divórcio ou casamento eterno?...

2012-05-28

O Silêncio e a Palavra


Ontem foi o 46º Dia Mundial das Comunicações Socais.
Como é habitual, o Papa escreveu um Mensagem que considero merecedora de uma cuidada reflexão. 
Aqui deixo meu pequeno contributo, plasmado numa das minhas crónicas.
Antes, porém, aproveito para informar os meus amigos leitores que vou ser operado na próxima quinta-feira a um pulmão. Espero não demorar muito a voltar a este espaço.


DE VIZINHOS A IRMÃOS

É muito actual o tema da Mensagem de Bento XVI para o Dia mundial das comunicações sociais: “silêncio e palavra”. Hoje a palavra não dá espaço ao silêncio, o que condiciona o nosso estilo de vida. Ambos são indispensáveis mas integrados de modo a não ficarmos coagidos no nosso pensar: “Quando palavra e silêncio se excluem mutuamente, a comunicação deteriora-se, porque provoca um certo aturdimento ou, no caso contrário, cria um clima de indiferença; quando, porém se integram reciprocamente, a comunicação ganha valor e significado”.

Hoje somos atolados com tanta palavra, tão menorizados pela palavra dos sabidos que, mal sai uma notícia, logo opinam sobre tudo, impedindo-nos de parar, reflectir e formular a nossa opinião. Assim se vai criando uma sociedade-rebanho. O importante, parece, é que não pensemos. Ou, pior, que dois ou três pensem por nós. “Quando as mensagens e a informação são abundantes, torna-se essencial o silêncio para discernir o que é importante do que é inútil ou acessório”. Mas isto não basta, pois precisamos de saber pensar a sério, de criar uma “espécie de «ecossistema» que equilibre silêncio, palavra, imagens e sons”. Contudo, tudo está feito para ser o contrário: em muitas famílias, não se pratica o diálogo; em muitas escolas, não se ensina para o diálogo; em muitas catequeses, não se vive o diálogo. E as crianças, que depois serão jovens, chegam à vida adulta incapazes de decidir, porque não foram habituados a pensar e a ponderar os factores em questão. E depois temos políticos que ora dizem uma coisa ora outra, directores que dirigem ao sabor do imediato e não da dignificação dos seus serviços, empresários que não arriscam de modo responsável, e uma multidão amorfa de supostos cidadãos perdidos perante a realidade que sempre muda e exige contínuas opções inadiáveis.
Além disso, as nossas conversas, geralmente “de café”, não permitem nem ao “eu” nem ao “tu” aprofundar as relações mútuas, conhecer o outro, perceber os seus problemas, senti-lo como um “dom”, “saber criar espaço para o irmão, levando os fardos uns dos outros e rejeitando as tentações egoístas” (NMI 43): “Calando, permite-se ao outro que fale e se exprima a si mesmo e permite-nos a nós não ficarmos presos, por falta da adequada confrontação, às nossas palavras e ideias. Assim, abre-se um espaço de escuta recíproca e torna-se possível uma relação humana mais plena”. E de vizinho podemos dar o difícil passo para irmão (cf. CinV 19).
Por outro lado, somos inundados por minudências que escondem o essencial: uma rixa, um assalto, um golo são muito mais importantes do que milhares de coisas boas realizadas por esse país fora. E o que não se noticia não acontece. Por isso, o Papa denuncia: “o homem de hoje vê-se, frequentemente, bombardeado por respostas a questões que nunca se pôs e a necessidades que não sente”. Perante esta situação alienante, mais urgente se torna dar espaço ao silêncio “para favorecer o necessário discernimento, para identificar e focalizar as perguntas realmente importantes: Quem sou eu? Que posso saber? Que devo fazer? Que posso esperar?”. Já são poucos os que colocam estas questões, pelo que é importante acolhê-los, “criando a possibilidade de um diálogo profundo, feito não só de palavra e confrontação, mas também de convite à reflexão e ao silêncio, que às vezes pode ser mais eloquente do que uma resposta apressada, permitindo a quem se interroga descer até ao mais fundo de si mesmo.”
De qualquer modo, mesmo sem o saber, todos andamos “à procura de verdades, pequenas ou grandes, que dêem sentido e esperança à existência”. Esta busca não pode ser “uma simples e tolerante troca de cépticas opiniões e experiências de vida: todos somos perscrutadores da verdade e compartilhamos este profundo anseio, sobretudo neste tempo em que, quando as pessoas trocam informações, estão já a partilhar-se a si mesmas, a sua visão do mundo, as suas esperanças, os seus ideais”. Falar ouvindo é construir o futuro, pois nos estimula a pensar e a desenvolver o raciocínio. Ora “o reforço dos poderes de raciocínio dá-nos a habilidade de nos separarmos da nossa experiência imediata e da nossa perspectiva, pessoal ou paroquial, e de enquadrarmos as nossas ideias em termos mais abstractos e universais. Isto, por sua vez, conduz a melhores compromissos morais, incluindo a prevenção da violência” (P. Singer).

