divórcio ou casamento eterno?...

2013-02-28

Na despedida de Bento XVI

Hoje, exactamente hoje, pela primeira vez em 600 anos um Papa renuncia ao seu cargo. Para recordar este facto quase inédito, aqui deixo uma pequena reflexão sobre este acontecimento num artigo que escrevi para o Correio de Coimbra.


PODER OU SERVIÇO?
A resignação de Bento XVI é um acto tão cheio de consequências, que parece um autêntico gesto profético. Um dos aspectos diz respeito ao modo de entender o poder. Bento XVI revelou um verdadeiro desapego ao poder. Certamente porque entendia o poder como serviço e não como soberania. Essa percepção permitiu-lhe a lucidez de perceber quando devia renunciar. E o mais importante é que não recusou assumir uma atitude de ruptura com o que era politicamente correcto, outra forma de denunciar o poder-poder. Ao sentir que não estava em condições de servir saiu para dar lugar a outro que pudesse servir melhor, em coerência com o que afirmara em 2010: “Quando um Papa tem clara consciência de que já não está em condições de cumprir os deveres do seu ofício, física, psicológica e espiritualmente, tem o direito, e em algumas circunstâncias, também o dever, de se demitir”.
Esta é uma lição para quem detém o poder. Neste mundo assistimos a presidentes que alteram a constituição para poderem ser reeleitos, a partidos que distorcem a lei para poderem candidatar autarcas para lá do prazo. Estamos nos antípodas do poder-serviço, mesmo reconhecendo a boa vontade de alguns. Mas este espírito predomina nos pequenos e grandes poderes da sociedade e, infelizmente, nos pequenos e grandes poderes da Igreja, onde, por exemplo, há também jogos de poder, falta de transparência financeira ou supostas pressões sobre João Paulo II para não resignar. Verdade ou não, Bento XVI não quis informar ninguém para não ficar sujeito a essa desconsideração e desrespeito. Portanto, ao assumir esta atitude, o Papa foi claro e deixou um desafio a todos os poderes. Como vão ser exercidos? Como são exercidos? E aí estão as recomendações de Jesus: “Sabeis como aqueles que são considerados governantes das nações fazem sentir a sua autoridade sobre elas e como os grandes exercem o seu poder. Não deve ser assim entre vós. Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo e quem quiser ser o primeiro entre vós faça-se o servo de todos” (Mc 10,42-44).
Este gesto, que tem várias leituras, muitas delas baseadas em preconceitos e clichés, deixou bastantes católicos angustiados, no fundo, com o problema do poder: “Dois papas? E quem manda? Qual é o representante de Cristo na terra? Quem está em contacto directo com a divindade?”. Cá está uma concepção de poder que o próprio gesto papal contestou. A esta “angústia” pode facilmente responder-se comparando com as próprias dioceses: quando um bispo resigna e é nomeado um substituto quem manda? Por outro lado, a abdicação de um papa está prevista no Código de Direito Canónico: “Se acontecer que o Romano Pontífice renuncie ao cargo, para a sua validade requer-se que a renúncia seja feita livremente e devidamente manifestada, mas não pode ser aceite por ninguém” (Cân. 332 § 2).
Mas o mais grave surge ao analisarmos as causas mais fundas dessa angústia. A perturbação resulta do facto de (não) se saber quem, qual deles é o vigário de Cristo. E isto é muito grave se olharmos para o modelo de Igreja que estes católicos têm subjacente. Sobretudo quando já passaram 50 anos sobre o Concílio Vaticano II é entristecedor verificar que ainda há tanta gente que tem na sua cabeça uma imagem de Igreja piramidal. Temos uma pirâmide com o papa no vértice recebendo ordens “do alto” e dimanando-as por aí abaixo: do papa para os bispos, dos bispos para os padres. Esta imagem clássica dura e perdura porque os católicos não estudam, não reflectem os documentos do Magistério, não aprofundam os seus conhecimentos, contentando-se com a sua limitada catequese de infância com dezenas de anos. Bastariam alguns textos para perceber que a Igreja comunhão “é a ideia central e fundamental dos documentos do Concílio” (Sínodo de 1985). O centro, portanto, não é o Papa, mas a Eucaristia, Jesus Cristo: nada se pode antepor a Jesus Cristo nem mesmo o Papa. É, unidos em torno da Eucaristia, que todos somos chamados a dar testemunho do Reino de Deus, de que a Igreja é sinal e sacramento. Não se entra na Igreja pelo sacramento da Ordem mas pelo sacramento do Baptismo, sacramento fundamental sem o qual nenhum outro pode ser celebrado. Pelo Baptismo os fiéis são “incorporados em Cristo, constituídos em Povo de Deus e tornados participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real de Cristo,” (LG 31).
Assim sendo, todos os cristãos são e, portanto, devem ser representantes de Cristo na Terra.



