e a ficar sem capacidade de responder de modo adequado a cada tempo e lugar.

Ter sido Ratzinger
Todos recordamos que foi um dos teólogos mais influentes da “maioria” conciliar, mais “progressista”, do Concílio, ao lado do seu amigo e colega Hans Kung, mas também de Congar, Lubac, Häring, Chenu e tantos outros que João XXIII foi buscar à prateleira para onde os enviara Pio XII. Durante os anos 60, sofreu uma espécie de “ruptura epistemológica”, uma transformação profunda, que se visibilizou pelo seu afastamento da revista Concilium e a criação, com Urs von Balthasar, da revista Communio de que foi o principal inspirador. Em 1974, afirma que a verdadeira recepção do Concílio ainda não tinha começado e que era necessário preservar a “continuidade” do catolicismo e abandonar a ideia de ruptura entre a Igreja pré-conciliar e a conciliar. Veremos com estas ideias marcam todo o seu pontificado (Discurso aos cardeais em 22.Dez.2005). 
Para ele, a raiz da crise que entretanto surgiu estava no esquecimento do “mistério” da Igreja, por se ter lido a LG (Lumen Gentium: Constituição sobre a Igreja) em função da GS (Gaudium et Spes: Constituição sobre a Igreja no mundo moderno) e não o contrário.
Tornou-se muito pessimista relativamente ao mundo. Critica o optimismo da GS e da sua aliança com a modernidade ocidental por parte da teologia, sobretudo latino-americana e a influência desta na teologia europeia cada vez mais confrontada com uma sociedade vazia de sentido. Depois veio a “anarquia ao poder” do Maio de 68 e a “decomposição moral da humanidade”, que devem tê-lo ainda assustado mais. Depois a teologia da libertação...
Na sua longa “Entrevista sobre a fé” a Messori (1985) fazia este diagnóstico: a Igreja atravessa uma autêntica crise – concomitante com a crise moral do Ocidente – da qual o Concílio não pode ser considerado responsável: “Estamos convencidos que os danos que temos sofrido nestes vinte anos não são devido ao “verdadeiro” Concílio, mas ao desenvolvimento, no interior da Igreja, de forças latentes agressivas e centrífugas; no exterior, dos efeitos de uma revolução cultural no Ocidente e da afirmação de uma classe médio-alta, uma nova “burguesia terciária” com a sua ideologia liberal-radical de tipo individualista, racionalista, hedonista”.
Este pessimismo está bem longe daquelas palavras tão sábias de Paulo VI: “É no coração do mundo que permanece o mistério do próprio homem, o qual se descobre filho de Deus, no decurso de um processo histórico e psicológico em que lutam, e se alternam violências e liberdade, peso do pecado e sopro do Espírito” (OA37).
Em finais de 1981, João Paulo II nomeou-o Perfeito da Congregação da Doutrina da Fé e aí teve oportunidade de fazer muita coisa. Apenas gostaria de referir o seu documento Dominus Iesus.

Fica para a próxima a referência a esta Declaração e ao Discurso aos Cardeais, acima referido.

2011-04-17

BARRABÁS! BARRABÁS! BARRABÁS!!!

Este domingo, que inicia a Grande Semana para os católicos, é o único em que toda a “cena” da Paixão e Morte de Jesus é contada integralmente. É, por isso, um Evangelho extremamente rico. Porque relata o primeiro dos dois grandes actos do Mistério Pascal – a Paixão e Morte –, com todas as implicações teológicas que marcam a fé cristã. Mas também porque, numa leitura sociológica, ali se descreve quase toda a humanidade, na sua variedade multifacetada de personalidades: Pedro e as suas contradições; os discípulos e a sua cobardia; as mulheres e a sua capacidade de sofrimento mas também de enfrentar os inimigos do seu Amigo; o político com a sua solução tão “política”: lavar as mãos, não olhar, não ver e não fazer nada; os criminosos com a sua fanfarronice mesmo perante a situação eminente da morte; o Cireneu com o seu medo subserviente frente às ordens da autoridade; os soldados com a sua sensação inebriante de poder porque estão armados; o centurião com o seu rasgo de discernimento representando o pequeno resto de gente lúcida no meio da crise; a multidão anónima e inconstante como “uma cana agitada pelo vento” procurando quem lhe dê “pão e circo” ou fugindo da ameaça “do pau e da cenoura”; os sacerdotes sempre presentes ausentes para mais facilmente manipularem os acontecimentos na defesa dos seus interesses.

