divórcio ou casamento eterno?...

2010-07-01

Fogo do Céu

O Evangelho do domingo passado veio mesmo em boa altura para o meu estado de espírito e para me despertar para alguns exageros que estava tentado a cometer ou que já tinha cometido.
Há uns dias atrás tinha relido a intervenção do Conh Bendit sobre a hipocrisia dos europeus no modo como trataram a ajuda à Grécia. Chamou mesmo hipócritas aos governantes franceses e alemães, mas também aos próprios deputados europeus. E explicou porquê: só a França vai recuperar 2,5 mil milhões de euros e a Alemanha, pelo menos, mil milhões em … caças, submarinos, fragatas, etc.. Um dia destes reproduzo aqui a minha reflexão sobre essa intervenção. Para já retenho a palavra hipócritas que ele repetiu duas vezes.
Na semana passada foram aprovadas as conclusões da Comissão de deputados que tinha por objectivo determinar se Sócrates tinha ou não mentido ao Parlamento. Devo dizer que não ligo muito a Comissões de deputados a julgar os outros: primeiro, porque acredito na separação de poderes, embora essa pareça ser uma ideia já de outro mundo (do de Montesquieu, talvez!?); segundo, porque se contam pelos dedos de uma mão as comissões da Assembleia que tenham chegado a alguma conclusão "de geito". Mas o que me intrigou foi aquele jogo de palavras: “Sócrates não disse a verdade toda”. Que conclusão se tira daqui: mentiu ou não? Qual é a diferença entre “não dizer a verdade toda” e “mentir”? Que Sócrates não é um modelo de virtudes éticas não é novidade. Como não é novidade que ele seja pior que a esmagadora maioria dos cidadãos portugueses quando se trata de desenrascar para si pequenos “pormaiores” da vida do dia a dia. Mas os deputados desta Comissão estão exactamente ao mesmo nível de Sócrates naquele campo ao aprovarem uma “escrita daquelas”? O que me parece mais preocupante, em termos, de serviço público e bem comum, é sentir que para os deputados e para os jornalistas um dos nossos mais graves problemas é saber se Sócarates mentiu ao Parlamento e se o Parlamento, através da sua Comissão, mentiu ao país… tal o relevo que a comunicação social deu a estas questões. E lá me veio a palavra hipócrita do Conh Bendit a propósito do Sócrates, do parlamento, dos jornalistas, nunca esquecendo que sempre há excepções.

Dir-me-ão que são dois casos muito diferentes. “Fisicamente” são-no realmente, mas do ponto de vista ético estão muito próximos nos seus fundamentos. Mas escolhi estes por serem tão diferentes-semelhantes pois tinha muito por onde escolher. E servem só como exemplo daquilo a que me conduziu a reflexão deste Evangelho.
“Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu que os destrua?” (Lc 9,54). Esta frase foi como um soco no estômago. É que já por mais que uma vez, perante estas alarbices que vão tecendo a nossa sociedade, esta ideia me passou, como um relâmpago, pela cabeça. Eu procuro logo afastá-la, mas, de vez em quando, mal me descuido, lá aparece ela sorrateira e prazenteira: “e se descesse um fogo de um qualquer céu e limpasse esta sujidade?" .
Os discípulos fizeram aquela ameaça, como se sabe, porque uma aldeia se recusara a receber Jesus. Talvez essa ideia também me venha à cabeça, porque as pessoas não praticam a cidadania, porque não lutam pela justiça e o bem comum, porque se fecham no seu egoísmo e eu… acho isso, pelo menos teoricamente, inaceitável particularmente nos tempos que vivemos. Mas eu só escrevo e falo. Mas eu só olho para os outros e pouco para mim (aquela história do argueiro no olho do vizinho versus a trave que tenho no meu!).
Por isso, meditei as palavras que se seguiram: “Mas Jesus voltou-se e repreendeu-os. E seguiram para outra povoação”. Palavras sábias (ou divinas!?) que vou ver se não esqueço por estes tempos mais próximos (quantos: um dia? Uma semana? Um mês? Um ano?).
Do ponto de vista prático significam para mim que:
- vivo numa realidade que é como é e não como eu gostaria que ela fosse;
- não posso julgar os outros só com os meus critérios;
- não tenho a verdade toda.
Mas não vou para outra “povoação”. Isso não! Vou ficar nesta dos que acreditam que é possível viver em paz, em alegria, em esperança na construção de uma terra nova. Vou partir da nossa realidade como ela é e dar o meu contributo para que a “nossa aldeia” seja acolhedora e esteja sempre disposta a acolher os outros, mesmo e sobretudo os diferentes. Vou procurar descobrir o que os outros têm de bom e não estar sempre à espreita de segundas intenções. Vou continuar a escrever e a falar de esperança, de bondade, de fraternidade. Vou falar de que todos unidos podemos construir o bem comum para todos, ter uma melhor qualidade de vida. Vou continuar a bater-me pela centralidade da pessoa, de qualquer pessoa.
Mesmo sabendo que alguns vão continuar a ser hipócritas, vamos todos procurar que o seu número diminua e que mudem de equipa. O que não vai ser muito difícil, porque muitos dos hipócritas somos nós próprios
E, já que falar e escrever é muito pouco, vou ver se faço alguma coisinha por isso: no modo como vivo, nos meus gestos diários, na minha avaliação dos outros e fazer com que o “fogo do céu” me saia da cabeça e da “pena” (de escrever) sempre que alguma coisa me desagrade.

1 Comentários:

Blogger Manuela Silva disse...

Bravo José Dias pela lucidez com que analisas a realidade, a pertinência com que desmontas as suas incongruências e a esperança que cultivas de que um outro mundo é possível, se nós próprios formos mudando o nosso olhar e modo de habitar o tempo e o espaço em que nos é dado viver.
MS

1/7/10 15:40

 

Enviar um comentário

<< Home