divórcio ou casamento eterno?...

2005-12-26

Recordando o meu pai...






Faz hoje um ano que morreu o meu pai. Quero, por isso, recordá-lo reproduzindo aqui o texto que li na missa de corpo presente e no qual quis expressar o que a sua morte significava para mim.












Hoje é um dia triste para os que perdemos o esposo, o pai, o amigo, o cidadão.
Mas é também um dia de acção de graças a Deus, nosso Pai, senhor da história, vencedor da morte e garante da Ressurreição e da Vida absoluta.
Acção de graças pela vida, o grande dom da vida, que nos permite admirar a beleza do mundo criado, as descobertas da inteligência humana, as vitórias e os sucessos dos amigos. Um dom que tantas vezes desperdiçamos!
Acção de graças pela morte, que, apesar da violência da sua ruptura, não é o acto final mas a passagem para um outro estado, purificado da realidade humana presente, que nos liberta das limitações que vão tornando a nossa vida cada vez em menos vida.
Acção de graças pelo dom da fé, que nos faz aceitar a morte com um momento da nossa vida e perceber que a vida não se esgota neste intervalo de tempo, gota microscópica no presente da eternidade onde o tempo deixa de ser tempo e o espaço deixa de ser espaço.
Acção de graças pelo dom da solidariedade que nos possibilita ter amigos conosco nas horas alegres em que subimos aos pícaros da felicidade mas também nos momentos dolorosos em que descemos aos recônditos complexos do sofrimento da vida.
Acção de graças por este nosso irmão pelo seu testemunho de vida, pela coerência com os seus princípios, naturalmente limitados como são todos os nossos projectos de vida. Como esposo, soube respeitar sempre o projecto a dois iniciado há mais de 63 anos e sintonizar com as grandes propostas educativas para os filhos. Como pai, soube transmitir os valores do respeito absoluto pelos outros, da palavra dada, do compromisso para cumprir, da lealdade e do trabalho como actividade construtora da pessoa e da sociedade. Como amigo, soube conquistar a estima e a simpatia dos que com ele lidaram pelo modo como acolhia e como estava sempre disponível para ajudar a superar as dificuldades entre amigos criando pontes e estimulando o diálogo. Como cidadão, deu o seu contributo na empresa onde trabalhou, muitos anos sem férias nem fins-de-semana, sempre com elevada dedicação e competência, e onde lutou, como as armas que tinha, pela dignificação dos seus subordinados tendo muitas vezes de se incompatibilizar como o chefe. Como crente tinha duas grandes devoções: à Eucaristia e a Nossa Senhora. A únicas horas que pedia ao engenheiro responsável era para ir ao médico e para ir à missa. O Rosário era uma devoção diária ao qual acrescentava sempre uma oração por todos os amigos e também “pelos amigos dos filhos”.
Todos pedimos a graça de morrer depressa e sem dar trabalho. Mas há também a graça da morte lenta e dolorosa que se arrasta pelo tempo. Um tempo de prova mas também um tempo que nos permite descobrir a força do espírito que resiste à degradação do corpo, verificar a força da fé que dá certeza para lá das incertezas, sentir a força da solidariedade, quando as palavras têm de ser traduzidas em gestos, descobrir, enfim, como somos capazes de amar mais na dor, nossa e do outro, e como aprendemos a aceitar a nossa impotência frente ao inevitável da morte, quando só nos resta amar sofrendo.
Hoje é um dia triste, mas é também um dia de acção de graças.
Hoje é um dia em que o invisível se cruza com o visível recordando-nos que o mais importante das nossas vidas não vem registado no bilhete de identidade.
Hoje é sobretudo um dia de compromisso solene: continuar tudo o que de bom este nosso irmão nos testemunhou.

Coimbra, 27 de Dezembro de 2004

6 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Estou-te muito grato por estas palavras, em primeiro lugar, e, em segundo, por as teres colocado neste teu espaço.
Ao relê-las senti uma grande calma interior e proporcionaram momentos de intimidade com o nosso pai, passado que está um ano sobre a sua morte.
Por outro lado, aumentaram-me as forças para encarar e ajudar a passar acontecimentos que parecem inevitáveis.

29/12/05 02:40

 
Blogger Zé Dias disse...

Também a mim me fez muito bem reler este texto. Recordar o pai foi sobretudo também recordar o seu estilo de vida que tanto nos marcou e a responsabilidade de dar continuidade a tudo o que de bom aconteceu.

29/12/05 14:18

 
Anonymous Anónimo disse...

Como nos agarramos à vida quando mais de perto lidamos com a morte.
Falta-me a fé para a aceitar tão calmamente.

13/1/06 17:37

 
Anonymous Anónimo disse...

Não vou ler o que escreveste, pois sei que será o melhor sobre o teu Pai. Deverá estar junto do meu, na outra dimensão.
Olho para ele e revejo o João, o nosso amigo e teu irmão. Por isso aqui passei. Uma ideia que tenho e que já iniciei é precisamente criar o blog da família, onde toda a família possa escrever, até contar as peripécias da vida, falar dos aniversários, da árvore genealógica. Deixo-vos esta ideia. O da minha família chama-se SIMONICES e foi aberto em Dezembro.É portanto, familiar, não divulgo o link, embora não seja secreto. Há um outro nosso amigo, o Joaquim Moreira Gomes, que há muito se escreve desta forma com todos os familiares espalhados pelo mundo. 1 abraço.
Quanto ao teu Pai, não te preocupes. Ele está bem!

14/1/06 00:36

 
Anonymous Anónimo disse...

Não tinha pensado nisto. Falava do teu pai e do meu. É incrível. Pus-me a pensar melhor. Faz hoje 15 anos que faleceu.

14/1/06 00:38

 
Blogger Zé Dias disse...

Ao Zé Beirão
Quem sabe o tamanho da fé de cada um? O importante é acreditar que mesmo a semente mais pequena pode dar a maior árvore.

À Ângela
É mais fácil ter fé quando a vida corre bem. O difícil é quando o céu parece cheio de trevas. A convicção que nessa altura me arrasta é que a cada noite escura se segue um dia radioso, a cada tempestade a bonanza, a cada sexta-feira santa vem a Páscoa da Ressurreição.
Neste momento só posso ser solidário contigo, uma solidariedade de palavras, perante a impotência que todos sentimos perante realidades que nos ultrapassam. Mas o amor tudo vence. Mais: O amor é o único que fica para tornar a recordação serena e reconfortante.
Estou certo que todo o amor que estás a partilhar te trará essa serenidade reconfortante para o resto da tua vida.

Ao Simões
Penso que com o andar da vida, vamos percebendo melhor os nossos pais e a sua recordação vai sedimentando e, quem sabe?, subjacente a tantas decisões que tomamos na vida.
Como certamente tu, também eu recordo um pai que muito me marcou.

14/1/06 16:06

 

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