O Bom Samaritano
A propósito do comentário da Ângela, recordei a prioridade da ortopraxis sobre a ortodoxia.
Todos certamente conhecem esta parábola relatada por Lucas (10,30-37), da qual se podem tirar muitas ilações, mas eu quero destacar apenas duas.
Na perigosíssima estrada que desce de Jerusalém para Jericó um homem foi assaltado e ficou a esvair-se em sangue. Passou um sacerdote, que o viu, mas continuou. O mesmo fez o levita. Depois passou um samaritano, que ao vê-lo, tomou consciência da situação e o ajudou.
A primeira conclusão refere-se ao modelo de acolhimento que devemos praticar. Todos viram: sacerdote, levita e samaritano. Portanto, não basta ver. É preciso ver para tomar consciência, mas não basta ver. É preciso passar dos olhos à cabeça: perceber o que se passa, tomar consciência da realidade e da sua gravidade. Depois aproximar-se, não como mirone, que dá palpites, mas que rapidamente se evapora se for preciso testemunhar. Depois, e isto é o mais importante, COMOVER-SE ("encheu-se de compaixão" diz o evangelista: do latim "cum + patior", sofrer com, igual a simpatia, neste caso do grego, sum + pathein, "sofrer com"), passar da cabeça ao coração, assumir como seus os problemas do outro, tomar como sua a situação do outro, VER A HISTÓRIA A PARTIR DO OUTRO. A partir daqui tudo se desencadeia para o agir: aplica-lhe os primeiros socorros, transporta-o a um local de repouso, encarrega alguém que tome conta dele até ele voltar.
A segunda conclusão: Jesus Cristo põe em confronto os especialistas da doutrina, os que sabem o que é a verdade (ortodoxia) e os especialistas na atenção aos que sofrem, à pessoa necessitada (ortopraxis). E neste confronto os representantes da doutrina são arrasados na parábola e quem é destacado é o que actua em favor do outro. Apesar dos primeiros serem representantes oficiais da religião e o outro ser um "herege" que recusa o Templo e não aceita a lei.
Concluindo: certamente que a Igreja deve testemunhar a sua verdade num momento de tanto relativismo; mas se se apresenta unicamente como defensora da verdade, distribuindo, mesmo que em nome da verdade, anátemas e condenações, ela é ignorada. Porque o que as pessoas querem é ser acolhida nas suas limitações, serem respeitadas nas suas fraqueza, serem amadas, mesmo que "não o mereçam", como faz o pai do filho pródigo.
2 Comentários:
gosto muito desta parábola... lembro-me de ter feito uma banda desenhada para o disciplina de religião e moral no ciclo! Ficou muito gira mas acho que a professora ficou com ela, é pena...
está lá tudo tão bem explicado! porque é que as pessoas (os cristãos!) não percebem?? que importa a missa, o rezar, quando não ajudamos alguém que precisa, quando viramos a cara ao nosso irmão?...
14/1/06 17:38
Foram séculos de catequese e de educação cristã que colocaram o essencial na ida à missa mesmo sem quaisquer consequências práticas.
E muito pouca atenção foi dada à Palavra e à vida de Jesus que veio para que todos tivessem a vida e a tivessem em abundância.
Poucos percebem que onde falta caridade sobram Eucaristias. Naturalmente que a Eucaristia é o centro por excelência, onde a comunidade e cada um tem de ir buscar forças e alento, mas se a Eucaristia é apenas um exercício de auto-satisfação e para sossegar a consciência com o dever religioso cumprido,então a Eucaristia deixa de ser Eucaristia a sério para se tornar um meio, um simples instrumento, para garantir o céu. E no entanto lá estão as palavras de Jesus: só entra no Reino quem dá pão a quem tem fome, água a quem tem sede, ...
15/1/06 13:38
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