O Papa quis também referir o silêncio de Deus, que tanta angústia causa em corações de pouca fé. E fá-lo numa dupla vertente. Primeira: “O Deus da revelação bíblica fala também sem palavras: como mostra a cruz de Cristo, Deus fala também por meio do seu silêncio (que) prolonga as suas palavras anteriores. Nestes momentos obscuros, Ele fala no mistério do seu silêncio. No silêncio da Cruz, fala a eloquência do amor de Deus vivido até ao dom supremo”. Segunda: “Se Deus fala ao homem mesmo no silêncio, também o homem descobre no silêncio a possibilidade de falar com Deus e de Deus. Temos necessidade daquele silêncio que se torna contemplação, que nos faz entrar no silêncio de Deus e assim chegar ao ponto onde nasce a Palavra, a Palavra redentora. Quando falamos da grandeza de Deus, a nossa linguagem revela-se sempre inadequada e, deste modo, abre-se o espaço da contemplação silenciosa”. Como dizia o sufi Rumi, no século XIII: “Àquele que conhece Deus faltam-lhe as palavras” (T. Mendonça).
E é nesta contemplação silenciosa que deve assentar o nosso testemunho de um Deus libertador, porque só ela “nos faz mergulhar na fonte do Amor, que nos guia ao encontro do nosso próximo, para sentirmos o seu sofrimento e lhe oferecermos a luz de Cristo, a sua Mensagem de vida, o seu dom de amor total que salva”. Para o oferecermos e para o vivermos.

2012-05-20

Desmentidos e a verdade

Uma das frases que mais me intriga nos Evangelhos é a recusa de Jesus em responder quando Pilatos lhe pergunta; "O que é a verdade?" (Jo 18,38).
Deixando de lado as análises dos exegetas, eu retiro algumas ilações. Talvez a Verdade seja indefinível. Talvez a Verdade seja absolutamente inalcançável. Portanto cada um, cada grupo, cada Igreja têm a sua parte de Verdade, mas não a Verdade toda.

Vem isto a propósito dos últimos famosos desmentidos.
O gabinete do primeiro ministro Panayiotis Pikramenos anunciou que Merkel "referiu a ideia de organizar, paralelo às eleições, um referendo sobre a questão de saber se os cidadãos gregos apoiam ou não a permanência no euro" Pouco depois, um porta-voz da chanceler desmentiu tal sugestão: "Isso é falso e desmentimo-lo completamente".
Palavra contra palavra.
Quem fala verdade? Talvez nenhum deles. Pobre Verdade!

O ministro Miguel Relvas foi acusado pela Conselho de Redacção do jornal Público de ter feito ameaças a uma jornalistas, repetidas perante uma editora do jornal, para impedir a saída de uma notícia sobre as suas ambiguidades nas respostas à Comissão sobre o caso das secretas. Ameaçou que "promoveria um black out de todos os ministros ao Público e divulgaria (pasme-se, quanto à sua idoneidade moral), na internet, dados da vida privada da jornalista". Andará a Pide por aí disfarçada?!
Um adjunto do ministro afirmou que "tudo é uma questão interna do jornal" e desmente "qualquer tipo de ameaça".
A Directora do jornal protestou e considerou "inaceitável" o conteúdo do telefonema à jornalista. Mas, inesperadamente (ou não?) não publicou o artigo. Será porque não havia realmente notícia ou, porque, apesar do desmentido do ministério, "o ministro pediu desculpa".
Onde está a verdade?