2013-02-20

Sofrimento: uma questão universal


Alguns posts atrás, referia-me a dois aspectos que gostaria de retomar: o problema dos crentes e dos não crentes perante as contradições da vida e algumas palavras Bento XVI em Auschwitz. Ao primeiro, dediquei algumas ideias retiradas do Qohélet. Quanto ao segundo começo por recordar as palavras de Bento XVI (Auschwitz; 28.Maio.2006): “Tomar a palavra neste lugar de horror, de acúmulo de crimes contra Deus e contra o homem sem igual na história, é quase impossível e é particularmente difícil e oprimente para um cristão, para um Papa que provém da Alemanha. Num lugar como este faltam as palavras, no fundo pode permanecer apenas um silêncio aterrorizado um silêncio que é um grito interior a Deus: Senhor, por que silenciaste? Por que toleraste tudo isto? É nesta atitude de silêncio que nos inclinamos profundamente no nosso coração face à numerosa multidão de quantos sofreram e foram condenados à morte; todavia, este silêncio torna-se depois pedido em voz alta de perdão e de reconciliação, um grito ao Deus vivo para que jamais permita uma coisa semelhante.”
As palavras “toleraste” e “jamais permita uma coisa semelhante” deixam-me perplexo sobre a vontade de Deus, o seu papel na História e sobre a minha atitude na História e na minha relação para com Deus. Pois, para tolerar ou não, torna-se indispensável uma acção directa na história da humanidade. Para “jamais permitir” implica igualmente uma intervenção directa. Como? E, porque iria Deus mudar a “sua” vontade, só porque alguém lhe pede para mudar?

Atitudes “impróprias”
E aqui colocam-se, pelo menos, dois problemas: o da oração, especialmente do tipo petição, que deixarei para outro post, e a eterna questão do sofrimento e do mal em geral.
O sofrimento é realmente um (o) grande problema com que nos deparamos. É algo que não só nos mostra a nossa finitude como nos deixa sem grandes capacidades de resposta: a dor magoa, deixa-nos indispostos e dobrados sobre ela própria, no fundo, dói. A dor deixa-nos desconcertados: aos que sofrem e aos que vêem sofrer. Daí algumas reacções frequentes, mas que não podem aceitar-se sem mais. Eu pelo menos tenho dificuldade em aceitar. “Tem que ter paciência”, “deve resignar-se” são conselhos muito sugeridos. Como se fosse um crime, o sofredor revoltar-se, dizer “palavras feias”, que a prática ensina (e agora também, segundo parece, a própria ciência) que parecem tornar as dores mais suportáveis. Um bom modelo é Job, que não é tão paciente como se diz: “Desapareça a dia em que nasci e a noite em que foi dito ‘Foi concebido um varão!’. Converta-se esse dia em trevas! Deus lá do alto não se preocupe com ele…´” (Job 3,3ss). Quando o sofrimento cai sobre alguém de pouco valem as teorias. Porque o que fica, muitas vezes, é o protesto e a revolta e, às vezes, até a blasfémia. Isto não significa que não seja útil e oportuna a palavra amiga que ajude a passar a provação. Uma palavra que por vezes passa pelo silêncio respeitador. Os amigos de Job “ficaram sete dias e sete noites sem lhe dizer palavra, pois viram que a sua dor era demasiado grande” (Job 2,13).
Outra atitude que tenho muita dificuldade em aceitar é a do velho chavão, tirado da vida de alguns santos e multiplicado pela devoção popular: Se Deus te faz sofrer tanto é porque te ama muito”. O amor de Deus aparece medido pela quantidade do sofrimento que cada um sofre! Que Deus é este!? Voltamos às velhas imagens de Deus, embora por outra via.

