Ética da lei ou lei da ética
As jogadas da edp/iberdola colocam sérios problemas de ética, sobretudo depois das palavras sabidas de Pina Moura: "a ética da república é a ética da lei".
É urgente denunciar estes moralistas da carteira para quem a ética não existe. Contudo, a ética é não só anterior à lei como também lhe marca os limites e os critérios .
Por outro lado, os Pina Mouras só existem e agem impunemente porque as leis lhe facilitam este laxismo, mas sobretudo porque os comportamentos de milhões de cidadãos lhes dão cobertura. Como digo no artigo, que com este título publiquei no Correio de Coimbra, "estes e outros exercícios de macrobandalhice moral, a que vamos assistindo na nossa sociedade, muitos com uma assumida cobertura pela lei, só continuam impunes e florescentes porque há milhões de microbandalhices morais de que cada cidadão é individualmente responsável. É que estas, apesar de parecerem insignificantes a quem as pratica, criam um ambiente de tolerância social e laxismo ético que tudo aceita, tudo permite e tudo desculpa".
Para os interessados deixo a seguir o artigo na totalidade.
Recentemente no Japão aconteceu um daqueles enganos que, apesar de tão evidente, teve nefastas consequências. Um funcionário ao preencher o formulário para a Bolsa enganou-se e em vez de pôr à venda 1 única acção de uma empresa por 610 mil ienes, propôs 610 mil acções a 1 iene. Apesar de rapidamente ter detectado o erro, a ordem de cancelamento atrasou-se devido ao mau funcionamento do sistema informático da Bolsa de Tóquio. Este lapso, manifesto e evidente, foi logo aproveitado por instituições financeiras ocidentais que, para ganharem muitos milhões, não tiveram quaisquer escrúpulos em fazer perder a uma outra instituição cerca de 40 mil milhões de ienes. A lei não foi violada, justificaram-se. E a ética? pergunto eu.
Recentemente soube-se também que Schroeder assumiu a presidência de uma empresa de gás natural que tinha negociado com os russos, quando ainda era chanceler alemão. Certamente que também aqui a lei não foi violada. E a ética? pergunto eu.
Entre nós assistimos, sem perceber bem o que se passa, ao caso edp / iberdola. Não se sabe quais as culpas de cada um, o que não é de admirar num país onde a culpa sempre morreu solteira e onde a cultura da irresponsabilidade tem estatuto público. Para lá dos responsáveis governamentais, como Manuel Pinho e naturalmente José Sócrates, há nomes que são muito comentados. A Pina Moura aponta-se a esquizofrenia múltipla: presidente da iberdola, deputado socialista, ex-ministro socialista, ex-funcionário do bcp. De António Mexia destaca-se a sua duplicidade: enquanto cidadão, quadro do bes, aconselhou ao Estado o polémico modelo das scuts; enquanto ministro, acusou o Estado de ter embarcado nesse modelo de financiamento de forma totalmente irresponsável.
As palavras de Pina Moura aí estão para explicar tudo: a lei foi escrupulosamente cumprida e o prazo legal de 3 anos para aceitar o cargo até foi excedido. Portanto a lei não foi violada e, sentença arrepiantemente lapidar, “para mim, num Estado de direito, a ética da república é a ética da lei”.
Isto é, num Estado de direito não há ética; só há lei ou, por outras palavras, a lei é que faz a ética. Cumprida a lei, a ética está assegurada. É certamente por isto que os ricos, porque endinheirados, têm tanta dificuldade em ser presos e os pobres, sem dinheiro para contratar bons advogados, tanta facilidade em serem condenados. É que a lei, bem trabalhada, dá para quase tudo; sobretudo nas mãos de gente tão escrupulosamente legalista quanto eticamente imoral. Raramente um tão grande desprezo pela ética fora assumido publicamente de forma tão clara. O pior é que muitos outros não o proclamam tão abertamente mas põe-no em prática com o mesmo desaforo e irresponsabilidade.
E, contudo, a ética não só não é estabelecida pela lei como é anterior à própria lei e, por isso mesmo, lhe estabelece os limites, os critérios e as exigências.
