divórcio ou casamento eterno?...

2005-12-29

Modelo social humano

Na sequência da Apresentação2 e dos comentários por ela sugeridos, deixo aqui o texto que publiquei no Além-Mar de Dezembro passado:

Os recentes acontecimentos em França deram origem a análises mais ou menos desencontradas, a comparações quer entre o ser negro em Nova Orleães ou desempregado nos subúrbios de Paris quer entre modelos sociais americano e europeu, francês, inglês ou sueco. Mas, a mim, parece-me que não são estes modelos que estão em causa. O que está em causa é o modelo social humano, a concepção errada que temos de pessoa.
E aqui os cristãos têm, em coerência com a sua fé, uma tarefa fundamental a realizar. Se acreditamos que Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança, então temos de proclamar esta verdade estruturante da humanidade não só com palavras credíveis e convincentes mas sobretudo com atitudes autênticas e coerentes.
Será que estamos preparados para isso? Acreditamos verdadeiramente que Deus criou todos os homens e mulheres à sua imagem e semelhança? Todos lemos estas palavras logo a abrir a Bíblia; mas será que elas passaram dos olhos à inteligência e da inteligência ao coração? Será que levamos toda a Palavra de Deus a sério ou só nos interessam as palavras que correspondem ao nosso comodismo e ao nosso egoísmo?
Acreditar a sério que Deus nos criou a todos como sua imagem é percebermos que todos temos os mesmos direitos e deveres e que os bens da terra, que é pertença de Deus e não nossa (Deus proclama-o solenemente três vezes: Ex 19,5; Lv 25,23; Dt 10,14), são para ser igualmente distribuídos por todos, pessoas e povos: “Deus deu a Terra a todo o género humano para que ela sustente todos os seus membros sem excluir nem privilegiar ninguém” (CA 31). É tomar a sério todos os homens e mulheres do mundo inteiro e tratá-los efectivamente como irmãos, independentemente do lugar donde vêm e do local para onde vão, porque o local de partida, o local de chegada ou o local de estadia fazem todos parte da Terra, dessa única Terra que Deus criou para nos sustentar a todos. É recusar barreiras entre pessoas e povos, porque “Cristo, que é a nossa paz, de dois povos separados fez um só povo. Com a sua morte destruiu o muro que os separava e os tornava inimigos um do outro” (Ef 2,14).
Contudo nós fomos educados mais na transcendência de Deus mas de um Deus que sofre muito com os pecados dos homens e que nós temos a obrigação primeira de reparar das graves ofensas da humanidade. O nosso testemunho cristão fica muito limitado por uma concepção tão apoucada de Deus. Como pode Deus, infinito, ser ofendido por uma simples criatura? E como podem criaturas, tão limitadas, ser capazes de reparar (consertar, arranjar os estragos, não é o que significa a palavra?) Deus, que é infinito e portanto infinitamente inofendível? Não estamos a pecar por orgulho, fazendo-nos capazes de desagravar a Deus? Não estamos a pecar por blasfémia ao fazer Deus tão pequeno que qualquer criatura pode ofendê-lo? Quem precisa de quem: é Deus que precisa de nós para ser reparado ou somos nós que precisamos de ser resgatados por Deus?
De qualquer modo, Deus quer realmente precisar de nós, não para o repararmos, mas para repararmos as suas imagens, que são todos os homens e mulheres. O que Deus quer é que o amemos primeiro que tudo nos outros, especialmente nos que sofrem, porque eles são Ele: Deus está tão presente na Eucaristia como no pobre. Heresia? Blasfémia? Simples verdade de fé porque foi o próprio Jesus que o afirmou (Mt 25,40.45). Mas para ver Deus, o verdadeiro Deus, num sem-abrigo ou num magrebino é preciso ter fé, “fé de arrasar montanhas”. Será que somos verdadeiros homens de fé ou nem sequer somos “homens de pouca fé” (Mt 8,26)?
Resumindo: o que está em causa neste conturbado mundo de hoje não são os modelos sociais de A, B ou C, nem sequer é o modelo social humano. O que efectivamente está em causa, entre nós cristãos que somos uma porção significativa da humanidade, é o modelo divino, é a nossa concepção de Deus, tão longe e tão afastada do modelo que Jesus, o único que viu o Pai (Jo 1,18), nos deixou: o pai que tem um amor infinito pelo filho pródigo, que nunca se ofende com os nossos disparates, que fica indefinidamente à nossa espera e que pede ao irmão mais velho, incapaz de amar o irmão pródigo, que participe também na festa para comemorar o encontro, a amizade, a alegria que resulta do facto de todos sermos igualmente filhos de Deus, sejamos os auto-intitulados bons ou os hetero-considerados maus.

2 Comentários:

Blogger Zé Filipe disse...

Então muito bem vindo aos blogues!

um abraço,

6/1/06 23:23

 
Blogger Zé Dias disse...

Zé Beirão
Tenho muito gosto em trocarmos pontos de vista.
Já agora... não estou a ligar o nome à pessoa. Podes dar umas dicas?!

14/1/06 15:42

 

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