Problema do mal uma questão universal
A pergunta sobre o mal ou do sofrimento é universal, porque atinge todos os homens e todas as mulheres de todos os tempos e lugares. É, aliás, uma pergunta que se colocou antes dos outros grandes problemas da filosofia. Nas literaturas mais antigas já encontramos esta pergunta.

Da cultura egípcia chegam dois textos sobre o sofrimento datados do século XX aC:
Diálogo de um desesperado com a sua alma: descreve o aborrecimento da vida causado pela desordem e pela falsidade da sociedade. Critica a falta de solidariedade dos amigos: “A quem posso falar hoje? Os companheiros são maus; os amigos de hoje não amam. A quem posso falar hoje? (comparar com Job 19,13-19). Os corações são rapaces, pois cada um se apodera dos bens do companheiro. Os homens honrados desapareceram, enquanto o violento tem acesso a qualquer lugar”. Apesar de a sua alma lhe apresentar argumentos para viver – coragem, gozo do momento presente e moderação dos desejos como fonte de serenidade – este Job egípcio faz um hino ao suicídio como meio de alcançar a felicidade: “A morte está hoje diante de mim como a cura para um doente, como a libertação para um prisioneiro. A morte está hoje diante de mim como um perfume de mirra, como um prazer vivido sob um guarda-sol num dia de calor tórrido. A morte está hoje diante de mim como o aroma da flor de lótus, como se sente o que está nos limiares da embriaguez. A morte está hoje diante de mim como a aproximação da chuva, como o regresso de uma expedição dos homens a suas casas. A morte está hoje diante de mim como o clarear do céu, como o homem que caça aves por lugares desconhecidos. A morte está hoje diante de mim como o desejo de um homem por ver a sua casa depois de ter passado muitos anos no cativeiro”.
Queixas de um camponês eloquente: com uma estrutura literária semelhante à do livro de Job descreve as lamentações de um camponês, explorado por um rico proprietário, queixando-se das injustiças de que é vítima. Tal como o infeliz Job, também o justo sofredor mesopotâmico sofre apesar de estar consciente da sua inocência: “Acabei por ser como um homem surdo… Em tempos vivia como um senhor mas agora converti-me num escravo (comparar com Job 29,2ss). O furor dos meus companheiros aniquila-me. O dia é um suspiro; a noite um pranto. Mal cheguei à vida e já ultrapassei o tempo fixado (comparar com Job 14,1ss). Olhei em redor de mim: mal sobre mal! Aumenta a minha opressão, não posso encontrar o que é recto. Gritei ao meu deus e não me mostrou a face (comparar com Job 23,3.8ss). Invoquei a minha deusa, mas ela não levantou a sua cabeça”. E também a mesma incompreensão sobre os desígnios de Deus: “Quem poderá compreender o desígnio dos deuses? Os desígnios divinos são águas profundas. Quem poderá compreendê-los? Como vão os seres humanos conhecer a conduta de um deus” (comparar com Job 37,23).

