irmã Lúcia
Da irmã Lúcia retiro a grande lição de que todos podemos ser santos, independentemente dos nossos méritos ou talentos (até porque todos temos talentos: Mt 25,14-30): não é preciso ser doutor nem formado nas universidades; não é preciso ser teólogo encartado e ilustrado; basta "apenas" dizer sim a Deus, ao seu projecto para cada um de nós.
E para dizer sim basta "apenas" querer e sobretudo acreditar, acreditar de que Deus é tudo, e estar absolutamente disponível (isto é, com espírito de pobreza interior, onde nada nos impede de dizer sim) para assumir o seu projecto "único e irrepetível" para cada um de nós.
Olho estas manifestações "de massa" que acompanham a sua passagem para Fátima com dois sentimentos.
O primeiro é a inegável força da fé que leva estas pessoas a virem de longe à chuva ou ao sol. Muitos de nós discutimos a pureza desta fé, mas quem sou eu para as avaliar ou as classificar? Os caminhos para Deus são sempre únicos e irrepetíveis e cada um de nós tem o seu ou tem de descobrir o seu. Há caminhos para Deus que passam pela descrença, pelo agnosticismo, pelo ateísmo (que me perdoem os descrentes!), pela defesa "humana" da pessoa, pela fé ingénua ou supersticiosa. Cada pessoa cada caminho.
O segundo tem a ver com o risco sempre presente de que tais manifestações de fé façam confundir o fundamental - a fé no Deus de Jesus Cristo - com alguns aspectos "acidentais": a fé em Fátima, na irmã Lúcia ou até na Nossa Senhora. O único absoluto é o Deus que ama de tal modo o mundo que mandou o seu Filho para que nos mostrasse que a salvação definitiva existia e é possível. Com a vinda de Jesus, "o Reino dos Céus está próximo. Acreditai e convertei-vos" (Mc 1,15). Muitas vezes esta palavra é traduzida de modo incorrecto por "fazei penitência", oferecei sacrifícios a Deus para o "libertar" das ofensas dos homens e mulheres, ideias demasiado associadas à mensagem de Fátima.
No entanto, a palavra grega é clara metanoeite, infelizmente veiculada pelo latim paenitemini. De qualquer modo a proposta é de conversão, mudar de vida, metanoia: mudar a nossa vida de modo a satisfazer a vontade de Deus.
6 Comentários:
Toda a razão, Zé Dias..tem toda a razão.
também gostei de ver o que vi na tv, hoje.
E o que aqui vim ler..
Como está?
espero que bem.
desejo que bem.
rezo para que bem.
E deixo um novo abraço.
19/2/06 23:09
Se acreditamos, certamente que a Irmã Lúcia "meterá uma cunha" para a tua recuperação rápida.
Eu estou do lado da Irmã Lúcia, mas, muitas vezes não totalmente de Fátima. Passo por lá muitas vezes, em meditação. Às vezes, à missa da tarde. É um dos sítios onde mato a sede que a Igreja me retira por ser divorciado.
Mas Fátima tem esse lado viciante da procura da riqueza fácil. E isso não diz nada comigo.
A irmã Lúcia não está lá por isso, mas certamente que muitos irão aproveitar ao máximo mais este filão.
20/2/06 01:15
Qualquer penitência é em ordem à conversão. Uma penitência é desadequada quando deixa de ser um meio (eficaz) que me leve a Deus (o fim, a finalidade) e é vista como um fim em si mesma. Se aquilo que me subverte é a posse, não me espanta nada que esta subversão para que atinga a conversão tenha que passar pela experiência concreta da petinencia. E repito, a penitencia nao como coisa masoquista, da dor pela dor e do sofrer pelo sofrer, mas em ordem a Deus, no fundo em ordem à liberdade afectiva seja ela com coisas ou pessoas. O errado está tanto no mau uso da penitencia como no observador do penitente. :) Depois de uma confissão, por exemplo, habitualmente se dá como penitencia uma oração. Uma penitencia, nao será verdadeira penitencia, quando para alem da oração que faça eu procure na prática meios reais (atitudes de desinstalação) de conversão?
um abraço,
20/2/06 15:16
Concordo que qualquer penitência deve ser em ordem à conversão de vida.
Acontece que para muitas pessoas, educadas numa catequese algo ultrapassada, fazer penitência tem um significado demasiado preciso e redutor.
A aposta na conversão de vida, da minha vida concreta, é muitas vezes substituída por uma penitência, casuística, que me liberta da vocação de ser santo.
É só neste sentido que fiz o meu comentário. O essencial é "acreditar que o Reino de Deus está próximo" e que a sua chegada nos/me obriga à conversão, a mudar de vida para podermos não só aceitá-lo como entrar nele.
Simões
Espero que Fátima continue a matar a sede que não podes oficialmente matar noutros lugares. Deus ama-nos a todos de igual modo e tanto mais quanto maiores as nossas necessidades. Não precisa que ninguém deste mundo lhe diga quem deve amar.
21/2/06 16:09
Também voltei a ler os teus escritos. Aceito que os outros tenham a sua fé em Fátima, na irmã Lúcia, em Cristo, em Deus mas, às vezes, alguns símbolos acorrentam as pessoas, cegam-nas e existem manifestações muito mais materiais do que espirituais. Eu não posso acreditar num Deus que quer reduzir os seus fiéis a uma vida de penitência. Sob pena de dizer uma asneira de todo o tamanho, prefiro aceitar um Deus que não precisa de se libertar. Se alguém tem esse caminho somos nós, homens e mulheres e aí sim, nesse caminho que formos percorrendo encontraremos maior ou menor libertação.
Quanto à Europa, eu gostaria um pouco mais que ela não fosse tão "convencida" da sua superioridade civilizacional. Pode correr o risco de olhar demasiado para o seu próprio umbigo e...ele não é tão bonito assim se examinar todos os detalhes da sua história.
22/2/06 02:13
Infelizmente tens razão em muitos pontos. As manifestações religiosas têm tido dificuldade em se separar destas dimensões comerciais.
Certamente que a fé não tem culpa. São os interesses humanos materiais que onde se metem facilmente tudo conspurcam e des-espiritualizam.
Mas também a própria fé nem sempre se liberta de aspectos muito marcados pelo sacrifício casuístico e pelas promessas que têm subajcente um Deus mais comerciante que amor.
E aqui muitos cristãos, por falta de formação, certamente, mas também uma pastoral da Igreja nem sempre suficientemente clarificada e libertadora têm culpas.
Deus não precisa que nós o aplaquemos: Ele não está aborrecido conosco nem precisa das nossas oraç
ões para recuperar a sua bondade infinita. É uma das heresias da nossa catequese é ensinar que devemos sofrer para que DEus faça as pazes com a humanidade. Ele ama-nos, ama-nos para lá dos nossos defeitos e das nossas virtudes; ama-nos simplesmente por que é AMOR, PURO AMOR.
E é este amor que os cristãos devem transpor para a sua vida e deixar-se impregnar por ele: só assim serão verdadeiros discípulos e testemunhas qualificadas do Reino de Deus.
Mas reconheço que muita ignorância sobre o que é Deus (daí oa apelo do Evangelho: "acreditai...") e muita preocupação pelos nossos comodismos e pelos nossos projectos tantas vezes egoístas ("... e convertei-vos") estão a dar uma imagem profundamente negativa da fé e especialmente da fé cristã.
Grande esforço catequético espera a pastoral da Igreja
22/2/06 14:29
Enviar um comentário
<< Home