divórcio ou casamento eterno?...

2006-02-25

Brincalhões

Sob este título vou juntar três situações.
1. Todos nos queixamos da falta de nível dos nossos alunos (e não só) quanto ao seu desempenho (bonita esta palavra) no português. Há certamente muitas causas e a diferentes níveis. Mas os conteúdos programáticos não estão nada isentos desta realidade. "No meu tempo" aprendi que uma oração podia ter sujeito, predicado, complemento direto, indirecto e circnstanciais. Depois vieram os sintagmas nominais e verbais (o que dava outro tom ao nosso saber!). Depois era proibido decorar as preposições, etc..
Agora, segundo li num artigo do Público, parece ter havido mais outras nobres alterações. Cito: "Os saudosos adjectivos qualificativos terão de ser subdivididos em "adjectivos de possibilidade", que são definidos como "adjectivos derivados de uma base verbal e que podem ser parafraseados pela expressão "que pode ser Vpp", sendo Vpp a forma do particípio passado da base verbal derivante", e "adjectivos relacionais"... Também os antigos substantivos são agora "nomes" e subclassificam-se como já sabíamos em próprios, comuns e estes em abstractos e concretos. Mas agora o aluno terá ainda de distinguir entre "nome epiceno" (testemunha, cônjuge), "nome agentivo" (enttevistador, grelhador) e "nome de qualidade" (falsidade), acrescentando às oposições já conhecidas de masculino / feminino e singular / plural, as de "contáveis" (pedra), "não contáveis" (ar); "animado" (animal), "não animado" (porta); "humano" (bebé) e "não humano" (porta).
Assim vai o ensino do português em Portugal. Estes bricalhões da superficialidade não têm direito a uma sabática? O país e os pais agradecem e certamente também os professores.

2. A longa metragem Kurtlar Vadisis-Irak (O Vale dos Lobos-Iraque) ja atraiu 2 milhões de turco às salas de cinema. Agora que se prepara para ser exibido em cinemas ocidentais, alguns políticos estão indignados e pedem aos distribuidores para "não atirarem mais óleo para a fogueira" e consideram que "não se deve ganhar dinheiro com um filme anti-semitica e anti-americano".
É uma delícia esta nossa concepção de liberdade de expressão.
O que vão dizer (mas já estão atrasados) os grandes defensores da liberdade de expressão que tanto defenderam os cartoons contra Maomé?
É esta a nossa cultura da coerência ou será que temos vários tipos de liberdade de expressão?

3. Nãoi sei se percebi mal, mas jurava que tinha ouvido no telejornal que os sindicatos da função pública estão muito críticos perante a possibilidade de haver avaliação ao pessoal.
Realmente num país que não avalia nada é um escândalo querer avaliar alguém.
Contudo, só tem medo da avaliação quem é amante da cultura da irresponsabilidade.
Por isso, esperamos todos, os verdadeiros cidadãos, que as avaliações vão para a frente e sejam feitas com seriedade.

4 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Gostei dessa tua sugestão da sabática. No entanto, fiquei a pensar se não estariam já outros «à bica» dispostos a substituir estes por outros, com nomes (estarei a aplicar o termo correcto?) e classificações num crescendo de aberrações para que se submeta o primado do essencial (da informação, do conhecimento) ao do acessório (do ruído). Seria cómico se não fosse trágico: a maioria dos nossos alunos não sabe ler (com tudo o que ler significa) um texto, alguns ficam-se por soletrá-lo e se se lhes pede para traduzirem o que leram, não conseguem. É verdade que vivemos a sociedade do parecer e não do ser e, provavelmente, é mais bonito que os alunos decorem estas novas novidades, passe o pleonasmo (será que se também já mudou de nome?!), do que compreendam a nossa língua. Infelizmente, este é um princípio estruturante (assim se chama) de todo o nosso ensino: roupagens novas, mas se repararmos bem nelas, verificamos que o rei vai nu! Mas não esqueçam: é necessário que o sucesso escolar aumente. E o que é isso de sucesso? Tão simplesmente diminuir as nossas estatísticas de quem fica pelo caminho; não importa a que preço, pois os meios justificam os fins.
Aliás, isto vem a propósito do teu 3º comentário: numa cultura de ausência de reflexão, de parecer, de não responsabilidade, a avaliação é temível. Com que argumento? É que podemos cair nas mãos de irresponsáveis que não saibam avaliar ou não saibam escolher os «verdadeiros» critérios que presidam a essa avaliação. E, aqui, para nós, se o acessório continuar a predominar sobre o essencial, o que se vai avaliar? Deixem-me só ter mais um desabafo: é verdade que a classe que melhor conheço são os professores, mas confesso que todos têm muito medo desse papão que se chama avaliação. Curiosamente, ou talvez não, somos os que passamos a vida a avaliar!!!
Ensino, educação, formação… ora aqui está um tema que gostaria de ver seriamente reflectido e avaliado antes de, sistematicamente, se irem introduzindo novas reformas, novos programas, novos (velhos) conteúdos. Cheira-me a que tudo isto é uma questão de moda e, tal como o que ontem se tapava, hoje se destapa (reparem nas barriguinhas das nossas ‘teenagers’), talvez o ensino esteja a precisar de novos estilistas. A sério, que não tenho nada contra: venham eles, mas com nível!!
Só para deitar mais uma acha para a fogueira, gostaria de encontrar alguém que me convencesse das vantagens (uma só que fosse) dessa decisão peregrina que são os 90 minutos de duração de uma aula. Parece-vos acessório? Olhem que não…

