divórcio ou casamento eterno?...

2010-04-18

Alijar o essencial

Quem acompanhou a Eucaristia presidida pelo Papa hoje em Malta, teve a oportunidade de ouvir uma passagem dos Actos dos Apóstolos que poucas vezes nos é dado ouvir: as atribulações por que passou S. Paulo e os seus colegas de viagem na travessia do Mediterrâneo a caminho de Roma (Act 27). Duas observações sobre este episódio.
A primeira refere-se às dificuldades que acompanham sempre o evangelizador. Destaco três tipos. Um está na dificuldade em divulgar, de modo sedutor e suficientemente adaptado à época em que vivemos, a mensagem libertadora de Jesus de Nazaré. Hoje sofremos muito com esta dificuldade. Falamos, mas não nos entendem. Muitas vezes respondemos, mas a perguntas que ninguém faz. Estamos atentos mas mais ao “nosso umbigo” do que às reais necessidades das mulheres e dos homens de hoje.
O outro está na falta de paciência perante a falta de frutos imediatos que a nossa boa vontade e esforços nos “autoriza" a esperar ou até a exigir. Esquecemos que o Reino de Deus cresce como uma semente. A nós compete regar, pôr o adubo, arrancar as ervas daninhas e esperar que a semente se converta, ao seu ritmo, em planta. Aliás, Jesus já nos acautelara contra essa pressa: “é um o que semeia e outro o que colhe”. E o senhor do campo fez uma coisa incrível: não deixou arrancar o joio e mandou esperar até à ceifa. Será possível tal disparate? É, se nos lembrarmos que muitas vezes podemos considerar joio o que é trigo e julgar como trigo o que é joio. Isto é, nem sempre vemos a história e a realidade com os olhos da autêntica justiça e da fé e demasiadas vezes julgamos apenas pelas aparências.
E há ainda as próprias dificuldades “físicas”: o cansaço, físico e psicológico, a “falta” de tempo, a necessidade de estudar, reflectir e preparar em vez do comodismo de improvisar e de repetir o que sempre temos feito na nossa actividade pastoral.

A segunda nota diz respeito à própria Igreja, tantas vezes simbolizada por uma barca. O barco em que seguia Paulo começou a ser fustigada por ventos muito fortes que ameaçavam afundá-lo. Então tomaram a decisão apropriada para tais situações: ir alijando o que não era necessário. Primeiro foi a carga, que certamente servia para dar lucro a alguém. Depois até os “aparelhos do navio”, porque esses meios de orientação já não serviam para nada: “nem o sol nem as estrelas se viam há muitos dias”.
Também hoje a Igreja e a humanidade estão num “mar encapelado” criado por uma crise profunda: uma crise não apenas financeira, mas também económica, cultural, social e sobretudo ética.
A humanidade talvez esteja a alijar demasiadas coisas, sobretudo os seus valores de referências. Talvez esteja a atirar pela borda fora coisas que ainda lhe são necessárias para poder continuar com segurança e rumo o seu caminho, até os poder substituir por outros mais adequados aos novos tempos mas também, pelo menos tão seguros e certos como os que tinha até aqui e que a ajudaram a chegar até aqui.
A Igreja talvez não esteja a alijar uma série de aderências históricas, que agora não são essenciais e só servem para atrasar e a amarrar ao passado: cumpriram o seu papel fundamental nesse tempo mas, hoje, perderam validade, não respondem às necessidades actuais e, portanto, dificultam a sua missão. Torna-se urgente alijar essa carga inútil para poder ter espaço para os novos “aparelhos do navio”, que, sempre fieis à Palavra de vida eterna, revistam formas mais adequadas às exigências e aos desafios que continuamente aparecem.
É o que o Espírito de Deus espera da Igreja em geral e de cada um dos seus membros e comunidades em particular: “Para levar a cabo esta missão, é dever da Igreja investigar a todo o momento os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho, para que assim possa responder, de modo adaptado a cada geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura e da relação entre ambas. É, por isso, necessário conhecer e compreender o mundo em que vivemos, as suas esperanças e aspirações e o seu carácter tantas vezes dramático” (GS 4).

Até porque, como diz a primeira Leitura de hoje, que foi lida em todo o mundo excepto em Malta: “Deve obedecer-se antes a Deus do que aos homens” (Act 5,29).

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