Sobre a verdade ninguém bate o ministro Vítor Gaspar, quando explicou tão marteladamente: "Eu não minto, eu não engano, eu não ludibrio. Não faço nenhuma dessas coisas, não farei nenhuma dessas coisas".
Aqui só fica uma questão: o que vale hoje a palavra dita?


2012-05-18

Ódio para além da morte


Ontem, segundo alguns jornais, a maioria dos deputados do PSD Madeira abandonaram o plenário da Assembleia Legislativa da Madeira, incluindo o seu líder de bancada, durante um voto de pesar pela morte de Miguel Portas apresentado pelo grupo parlamentar do CDS-Madeira. Ficaram, no hemiciclo, apenas dez deputados social-democratas que se abstiveram Todos os outros votaram a favor.

Acho estes gestos sobretudo de simpatia e de recordação de alguém que exerceu, melhor ou pior, a mesma profissão e procurou dedicar-se ao serviço público. Por exemplo, também já assisti a jogos de futebol em que se guardou um momento de silêncio pela morte de um atleta. Acho bonito sobretudo num mundo onde muitos parecem achar que os outros são inimigos a abater e não companheiros de jornada, na construção de um mundo mais humano.


Pessoalmente não conhecia o Miguel Portas, para lá de saber que era eurodeputado e fundador do Bloco de Esquerda. Contaram-me que era licenciado em Economia mas que dizia nada perceber de números. Que o que lhe interessavam eram as pessoas. Tinha-o por alguém com ideais, pelos quais lutava coerentemente. Segundo alguns amigos, a vida foi mazinha para com ele, pois bem podia ter vindo um dia depois. Para quem nasceu num 1º de Maio, morrer num 25 de Abril, para ele teria um especial significado. Para ele ou para os amigos?

Concluindo: nada de especial me ligava a Miguel Portas.
Mas o que não posso admitir, como cidadão e como cristão (que ele não era eu, tanto quanto sei) é que colegas de ofício até depois de morto o continuaram a odiar.
Não discuto razões, por muito legítimas que sejam. Mas depois da morte, o que fica de cada um de nós é o termos sido irmãos de uma única família, a família humana, para cuja construção cada um dá o contributo que pode e sabe.
Manter um ódio para lá desse limite último já me parece um caso do foro patológico.

Temos, como se vê, uma sociedade onde ainda há muito a fazer para a tornar mais humana.

Que descanse em paz!  


2012-05-16

Passos em falso

Foi ouvido nos rádios e televisões e lido nos jornais, afirmações de Passos Coelho (PC) como "estar desempregado não pode ser um  sinal negativo" ou despedir-se ou ser despedido não tem de ser um estigma". Mais: ser ou estar desempregado "tem de representar também uma oportunidade para mudar de vida".
Um Primeiro-Ministro deve ter cuidado com o que diz. Já havia aquela história do "Emigrem" que, justa ou injustamente lhe ficará sempre colada. E agora vêm estas palavras bem mais corrosivas. Será que PC pensou no que disse e se pensou exprimiu-se da melhor forma? Terá ele pensado alguma vez que estava a referir-se a mais de um milhão de pessoas. Não se trata de uma estatística onde aparecem os 15%. Não: são um mil e tal de pessoas, cada uma com uma vida própria, com alegrias e tristezas. Acreditará realmente que para todas elas ou para a grande maioria, estar desempregado é uma oportunidade neste país? Saberá ele que quando ao falar em oportunidade se assume geralmente uma conotação positiva? Era como se dissesse que é bom estar desempregado, porque realmente só o desempregado pode ter oportunidade de se empregar, como só um vivo pode ter a oportunidade de morrer.  É como se, parodiava alguém, estivesse a dizer: "Foi despedido? Parabéns! Aproveite a oportunidade: crie a sua empresa e fique rico"!  

