As crianças também têm direitos
É muito habitual os adultos pensarem as crianças com objecto das suas decisões e não como sujeitos da sua história. Foram milénios de hábitos de protecção, ditados pelas suas limitações e pelo carinho dos pais. Dizem os evolucionistas que foi esse longo período de cuidados maternos/paternos, muito maior que o de qualquer outro animal, que nos preparou para sermos uma espécie especial no mundo dos seres vivos.
Os tempos foram passando e as crianças passaram por vicissitudes variadas e muitas até pouco humanas: moeda de troca, força de trabalho, exploração sexual, tráfico de órgãos, etc.. Mas a maioria, pelo menos em países desenvolvidos, tem tido muito amor dos pais, às vezes um amor doentio, porque obsessivo, outras um amor por interpostas prendas, mas a maioria vive num clima afectivo saudável.
No Dia da Criança pensa-se em várias coisas até na baixa de natalidade. Mas poucos nos lembramos que em 20.Nov.1959, a ONU aprovou uma Declaração Universal dos Direitos da Criança e que 30 anos depois (20.Nov.1989) aprovou uma Convenção dos Direitos da Criança, que foi ratificada por todos os países, excepto pela Somália e os Estados Unidos (!!!). Portugal ratificou-a a 21.Set.1990.
O grande traço de união é o interesse da criança. E manifestamente pelas exemplares decisões de alguns dos nossos juízes e juízas esse objectivo primeiro parece não ter sido foi interiorizado por muitos aplicadores da lei. Mas o esquecimento não se cinge aos julgamentos mais mediáticos, pois, como lembra o Notícias magazine, “entre 2005 e 2008, a CDC (Convenção dos Direitos da Criança) foi referida apenas seis vezes em quase cinco mil acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e cinco vezes em cerca de 2 500 acórdãos do Tribunal Constitucional”. Trata-se de crianças, claro!!!
Mas dos 54 artigos da CDC, gostaria de destacar o artigo 31º, o que lhes garante o direito a brincar: “Os Estados Partes reconhecem à criança o direito ao repouso e aos tempos livres, o direito de participar em jogos e actividades recreativas próprias da sua idade e de participar livremente na vida cultural e artística”.
Hoje basta olhar para o aproveitamento mercantilista de todos os espaços livres pelas nossas câmaras, sem espaços abertos, campos para correr e saltar, andar de bicicleta, sem espaços verdes onde não haja uma tabuleta a dizer "é proibido jogar a bola". Alguma coisa está a mudar, mas a passo de caracol.
Basta olhar também para a plena ocupação das crianças com aulas de inglês, de balet, de música, de explicações.
Muito mais feliz foi a meninice de outros tempos, durante a qual passávamos o tempo a “correr o ferrolho”, isto é, a andar o dia todo fora de casa a correr as ruas da aldeia e os campos vizinhos, a ir aos ninhos, a trepar às árvores, a esfolar os joelhos, a sujarmo-nos nas poças de água, a atirar com a fisga aos pássaros, a jogar às escondidas, a desligar pelas encostas abaixo rompendo os fundilhos dos calções, a cravar alguma comida em casa dos vizinhos e até a construir, sob vigilância dos mais velhos, os nossos próprios brinquedos. Nesse tempo, vivia-se, sem declarações da ONU, o direito a brincar. É certo que durava pouco pois logo começava o tempo de trabalho: ir com as cabras, depois ir ás pinhas, depois ir ao mato, depois trabalhar no campo.
Hoje vive-se muito melhor, mas há aspectos que andaram para trás. O direito das crianças a brincar foi um deles.
0 Comentários:
Enviar um comentário
<< Home