divórcio ou casamento eterno?...

2010-04-03

A URGÊNCIA DE UMA NOVA VISÃO

Antigamente, tudo parava liturgicamente. Parecia uma reminiscência ou uma de “mistérios antigos”, em que um(a) deus(a) descia aos infernos e a Terra ficava sem capacidade de produzir nada.
Hoje vemos as coisas doutra maneira: mais espiritual, mais enriquecedora. É um tempo de paragem, uma paragem criativa, em que procuramos pensar no nosso ser cristão, nos porquês da nossa fé e da nosso modo de vivê-la frente aos outros.
A Carta do Papa aos católicos da Irlanda é um bom texto de apoio, porque aborda muitas questões para as quais não temos tido tempo para pensar.
O meu pequeno contributo para hoje é o artigo que acabo de publicar e que aqui reproduzo.

A Carta, que o Papa acaba de enviar aos católicos da Irlanda, que, no fundo, é dirigida à própria Igreja universal que se manifesta nas várias Igrejas locais e suas comunidades paroquiais. As suas análises e propostas devem ser bem ponderadas por todos.
Não vou falar da pedofilia, cuja extrema gravidade foi, finalmente, interiorizada nesta longa caminhada ética da humanidade. Pois não há muito tempo, a maioria esmagadora olhava para estas violências com excessiva benevolência e sem sensibilidade para perceber que, mesmo “quando éreis suficientemente corajosos para falar de quanto tinha acontecido, ninguém vos ouvia. Quantos de vós, que sofrestes abusos nos colégios, deveis ter compreendido que não havia modo de evitar os vossos sofrimentos” (6).
O Papa aponta algumas causas habituais: a rápida transformação social e a secularização, a rarefacção da prática sacramental, a adopção, por padres e leigos, de pensamento e análise da realidade sem referência suficiente ao Evangelho, a fraca e deficiente recepção do Concílio e, “em particular, a tendência, ditada por recta intenção mas errada, para evitar abordagens penais em relação a situações canónicas irregulares” (4).
Mais importantes, no momento actual da Igreja, são as causas próximas cujas repercussões vão muito para lá deste crime hediondo.
Procedimentos inadequados para determinar a idoneidade dos candidatos ao sacerdócio e à vida religiosa”. A Igreja, preocupada com as estatísticas e incapaz de mexer em estruturas seculares já desajustadas ao nosso tempo, tem cometido o erro de aceitar “qualquer um”, facilita preferindo a quantidade à qualidade, baixou o nível de exigência esquecendo que “é hora de propor de novo a todos, com convicção, esta “medida alta” da vida cristã comum” que é o Sermão da Montanha” (MNI 31).
Insuficiente formação humana, moral, intelectual e espiritual nos seminários e nos noviciados“. Pela minha experiência no Seminário da diocese de Coimbra não subscrevo de todo estas palavras. Mas, se o Papa o diz, é porque tem fundadas razões para o afirmar e todos esperamos que sejam rectificados estes aspectos. Penso que ficariam bem aqui as palavras de João Paulo II: “A sua (dos presbíteros) vida é uma ininterrupta manifestação, melhor, uma quotidiana realização da sua (de Jesus) "caridade pastoral": sente compaixão pelas multidões porque estão cansadas e esgotadas como ovelhas sem pastor; procura as dispersas e tresmalhadas e festeja o tê-las reencontrado; recolhe-as e defende-as; conhece-as e chama-as, uma a uma, pelo seu nome, condu-las aos pastos verdejantes e às águas refrescantes; para elas põe a mesa, alimentando-as com a Sua própria vida” (PDV 22).
Uma tendência na sociedade a favorecer o clero e outras figuras com autoridade”. Embora esta tendência seja reduzida na sociedade, ela está ainda presente em demasiados membros do clero, que muitas vezes se consideram donos e senhores da paróquia e não têm o devido respeito pelos leigos, esquecendo a recomendação conciliar: “Os sagrados pastores devem reconhecer e fomentar a dignidade e responsabilidade dos leigos na Igreja; recorram espontaneamente ao seu conselho prudente, entreguem-lhes confiadamente cargos em serviço da Igreja e dêem-lhes margem e liberdade de acção, animando-os até a tomarem a iniciativa. Considerem atentamente e com amor paterno, em Cristo, as iniciativas, pedidos e desejos propostos pelos leigos. E reconheçam a justa liberdade que a todos compete na cidade terrestre” (LG 37).
Uma preocupação inoportuna pelo bom nome da Igreja e para evitar os escândalos”. Esta atitude é tão à medida de outras instituições “humanas” e tão contrária ao Evangelho (“Seja este o vosso modo de falar: sim, sim; não, não”: Mt 5,37), que, para já não vou comentar, pois dado o seu (ab)uso nestes casos, como em muitos outros, merece um futuro comentário mais alargado.
O Papa faz outra acusação, cujas consequências no dinamismo da Igreja são iniludíveis. Dirigindo-se aos Bispos acusa-os de graves erros de avaliação e sobretudo de falta de liderança: “alguns de vós falhastes, por vezes gravemente… Foram cometidos sérios erros no tratamento das acusações … foram cometidos graves erros de juízo e verificaram-se faltas de governo. Tudo isto minou seriamente a vossa credibilidade e eficiência” (11). Por isso: “Proponho que se realize uma Missão a nível nacional para todos os bispos, sacerdotes e religiosos. Alimento a esperança de que, haurindo da competência de peritos pregadores e organizadores de retiros quer da Irlanda como de outras partes, e reexaminando os documentos conciliares, os ritos litúrgicos da ordenação e da profissão e os recentes ensinamentos pontifícios, alcanceis um apreço mais profundo das vossas respectivas vocações, de modo a redescobrir as raízes da vossa fé em Jesus Cristo e a beber abundantemente nas fontes da água viva que ele vos oferece através da sua Igreja” (14).
Mas nós os leigos também temos muitas culpas porque não vivemos a sério o ser cristão, não assumimos tornar a Igreja mais rosto de Jesus Cristo, não somos exigentes, sempre com caridade e fortaleza, com os padres e os bispos que temos. Silenciados pelo nosso comodismo e incoerência e pelo nosso complexo de inferioridade frente ao clero, valorizamos mais a dependência e subserviência ou hostilidade à hierarquia do que a obediência libertadora ao Evangelho: “Também os leigos devem ser encorajados a fazer a sua parte na vida da Igreja. Fazei com que sejam formados de modo que possam dizer a razão, de maneira articulada e convincente, do Evangelho na sociedade moderna e cooperem mais plenamente na vida e na missão da Igreja. Isto, por sua vez, ajudar-vos-á a ser de novo guias e testemunhas credíveis da verdade redentora de Cristo” (11

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