Realmente estas palavras são chocantes, especialmente ditas por quem foram. Com os desempregados não se pode brincar. É uma imoralidade, Porque um desempregado é uma pessoa, mas uma pessoa que está em sofrimento. Porque o desemprego não traz apenas falta de trabalho. Acarreta consigo muitos dramas pessoais: a pressão psicológica não só de se sentir inútil, mas de não servir para ninguém nem para ajudar o seu país; a angústia de ver o seu know how ignorado; a sensação de ter perdido a sua dignidade e a sua auto-estima; o sentir os olhares coitadinhos que lhe lançam; a vergonha de ter de dizer aos filhos que não tem pão ou dinheiro para lhes dar. Um desempregado é sobretudo um saco cheio de problemas psicológicos, familiares, sociais, emocionais. E, por cima de tudo isto, sentir-se um fardo para aqueles que devia ajudar.

O que os desempregados deste país precisavam de ouvir de PC  era que iria fazer tudo para que o desemprego se transformasse em oportunidade e que, para isso, tudo faria para estabelecer condições mínimas: que iria abrir linhas de crédito para o auto-emprego e para a criação de micro e mini-empresas, que iria apoiar (ao menos pagar as dívidas em tempo útil) a esses milhões de pequenas e médias empresas que são as que mais postos de trabalho dão no nosso país.







2012-05-15

Força Hollande!

Não conheço o Hollande para lá de algumas afirmações suas. Mas era o meu favorito. Não por razões partidárias, mas porque ele introduz um discurso novo. Mesmo que todos digam que ele não vai fazer quase nada do que afirma, há uma coisa que é fundamental, que ele já fez e está a afazer. De tal modo que a Merkel  se acagaçou tanto que nem lhe deu tempo para respirar e pediu para conversar com ele a ver se o convertia ao financeiro-economês em que se tornou especialista e ainda vai a tempo de lhe pôr juízo naquela cabeça.


Então o que é essa coisa tão importante para mim. Ele não reduz o pacto europeu à primeira parte: pacto de estabilidade. Recorda que a versão original era pacto de estabilidade e crescimento: estabilidade tem a ver com o dinheiro; crescimento tem a ver com as pessoas. E todos se fizeram esquecidos do crescimento. Até o Durao Barroso veio logo todo afogueado dizer que a austeridade tinha de continuar em Portugal, Grécia e Espanha. Hollande volta à versão original: "Vou propor o novo pacto que vai ligar a redução necessária das dívidas públicas ao indispensável crescimento das economias".  Até há pouco, nos grandes areópagos internacionais, os senhores da Europa só falavam do pacto de estabilidade e em leis draconianas orçamentais. Isto é, só dinheior. E as pessoas?  Onde estão elas?
Não sei o que Hollande vai fazer na prática, mas só o facto de introduzir no debate público e na boca dos senhores da Europa a necessidade de crescimento e crescimento na solidariedade - "Muitos povos estão a olhar para nós para ultrapassar a crise. A Europa precisa de projectos, precisa de solidariedade - é muito importante. A linguagem também faz a mentalidade. É até o primeiro passo a dar no sentido da mudança. Depois vai demorar tempo, mas vai moendo. O que é preciso é que alguém "importante" para ser ouvido fale das coisas importantes. E o mais importante é fazer as pessoas felizes. A austeridade apenas e às cegas só cria gente infeliz e não traz progressos à humanidade.
Força Hollande!