Também a cultura mesopotâmica nos legou vários textos:
Lamentação de um homem ao seu deus, chamado o “Job sumério”: um jovem crente, atingido pela doença, dirige-se ao seu deus Marduk, queixando-se da sua sorte e pedindo a sua intervenção. Reconhece que nenhum homem está isento de culpa: “Eles dizem – os sábios – uma palavra justa e clara: Nunca uma mãe deu à luz uma criança sem pecado, jamais existiu um trabalhador sem culpa.” (comparar com Job 15,14).
Diálogo de um aflito com o seu amigo (ou Teodiceia babilónica): num diálogo poético, alguém, deserdado da sorte, protesta a sua fidelidade aos deuses. Apesar de concluir que a sua piedade parece ser inútil (“De que me serviu ter-me curvado perante o meu deus?”) e de pôr em causa a justiça divina (“Aqueles que não procuram a deus seguem os pelo caminho da prosperidade, enquanto que os que seguem a deusa são humilhados e empobrecidos.”), acaba por pedir ao seu deus que o ajude: “Que o deus que me abandonou venha em meu auxílio, que a deusa que me esqueceu se mostre misericordiosa.” Esta obra é a que mais se assemelha ao livro de Job. Inclusivamente apresenta um diálogo com um amigo que começa também por defender a tese da justa retribuição (“O homem humilde que teme a sua deusa, acumula riqueza… Àquele que suporta o jugo do seu deus nunca falta alimento, mesmo que seja escasso.”) e acusá-lo de blasfémia (“Meu caro amigo, os teus pensamentos são perversos, esqueceste a justiça e blasfemas contra os planos do teu deus.”). Mas acaba quase por dar razão ao amigo sofredor, ao reconhecer a insuficiência da tese da justa retribuição e atribuindo a causa do mal directamente aos homens mas, de certo modo, indirectamente aos deuses que o criaram: “Narru, rei dos deuses, que criou o homem, o majestoso Zulummar, que juntou para eles a argila, e a rainha Mami, a rainha que os modelou, deram uma linguagem falsa à raça humana, de mentira, não de verdade, a proveram para sempre. Falam com solenidade de um rico: ‘És um rei, mereces a riqueza´ mas a um pobre, tratam-no como um ladrão, só têm mal para dizer dele e vão tecendo a sua morte.”

Estas citações retirei-as das intervenções de Herculano Alves e José Ornelas na XIII Semana Bíblica Nacional e do livro de M. García Cordero, Biblia y Legado del Antiguo Oriente.

De qualquer modo, o livro de Job, pela sua dimensão, articulação e profundidade, ultrapassa de longe qualquer outra obra da Antiguidade. O problema do mal, na “forma de Job” deve remontar ao início da escrita (3000 aC). O Job bíblico recolheu os motivos literários e filosóficos das mais antigas tradições do Médio Oriente. Mas enriqueceu-os, porque é muito mais recente: “A região de Hauran deve ter oferecido a lenda primitiva do livro de Job; o Egipto forneceu-lhe as imagens e dois géneros literários, a pergunta retórica e a confissão negativa; a Mesopotâmia inspirou provavelmente o diálogo de Job com os seus amigos e é a tela de fundo cultural do livro… Finalmente, a própria Bíblia, nas suas tradições profética, sálmica e sapiencial não só colocou à disposição do autor um conjunto de imagens tradicionais, mas criou uma atmosfera teológica que confere ao drama de Job a sua verdadeira originalidade” (J. Lévêque). Portanto, o livro de Job representa um ponto de chegada de uma longa reflexão sobre a nossa finitude, recebendo e reflectindo, com espírito universal e honesto, o contributo da tradição e do património da humanidade, e elevando-a como novo dramatismo, ao nível de obra-prima da literatura universal e da reflexão de fé. Neste sentido, o drama de Job não é um drama judeu, para judeus, mas uma reflexão sobre o homem, de qualquer tempo e lugar, informada pela visão javista do mundo, do homem e de Deus. "Job talvez seja o mais elevado texto que a revelação bíblica nos oferece sobre o mistério do mal e de Deus, ‘escandalosamente’ interligados entre si ao longo da história. Mas o sentido supremo do livro é precisamente o de se chegar até Deus, atravessando-se a dramática estrada do sofrimento" (G. Ravasi)


Como já va longa a reflexão, continuarei, nos próximos posts, com a temática do sofrimento e do mal. 

2013-02-12

Gesto Profético

Inesperadamente, Bento XVI renuncia ao “ministério de bispo de Roma”. Num breve texto explica as razões desta sua decisão: a sua idade avançada tira-lhe as forças necessárias, para acompanhar as rápidas mudanças do mundo. Para exercer este cargo “é necessário o vigor quer do corpo quer do espírito”.
Esta decisão é um gesto profético, a vários títulos.