Certamente ainda poderia apontar outros tipos humanos, mas, este ano, o que mais me chamou a atenção foi a cena do Barrabás.
Vou recordar a leitura teológica de Bento XVI no seu livro “Jesus de Nazaré”. Refere-se que o termo utilizado por S. João lestes (ληστής), “ladrão, pirata” (na tradução latina latro, “ladrão”), em vez de “ladrão” ou “salteador” poderia ter um significado muito específico na complexa situação política que então se vivia na Palestina: o de “combatente da resistência”.
Bento XVI acrescenta mais um argumento:
1) Barrabas, Bar-Abbas significa “filho do Pai”, uma manifesta expressão messiânica;
2) Mateus (na passagem que lemos este domingo) classifica-o de désmion epísemon (δέσμιον επίσημον), “preso notável” (na versão latina vinctum insignem, “preso famoso”)
Para Bento XVI isto indicaria que se tratava de um dos combatentes mais destacados da resistência, provavelmente o seu cabecilha e conclui que também Barrabás seria uma figura messiânica. Portanto, a resposta à pergunta de Pilatos implicava uma opção entre duas formas de messianismo.

Sem conhecimentos teológicos e servindo-me da ideia tradicional que temos de Barrabás como ladrão ou assaltante de estradas, eu cheguei a uma conclusão algo parecida.
Assim sendo, para mim, a pergunta de Pilatos – “Qual quereis que vos solte?” –, apresentando, de um lado, Jesus e, do outro, Barrabás, é a pergunta que hoje se nos põe nestes tempos complicados. E que se coloca em todas as épocas da história.
E, como pergunta existencial, obriga a uma resposta. Resposta que é uma opção de vida.
Preferis um estilo de vida de um ladrão, de um vigarista, de um salteador, de um assassino ou o estilo de vida de alguém que exige a prática do amor até aos próprios inimigos, que se recusa a aceitar uma organização social onde os assassinos, os corruptos, os ladrões sejam premiados e subam na vida?
É esta, pois, também a pergunta a todos os cidadãos de hoje. Que sociedade queremos:
-uma em que pontifica a lei da selva, a lei do mais forte, o compadrio, as benesses aos amigos, organizações internacionais corruptas que crucificam um país se for necessário para que os seus amigos amealhem mais uns milhões; ou
- uma sociedade onde todos vivam com o suficiente para terem uma vida digna, onde  se pratique a centralidade da pessoa, ao serviço da qual toda a lei e organização deve estar, uma sociedade da igualdade de direitos, deveres e oportunidades para todos, uma sociedade de irmãos?
Cada um tem de enfrentar esta questão, como pessoa e como membro da sociedade, e tem de optar.
O que não podemos é seguir a regra de ouro dos comodistas, dos bem instalados na vida porque souberam explorar os débeis e os fracos: não ver, não olhar, não fazer nada!
Porque a seguimos e viraáos as costas à realidade é que estamos hoje no estado em que estamos.

Tempos complicados

Estas duas ou três semanas foram para mim especialmente ricas de acontecimentos. Tantos… que nem tive tempo de vir dizer um olá aos amigos.

Quanto à nossa situação nacional foi-me referido por dois amigos que estão fora do país que pela primeira vez tiveram vergonha de ser portugueses, porque lá ninguém percebe esta falta de entendimento, de tribalismo político-partidário e de autofagia nacional. Mas também o que seria de esperar de uma sociedade que não cria um ambiente de responsabilidade, de iniciativa, de capacidade de tentar construir pontes e espaços de diálogo? Não é deste ambiente que saem os principais responsáveis em todos os âmbitos da nossa sociedade? Felizmente que alguns não vão na onda, mas a maioria não resiste ao bom que é pertencer ao sistema para não ter problemas nem chatices.

Participei na animação de alguns encontros, onde foram abordados temas muito interessantes e que gostaria de ir partilhando aqui: Laicismo e Laicidade; Pobreza e Exclusão Social; Contributo específico dos católicos para a crise; as Obras de Misericórdia hoje em tempos de crise. Foi giro preparar estes temas.

Também tive a informação de que no meu pulmão esquerdo se estão a desenvolver mais umas metástases e para poder combatê-las já comecei mais um ciclo de quimio: passei quatro dias no Hospital e vou voltar lá de três em três semanas. Este novo tratamento tem, pelo menos, um factor positivo: não vai obrigar-me a passar muitas noites (e dias) no hospital.
Este vai ser um tempo de alguma meditação interior, sobretudo sobre algumas questões que têm a ver com a crescente purificação do meu conceito de Deus e das minhas relações pessoais com Ele.

E termino hoje com uma das frases que mais me marcou e que encontrei  um das minhas preparações coloquiais: a afirmação terrível de Primo Levi, que sobreviveu a Auschwitz, mas praticando “uma moral de sobrevivência” que, cá fora, o encheu de vergonha. Contudo considera que maior é a vergonha da humanidade, que tudo faz para ignorar os inúmeros campos de extermínio, o que demonstra que “o homem, o género humano, isto é, nós próprios, éramos (somos, digo eu) potencialmente capazes de causar uma enorme infinidade de dor e que a dor é a única força que se cria do nada, sem custo nem trabalho. Basta não olhar, não escutar, não fazer nada”.

NÃO OLHAR, NÃO ESCUTAR, NÃO FAZER NADA. aqui está um espectacular programa de vida para quem não quiser ter problemas de consciência.