2012-05-10

Carta a Nuno Crato


Tive bastante esperança no nosso ministro da educação, acreditando que iria lutar pela melhoria científico-cultural de todos, ricos e pobres. Acontece que o seu ministério se vai servindo de qualquer ineficiência da Segurança Social ou de outros serviços para cortar bolsas de estudo a tantos bons alunos que ficam assim impossibilitados de fazer render os seus talentos e tornar o nosso país mais rico.
Recordo aqui algumas perguntas que já fiz numa das minhas crónicas. O que conta a pessoa perante esta máquina burocrática ao serviço do “corte cego”, verdadeira “estrutura de pecado” (SRS 36)? Quantos jovens talentos estamos a triturar por chinesices? Terão de emigrar, deixando-nos culturalmente ainda mais pobres? A educação (bem como a saúde) não pode estar sujeita aos interesses da economia: tem de estar para lá disso. É a educação que forma os futuros líderes, que os torna capazes de pensar e de não ir na onda. Precisamos, pois, de preparar os jovens para a sã cidadania, a criatividade, o risco, o espírito crítico, o empreendedorismo, e de lhes ensinar que a pessoa vale pelo que é e não pelo que tem; torná-los gente com “cultura” (que olha a vida com esperança e alegria na convicção de que o futuro depende do esforço empenhado e sério de todos) e não gente amorfa e expectante. Queremos cidadãos ou cassetes de repetição? Para o são desenvolvimento de um país é urgente uma educação para a competência, a qualidade e a cidadania, isto é, ditada por valores estruturantes, e não uma educação “economês”, isto é, programada para satisfazer os interesses financeiros.
O que me choca no ministro é que ele, que tanta divulgação fez (e bem) deste pilar básico de qualquer sociedade, não tenha ao menos a coerência de se demitir se não sabe ou não pode fazer nada por aquilo em que acredita(va), aceitando placidamente que a pessoa seja amesquinhada pelos cortes orçamentais.
 Vou aqui deixar-lhe uma “história verdadeira”. Sei que ele não conhece, pelo que é pena que não possa ler o episódio que se segue, porque se continua com a sua política tão pouco clara pode estar a fomentar uma formação de directores como estes de que se fala a seguir.
  
Em Março de 2009, a Junta General de Socios de ELKARGI, organizou o XX Encontro Empresarial, sob o tema “¡Saldremos de la crisis! Cómo y Quándo”.
A última intervenção, a cargo de Pedro Miguel Echenique, Catedrático de Física de Materia Condensada, Científico y Presidente de la Fundación Donostia International Physics Center, teve como título “Nuestro futuro: educación, ciencia,creatividad e innovación”. Não vou resumir esta excelente lição mas chamar a atenção do ministro Nuno Crato, que, como catedrático, tem especiais responsabilidades na maneira como deve encarar-se o Ensino. A dado passo, o orador contou o que não foi uma anedota, mas um facto real.

“Michel Camdessus não se recordará, mas numa reunião da ComissãoTrilateral estivemos com um Presidente de uma grande companhia inglesa, que tinha um bilhete para ir a ouvir a Sinfonia Inacabada de Schubert e como não podia ir, ofereceu o bilhete ao seu Director de Pessoal. No dia seguinte, ao encontrar-se com ele na empresa, perguntou-lhe “que tal o concerto?”. O Director de Pessoal respondeu-lhe: “Tem o meu Relatório, na sua secretária”. Isto deixou surpreendido o Presidente da companhia que ao entrar no seu escritório se encontrou com o seguinte “Relatório sobre a assistência ao concerto de 20 de novembro do ano 2008. Peça número 3, Sinfonia Inacabada de Schubert”:

“Durante consideráveis períodos de tempo, os quatro oboés não tiveram nada que fazer, pelo que se deveria reduzir o seu número e o seu trabalho deveria ser distribuído por toda la orquestra, eliminando assim os picos de actividade.
Os 12 violinos estiveram a tocar as mesmas notas, pelo que a partitura desta secção deveria ser drasticamente reduzida. Se realmente se requer maior volume de som, isto pode obter-se mediante um amplificador electrónico.
Gastou-se muito esforço a tocar as semicolcheias, o que parece um excessivo refinamento pelo que se recomenda que todas as notas passem para a colcheia mais próxima. Se se procedesse assim, seria possível empregar pessoal de menor formação.
Não serviu para nada a repetição pelas trompas de passagens que já tinham sido tratadas pela secção de cordas. Se estas passagens redundantes fossem eliminadas, o concerto poderia reduzir-se de duas horas para 20 minutos.
E finalmente, assinalar que, se Schubert tivesse tido em conta estes aspectos, certamente teria acabado a sua sinfonia”.

Deixo-lhe este exemplo real para lhe lembrar o que tem a obrigação de saber dada a sua qualificação: Que formação está a ser dada aos jovens? E em que condições? Estamos a formar seres humanos vazios que querem consumir e ter coisas e que acabam por se vestir e falar todos da mesma forma e pensar as mesmas coisas ou a preparar cidadãos, capazes de criatividade, solidariedade e inovação. A capacidade de inovação é um elemento decisivo na construção de uma sociedade com futuro e capacidade de responder aos futuros desafios. Mas a inovação não é apenas investigação e desenvolvimento. “É uma atitude: estar aberto a formas diferentes de fazer as coisas, de fazer produtos, de estabelecer relações, de despertar la imaginação, tudo isto se concretiza e se resume numa palavra, cultura. Criar una sociedade inovadora exige estar aberto (e preparado) ao erro e ao fracasso, a riscos incertos e não apenas a riscos quantificáveis”.