É um exercício de humildade pessoal: “sou um papa velho sem forças”. Admitir que se é fraco e incapaz de continuar a desenvolver a nossa tarefa é uma ideia que a sociedade moderna não aceita: o homem é sempre capaz, mesmo quando já não tem condições . Por isso, talvez, tenhamos tanta falta de líderes, de pessoas que admitem as suas limitações e que procuram, apesar delas e consciente delas, contribuir para uma sociedade mais humana.

É um acto de coragem: associar a fraqueza física à pessoa do papa não era habitual. O papa sempre apareceu ou era apontado como uma espécie de “super-homem”. Para fazer, pois, tal afirmação era preciso também muita coragem, pois ela vem desmitificar a pessoa e a função do papa. João Paulo II já fizera este caminho, mas deixara ainda a “obrigação” de o homem-papa ir até ao fim da sua vida, qualquer que ela fosse. Várias vezes, João Paulo II tentara renunciar, mas fora sempre impedido ou demovido pela pressão da Cúria romana. Para evitar esta pressão inaceitável, humana e evangelicamente num organismo da Igreja católica, Bento XVI decidiu sozinho e sem informar ninguém: “bem consciente da gravidade deste acto, com plena liberdade, declaro que renuncio”.

É um gesto maduramente preparado. Agora, olhando para trás, é possível detectar alguns sinais de que Bento XVI estaria a preparar esta renúncia. Refiro-me às duas visitas que fez ao túmulo do Papa Celestino, na cidade de Áquila. Celestino era um eremita que vivia numa das “cavernas” desta cidade, quando morreu o papa Nicolau IV. O conclave, que devia eleger o seu sucessor, prolongou-se por cerca de dois anos, devido às rivalidades das quatro facções em confronto. Finalmente foi eleito, em 1294, Angelari de Morrone, um homem santo e alheio às “jogadas” deste mundo. Mas rapidamente se apercebeu de que estava a ser manipulado e que a cúria romana era um “vespeiro”. Assim ao fim de cinco meses renunciou. Dante foi muito crítico desta renúncia e colocou-o no círculo dos débeis e pusilânimes no Inferno: “Depois de haver alguns reconhido / vi a sombra daquele / que fez, por cobardia, grande renúncia” (Divina Comédia, Inferno, canto III, 58-60), porque ao renunciar permitiu a eleição de Bonifácio VIII, que, para Dante, foi a causa de todos os males de Florença e dele próprio.

É também um gesto histórico. Há 600 anos que acontecera a última renúncia papal. Pode pois dizer-se que a renúncia papal era quase impossível. Mas Bento XVI assumiu-a, tornou não só o papa humano, mas também a sua função, o papado, como uma instituição que não é absoluta mas está ao serviço do bem da Igreja e da humanidade. A partir de agora, o caminho da renúncia está aberto a qualquer outro papa que se sinta incapaz. Mais até pode acontecer que esta se torne uma norma habitual. Paulo VI estipulara os 75 anos para os bispos mas deixara, como excepção, o bispo de Roma.
Quando João Paulo I morreu, o cardeal König deixara já o aviso. Governar uma instituição como a Igreja católica, com o seu milhar de milhões de fiéis, que habita nas mais variadas condições culturais e sociais, era uma tarefa humanamente quase impossível, pelo que era necessário estudar seriamente o assunto. Mas a cúria romana achava isso uma falta grave na estabilidade da Igreja (melhor, da sua estabilidade).

Esta renúncia papal deve também ter a ver com a impossibilidade que Bento XVI sentiu de reformar a cúria onde os jogos do poder se tornam mais dolorosos perante os múltiplos escândalos a que a Igreja foi exposta: pedofilia, publicitação de documentos secretos, o possível cisma dos Lefebrianos.
Uma das questões de fundo é, pois, será reformável a cúria romana? Se não, adianta alguma coisa fazer um novo concílio enquanto aquela estrutura de poder subsistir como subsiste?