Neste contexto percebe-se a oportunidade de Bento XVI, na mensagem para dia mundial da Paz, ao apontar como primeiro obstáculo à paz a falta de verdade ou “as mentiras do nosso tempo”. Podemos chamar-lhe mentira, falta de verdade ou falta de transparência. No fundo, porém, do que se trata é de corrupção moral ou, em linguagem popular, de “falta de vergonha”, uma categoria que as sociedades ocidentais ridicularizaram e acabaram por esquecer. Como continuam tão actuais, estas palavras, com mais de 70 anos, de Pio XI: “Este acumular de poderio e recursos (…) é consequência lógica da concorrência desenfreada, à qual só podem sobreviver os mais fortes, isto é, ordinariamente os mais violentos competidores e que menos sofrem de escrúpulos de consciência” (QA 107)!
Também João Paulo II encontra aí a origem da crise dos sistemas democráticos: “As questões levantadas pela sociedade não são examinadas à luz dos critérios de justiça e moralidade, mas antes na base da força eleitoral ou financeira dos grupos que as apoiam. Semelhantes desvios da prática política geram, com o tempo, desconfiança e apatia e consequentemente diminuição da participação política e do espírito cívico no seio da população que se sente prejudicada e desiludida.” (CA 47).
Estes e outros exercícios de macrobandalhice moral, a que vamos assistindo na nossa sociedade, muitos com uma assumida cobertura pela lei, só continuam impunes e florescentes porque há milhões de microbandalhices morais de que cada cidadão é individualmente responsável. É que estas, apesar de parecerem insignificantes a quem as pratica, criam um ambiente de tolerância social e laxismo ético que tudo aceita, tudo permite e tudo desculpa.
Para ultrapassar tal situação, verdadeiro “plano inclinado” da irresponsabilidade e do relativismo moral, impõe-se a todos, pessoas e instituições, um estilo de vida assente no respeito pelas normas da ética, da justiça social e da dignidade humana, sempre ao serviço do bem comum, recusando que sejam os egoísmos e os interesses mesquinhos, individuais ou grupais, a reger as relações sociais, que, entre humanos, sempre terão de ser de solidariedade, fraternidade e respeito mútuo.
Recentemente soube-se também que Schroeder assumiu a presidência de uma empresa de gás natural que tinha negociado com os russos, quando ainda era chanceler alemão. Certamente que também aqui a lei não foi violada. E a ética? pergunto eu.
Entre nós assistimos, sem perceber bem o que se passa, ao caso edp / iberdola. Não se sabe quais as culpas de cada um, o que não é de admirar num país onde a culpa sempre morreu solteira e onde a cultura da irresponsabilidade tem estatuto público. Para lá dos responsáveis governamentais, como Manuel Pinho e naturalmente José Sócrates, há nomes que são muito comentados. A Pina Moura aponta-se a esquizofrenia múltipla: presidente da iberdola, deputado socialista, ex-ministro socialista, ex-funcionário do bcp. De António Mexia destaca-se a sua duplicidade: enquanto cidadão, quadro do bes, aconselhou ao Estado o polémico modelo das scuts; enquanto ministro, acusou o Estado de ter embarcado nesse modelo de financiamento de forma totalmente irresponsável.
As palavras de Pina Moura aí estão para explicar tudo: a lei foi escrupulosamente cumprida e o prazo legal de 3 anos para aceitar o cargo até foi excedido. Portanto a lei não foi violada e, sentença arrepiantemente lapidar, “para mim, num Estado de direito, a ética da república é a ética da lei”.
Isto é, num Estado de direito não há ética; só há lei ou, por outras palavras, a lei é que faz a ética. Cumprida a lei, a ética está assegurada. É certamente por isto que os ricos, porque endinheirados, têm tanta dificuldade em ser presos e os pobres, sem dinheiro para contratar bons advogados, tanta facilidade em serem condenados. É que a lei, bem trabalhada, dá para quase tudo; sobretudo nas mãos de gente tão escrupulosamente legalista quanto eticamente imoral. Raramente um tão grande desprezo pela ética fora assumido publicamente de forma tão clara. O pior é que muitos outros não o proclamam tão abertamente mas põe-no em prática com o mesmo desaforo e irresponsabilidade.
E, contudo, a ética não só não é estabelecida pela lei como é anterior à própria lei e, por isso mesmo, lhe estabelece os limites, os critérios e as exigências.