2012-05-01

Desemprego uma violência insustentável



Para fazer do 1º de Maio não só uma festa que de festa pouco tem este ano, mas sobretudo uma ocasião para reflectir sobre a realidade que cada vez exige maior participação activa, empenhada e criativa de todos, a Comissão Diocesana Justiça e Paz acaba de publicar uma Nota, da qual enviou aos jornais um pequeno resumo que aqui deixo para os potenciais interessados. Quem quiser ler o texto integral pode encontrá-lo aqui.


Desemprego uma violência insustentável

A Comissão Diocesana Justiça e Paz acaba de publicar uma Nota, estruturada em três partes, intitulada “Desemprego e Confiança”, a qual aborda a situação atual, apresenta alguns princípios basilares e faz algumas sugestões a todos os âmbitos da sociedade no sentido de contribuir para a superação ou melhoramento da atual crise.


Na primeira parte, tendo como fundo “uma explosiva falta de confiança” e uma sociedade globalizada que “nos torna vizinhos, mas não nos faz irmãos”, denuncia a escalada de desemprego que já castiga mais de um milhão de pessoas com todo o seu cortejo de dramas de todo o tipo que “se repercutem na nossa sanidade mental como pessoas e como sociedade”.

Na segunda parte, defende a urgência de uma nova Mentalidade, destacando “alguns princípios da Doutrina Social da Igreja, cujo não cumprimento está na base das principais causas da crise”: a centralidade da pessoa, o bem comum e o conceito de trabalho.
A prioridade tem de ser sempre dada à pessoa e deve ser considerada a referência última e irrenunciável em qualquer ordenamento social. “Dar a prioridade à pessoa exige políticas económicas com o objetivo de criar o maior número de empregos, garantir a transparência, sem privilegiar nem excluir ninguém dos bens e dons que são de todos, regular a repartição segundo uma justa proporcionalidade das dificuldades, recusar a tão gravosa economia paralela.”
Tendo como objetivo o pleno desenvolvimento integral (da totalidade da pessoa) e solidário (de todas as pessoas), o bem comum não pode, portanto, reduzir-se à “mera soma dos interesses particulares, mas implica a sua avaliação e composição feita com base numa equilibrada hierarquia de valores e, em última análise, numa correta compreensão da dignidade e dos direitos da pessoa”.
Finalmente há que educar para a verdadeira natureza do trabalho. Por um lado ele é não é apenas um meio de subsistência; é também vocação, pois é indispensável à realização plena da pessoa; é criação, porque todo o trabalhador, todo o que realiza uma qualquer atividade humana, é criador, construtor de algo; é o meio concreto para que todos recebam a parte que lhes cabe por serem cidadãos mas também para que todos contribuam para o enriquecimento material e espiritual da humanidade. Por outro lado é um instrumento ao serviço da pessoa: “a dignidade advém à pessoa não do tipo de trabalho que realiza, mas do modo responsável e amoroso como o executa, por mais ‘humilde’ que seja”. 

A terceira parte deixa várias sugestões não só a nível da sociedade em geral, mas também dos governantes e legisladores, empresarial, sindical, bancário e da legislação laboral. Aponta para a necessidade de reconquistar a Confiança, afirmando o Direito a uma informação verdadeira e necessidade de responsabilizar os culpados.

Conclui com um apelo a um colaboração leal e honesta de todos os agentes sociais, a uma “confiança coletiva inabalável e por uma vontade decidida e inquebrantável” para uma eficaz construção do futuro e sobretudo um esforço da conversão pessoal em mentalidade e nos comportamentos de cada um de nós sem o qual nenhuma mudança ganha raízes. É indispensável que “cada um procure examinar-se para ver o que é que já fez até agora e aquilo que deveria fazer”.