divórcio ou casamento eterno?...

2010-05-23

LIVRAI-NOS, SENHOR, DOS NOSSOS INIMIGOS

Partindo das palavras do Papa na viagem da vinda para Portugal que alguns jornalistas transcreveram bem como "os imaiores inimigos da Igreja estão dentro da igreja" (as palavras originais são: "a maior perseguição da Igreja não vem de inimigos externos, mas nasce do pecado na Igreja"), procurei aprofundá-las um pouco mais, não me restringindo aos padres pedófilos, como terá sido a interpretação de muitos. Para isso escrevi este artigo acabado de publicar, com o título que deu ao post:

O Papa veio até nós e conquistou a simpatia de muitos que o olhavam “de lado”. Porque falou de valores quando muitos não têm rumo, falou de esperança quando muitos se sentem sem futuro, falou da urgência e da obrigação de estar atento aos mais pobres quando o seu número cresce assustadoramente: tudo isto são temas fundamentais e esquecidos para a sociedade em crise. Também falou da fé, da verdade, da salvação em Jesus Cristo e estimulou instantemente os católicos a serem suas testemunhas autênticas.
A empatia pode ter começado quando ele disse aos jornalistas que (os) inimigos da Igreja estavam dentro dela. As palavras exactas não terão sido estas mas a ideia é que conta. Esta afirmação foi, primeiro, uma afirmação que sempre deixa boa impressão num “chefe”. Mas pode também ter sido uma crítica velada a tantos católicos amantes da teoria da conspiração. Vamos ser claros. É evidente que a Igreja tem gente que não gosta dela; não sei se hoje, tempo do vale tudo e do indiferentismo, haverá muitos interessados em destruí-la. Conheço não católicos que, apesar das suas reservas, acham que a Igreja continua a ser um dos pilares orientadores, com a sua defesa intransigente da solidariedade, do bem comum, da atenção aos outros, da centralidade da pessoa, valores indispensáveis em qualquer sociedade que pretenda ser justa.
A maior parte dos católicos terá entendido na frase do Papa uma referência aos padres pedófilos. Não sei se era ou não. Mas para mim há muitas outras formas de os católicos se tornarem inimigos da Igreja.
Uma delas é a nossa incapacidade de ser testemunhas autênticas de Cristo, um dos grandes apelos do Papa, mas também de Jesus, na hora da despedida, como recordámos no domingo passado: “E sereis minhas testemunhas até aos confins da terra” (Act 1,11). Somos realmente verdadeiras testemunhas de Cristo, da sua Palavra, dos valores do Reino que ele veio pregar? Quantos se calam por vergonha de se dizerem cristãos e quantos se dizem cristãos mais valendo que tivessem vergonha de o dizer? Quantos se comportam como os adúlteros que dizem que amam profundamente o cônjuge mas vão fazendo os seus biscates extra? Não é por acaso que Oseias compara a idolatria à prostituição e ao adultério. E se somos testemunhas sérias, como o somos? Só por palavras ou por uma vida coerente? As respostas não nos são muito favoráveis à Igreja, que somos todos nós, pois parecem indicar que nos parecemos mais com infiltrados do paganismo do que com construtores de uma Igreja libertadora, aberta a todos, preocupada mais com a pessoa (ortopraxis) do que com as doutrinas (ortodoxia), respeitando a denúncia de Jesus na parábola do Samaritano.
Na já citada primeira leitura do domingo passado talvez esteja a resposta este nosso paganismo disfarçado de cristianismo: “Por que estais a olhar para o céu?”. Eu diria que inconscientemente todos olhamos para o céu, por duas razões. A primeira prende-se com a nossa preocupação de salvação eterna. Somos católicos, temos de algum modo garantido um lugar no Reino de Deus. “Coitados dos não crentes!”. Aqui nem faço comentários. Apenas recordo da minha velha catequese que um dos pecados contra o Espírito Santo era “a presunção de se salvar sem merecimento”. Não vou entrar na análise da meritocracia, que ignora que Deus dá tudo de graça; mas na presunção de que nada temos que fazer se não “olhar o céu”. A segunda razão está na nossa falta de “fervor dos santos”, de autenticidade cristã, que espera que tudo venha já feito do céu. Que posso fazer eu? Que podemos fazer nós? O Senhor é que age. Quanto tem de capciosa esta profissão de fé! Deus é realmente o Senhor da história, mas sempre quis precisar de nós. Precisa dos nossos braços para levantar o ferido à beira do caminho, da nossa boca para sermos voz das vítimas de injustiças silenciosas e silenciadas, da nossa inteligência para termos uma melhor qualidade de vida, do nosso coração para sermos solidários na construção de um futuro mais humano, da nossa vontade para mudarmos o estilo de vida, nosso e desta sociedade geradora de injustiças. Precisa das pessoas, crentes ou não, para fazermos uma comunidade que não seja apenas jurídica, mas moral. Portanto não podemos, como Pedro, ficar extasiados no monte Tabor, esquecendo que a vida continua cá em baixo na cidade dos homens e das mulheres com os seus problemas, as suas alegrias e tristezas, os seus desesperos e exaltações.
Mas conscientemente “não olhamos para o céu”. Olhamos para a terra, para os valores da terra, para os prazeres e alegrias terrenos. Adoramos o deus dinheiro: por ele, quantos “vendemos a alma” e nos tornamos escravos de uma insatisfação existencial que leva a gastar o que não precisamos e tantas vezes o que não podemos. Adoramos o deus prazer: em seu louvor, sacrificamos o esforço que é preciso para “fazer o bem”, para ser cidadão e praticar uma cidadania responsável e recusamos a mudança do nosso estilo de vida hedonista e depredador, gerador de um crescente aumento de pobreza. Adoramos o deus do poder, que dada a banalização do sexo na sociedade, se tornou, segundo alguns, um prazer mais erótico que o próprio sexo: para subir na vida, quantos atropelos cometemos, por vezes espezinhando os outros; para fazer carreira no partido e quantas violações das consciências; para apanhar, que seja, umas migalhas do poder, a quantas humilhações nos sujeitamos e quantas pessoas se tornam canas agitadas pelo vento.
É este o nosso “olhar para o céu”? É assim que queremos testemunhar os valores do Reino?
Assim, não somos inimigos numa Igreja que deve ser rosto de Jesus Cristo? Mas há mais...

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