Neste contexto percebe-se a oportunidade de Bento XVI, na mensagem para dia mundial da Paz, ao apontar como primeiro obstáculo à paz a falta de verdade ou “as mentiras do nosso tempo”. Podemos chamar-lhe mentira, falta de verdade ou falta de transparência. No fundo, porém, do que se trata é de corrupção moral ou, em linguagem popular, de “falta de vergonha”, uma categoria que as sociedades ocidentais ridicularizaram e acabaram por esquecer. Como continuam tão actuais, estas palavras, com mais de 70 anos, de Pio XI: “Este acumular de poderio e recursos (…) é consequência lógica da concorrência desenfreada, à qual só podem sobreviver os mais fortes, isto é, ordinariamente os mais violentos competidores e que menos sofrem de escrúpulos de consciência” (QA 107)!
Também João Paulo II encontra aí a origem da crise dos sistemas democráticos: “As questões levantadas pela sociedade não são examinadas à luz dos critérios de justiça e moralidade, mas antes na base da força eleitoral ou financeira dos grupos que as apoiam. Semelhantes desvios da prática política geram, com o tempo, desconfiança e apatia e consequentemente diminuição da participação política e do espírito cívico no seio da população que se sente prejudicada e desiludida.” (CA 47).
Estes e outros exercícios de macrobandalhice moral, a que vamos assistindo na nossa sociedade, muitos com uma assumida cobertura pela lei, só continuam impunes e florescentes porque há milhões de microbandalhices morais de que cada cidadão é individualmente responsável. É que estas, apesar de parecerem insignificantes a quem as pratica, criam um ambiente de tolerância social e laxismo ético que tudo aceita, tudo permite e tudo desculpa.
Para ultrapassar tal situação, verdadeiro “plano inclinado” da irresponsabilidade e do relativismo moral, impõe-se a todos, pessoas e instituições, um estilo de vida assente no respeito pelas normas da ética, da justiça social e da dignidade humana, sempre ao serviço do bem comum, recusando que sejam os egoísmos e os interesses mesquinhos, individuais ou grupais, a reger as relações sociais, que, entre humanos, sempre terão de ser de solidariedade, fraternidade e respeito mútuo.
18 Comentários:
Si Pina Moura representara los intereses de una compañía electrica francesa....¿Sería un "gajo porreiro"?
16/1/06 11:06
Los restos de los santos Martires de Marruecos, San Berardo y Compañeros Martires....¿Continúan el la Iglesia de la Santa Cruz de Coimbra?
16/1/06 11:08
Ao Anonymous
Para mim a ética não tem fronteiras. Não se trata de ser uma empresa espanhola ou chinesa, até porque me sinto cidadão do mundo.
O que me preocupa é a questão ética e não a técnica. E sobre os pormenores técnicos desta operação devo dizer que não percebo praticamenta nada. Até porque referi outras situações, uma acontevida no Japão e outra passada com Scroeder.
O que me levou a escrever o que escrevi foi a frase de Pina Moura: "a ética da república é a ética da lei".
Concordas com esta afirmação? Para mim quem diz isto pode ser um "gajo porreiro", mas será sempre um gajo porreiro que sempre explorará a letra da lei para justificar os eus interesses egoístas e assim vai construindo a sua ética, que nunca será uma ética, mas uma casuística "dirigida" por e aos seus interesses. E como escrevi, para mim,a ética é ontlogicamente anterior à lei e tem de ser a ética a ditar os limites e os critérios da lei.
Portanto, não tenho nenhum complexo castelhano.
Ao Julio
Vou nformar-me para te dar uma resposta actualizada
17/1/06 08:07
Um dos grandes problemas do mundo e dos humanos (porque os outros seres vivos se sujeitam às leis da natureza) é nem sempre saberem dar o melhor uso àquilo que os distingue - a inteligência, a escolha e a decisão . Diria mesmo que alguns nunca sabem de que lado estão, se do bem ou do mal. Esta "ignorância", infelizmente, não é por inaptidão.
17/1/06 11:10
Sobre la ética en los negocios y el comercio publicó un libro el jesuita padre Higuera
17/1/06 12:14
Ao Julio
As ossadas dos santos mártires de Marrocos ainda estão num relicário na Igreja de Santa Cruz.