Quanto à longa metragem Kurtlar Vadisis-Irak (O Vale dos Lobos-Iraque), é apenas um exemplo da hipocrisia reinante. Falavas de cultura da coerência? Onde a encontraste?

26/2/06 05:51

 
Anonymous Anónimo disse...

Começando pelo fim. Não seria de temer a avaliação (por quem trabalha), mas suscitam-se-me algumas dúvidas sobre os critérios da avaliação, tanto mais que, com essa nova descoberta dos portugueses em complicar o que é simples(emaranharem tudo) como fazem com a sintaxe gramatical, ainda alguma comissão vai definir parâmetros imensuráveis e meter os bons e os regulares (que é como quem diz os responsáveis e os irresponsáveis) no mesmo caldeirão e ora sai o João Ratão, ora sai a Branca de Neve ou uma qualquer raposa matreira se não mesmo o lobo mau.Isto é, dá para tudo. E lá vamos bater na falta de coerência que rebatemos mas nos espicaça os sentidos, como a longa metragem do Iraque.

27/2/06 13:01

 
Blogger Zé Dias disse...

Quanto à avaliação também eu receio a má definição de critérios e outros parâmetros, mas que é necessário criar esta cultura da avaliação parece-me indiscutível.
E eu penso que terá de se começar mesmo correndo alguns riscos. E aí os serviços e os cidadãos terão certamente alguma palavra a dizer de modo a evitar erros.
O pior é manter esta mentalidade de que todos somos bons e que de tempos a tempos temos garantida a passagem ao escalão seguinte, independentemente dos méritos.
Até porque muitos de nós temos a percepção de que alguns serviços vivem da dedicação de uns poucos que conseguem colmatar a falta de responsabilidade dos restantes colegas.

Voltando ao ensino, parece-me que os anos básicos deveriam servir para dar conceitos fundamentais, nomeadamente, no caso do português, como escrever e interpretar um texto, como estruturar uma frase e um raciocínio(fundamental para todas as outras disciplinas) em vez de gastarmos a memória e a inteligência do aluno a decorar conceitos cujos conteúdos pouco adiantam para a estruturação intelectual básica. O mesmo se poderá dizer da física, da química, da biologia, onde se multiplicam leis e conceitos às vezes sem qualquer relevância básica, insisto no "básica".
Depois há essas descobertas e inovações pedagógicas como aulas de 90 minutos...
Será que estes responsáveis têm alguma noção do "público" a que se dirigem, das suas características actuais, das dificuldades que este mundo de adultos lhes cria ou das que os jovens criam aos adultos? Será que tomam a sério as nossas crianças e os nossos jovens ou continuam a vê-los pela perspectiva da juventude do "seu tempo"?

27/2/06 23:49

 
Anonymous Anónimo disse...

Deixem-me bater novamente na(s) mesma(s) tecla(s). Sobre a avaliação, eu também temo esses critérios etéreos e esses avaliadores de curricula irrepreensíveis (basta pô-los numa balança), mas não é verdade que, desde sei lá quando e em todos os sectores, apenas uma percentagem mínima trabalha e vai aguentando a gestão corrente, enquanto a maioria vai para o emprego, cumpre horário (quando cumpre), entremeando-o com aquilo que considera direitos adquiridos, como: o pequeno almoço, a bica, o lanche, umas saídas para tratar de assuntos pessoais e, já cansada da diversidade de assuntos, quando dá conta de que a hora de saída se aproxima, arruma tudo antecipadamente para não perder tempo? Bem sei, que os chicos espertos se safam em qualquer sistema, mas será que não há nada a fazer? Se em vez de horários a cumprir (com relógio de ponto e tudo), não seria melhor exigir a realização de tarefas, tendo em vista a consecução de objectivos antecipadamente bem definidos? Não seria uma maneira de perceber que não se vai para o emprego, mas para o trabalho?

2/3/06 03:08

 

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