De qualquer modo, nos século XIII e XIV foram distribuídas algumas dessas relíquias sobretudo em épocas de peste.
Sabe-se que da existência de outros restos, que vieram de Lorvão e estão no Museu Machado de Castro. Há um outro osso em Travassô, a 50 Km de Coimbra, onde se celebra anualmente uma festa solene no dia 16 de janeiro.
Esta informação foi-me dada por um historiador, o Padre José Eduardo, da diocese de Coimbra.
17/1/06 12:50
À Ângela
Concordo contigo. A tua afirmação de que "não é por inaptidão" remete para a importância do meio ambiente, outro modo de dizer a opinião dominante.
Estou convencido de que se não formos capazes de criar um ambiente onde "se respire naturalmente" a responsabilidade, a solidariedade, o respeito pelo outro, o compromisso pelo bem comum, estas situações imorais ou memso a-morais repetir-se-ão e cada vez com mais à vontade e menos consciência da sua gravidade.
Um ambiente laxista abre a porta a comportamentos laxistas. E uma sociedade da abundância (por muito que falemos de crise, vivemos numa sociedade da abundância) a ética deixa de ter espaço.
17/1/06 13:09
Ao anonymous
Infelizmente não é por falta de livros e de reflexões, embora muitos não os leiam nem se interessem por fundamentar as suas posições e atitudes.
O problema é o da ortopraxis, que naturalmente se deve fundamentar numa ortodoxia, mas que não pode ficar-se por ela.
Pelos frutos se conhece a árvore!
17/1/06 13:12
Muito obrigado pola informaçao., sr. Dias.
17/1/06 16:25
No me cabe duda que tanto el sr. Ze Dias como el rev. padre José Eduardo, de Coimbra, serán tan bien recibidos en Salamanca (España), como lo viene siendo el poeta de Castelo Branco, dr. Antonio Salvado, caso de que acuerden pasar por la capital charra.....¡No dejen de avisar en ese caso! Un abrazo.
17/1/06 16:32
Bem se percebe que muitos daqueles que singram(aram) na vida assim pensem, assim ajam, porque ficam de consciência tranquila, no pressuposto de que a ética é a que decorre da própria lei.
Cumprida esta, logo aquela respeitada, eximem-se à condenação e não aceitam qualquer reparo público.
E só não se sentem interiormente incomodados, porque à força de tanto se auto-metralharem "lei=ética", "lei=ética", os remorsos deixam de existir.
17/1/06 20:31
Chamaste a tenção para uma das falhas morais do nosso tempo. Deixou de haver remorso. Este "remorder" da consciência não é o único mas é certamente o mais eficaz meio de conversão, de mudança de vida, de aceitação de uma ordem respeitadora dos outros e não apenas dos interesses individuais ou grupais.
A falta de remorso (num artigo recente recuperei outra expressão perdida que é equivalente: "falta de vergonha") liberta a pessoa de quaiquer dúvidas e torna-a senhora absoluta do suposto bem e do suposto mal ou, como dizia a Ângela, perde-se a distinção entre o que é bem e o que é mal.
A sabedoria bíblica é muito plástica: da árvore do bem e do mal ninguém pode comer, porque só Deus é o arbitro supremo do que é bem e do que é mal. Quando o árbitro é cada um, as escolhas serão sempre subjectivas.
De qualquer modo, defendo absolutamente que cada um deverá ser sempre julgado pela fidelidade à sua consciência. O problema é como "educar a consciência", e não apenas do ponto de vista religioso, mas também cívico.
18/1/06 08:47
Amigo Ze Dias: sobre la conciencia, te recomiendo la lectura del libro "A tua consciencia", de Antonio María Lunardi, Editorial Franciscana, Braga, 1.964.
18/1/06 12:59
Otro libro muy recomendable, de la misma Editorial, "Valores Humanos", de Alejandro Ortega Gaisán.
18/1/06 13:40
Teologia de la perfeccion, de Äntonio Royo Marin
13/6/06 10:25
Eugenio Zolli, hombre cabal
22/9/06 07:37
Biografia de Juan XXIII, El Papa Bueno, por Benedicto Tapia de Renedo
12/1/07 11:17
pensamientos de pedro roncero
18/3/07 11:24
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