CV (13) Gestão do tempo
Uma dificuldade que ainda não consegui resolver de todo é a da gestão do meu tempo agora: passar dez dias no hospital, por entre tratamentos, enjoos e incomodidades próprias de quem não tem muitos espaços disponíveis, não foi fácil a primeira vez: levei uns livros (da Bíblia resolvi reler Jeremias, um profeta que me apaixona pelas suas dificuldades, as perseguições que sofreu, os seus diálogos e até acusações a Deus, as suas exigências de que Deus o deixe em paz), levei um portátil que entretanto se fanou, fui conversando com os membros da minha nova família. Mas chegava ao fim do dia com a sensação difusa do "diem perdidi".
Devo dizer que esta experiência já não era nova para mim.
Quando há já uns quinze anos me reformei senti uma sensação semelhante. De repente faltou-me aquela "rotina": sair de casa, ir para a Universidade, dar dados ao computador para ele refazer os cálculos, aguardar os resultados, ler artigos da especialidade ou de cultura geral, analisar os dados calculados e ver da sua consistência, partilhar com os colegas uma pausa para café onde se falava do trabalho de cada um mas também dos principais acontecimentos nacionais e internacionais e até do perigo de ficarmos prisioneiros da nossa "janela" científica e da necessidade de termos, a malta de química teórica, entre nós um epistemologista ou alguém afim. Até me fizeram falta os quinze minutos que demorava de minha casa até ao Departamento de Química: momentos extremamente fecundos, nos quais aprofundava os artigos que ia escrever, as conferências que iria dar, o avanço da minha investigação.
De repente, tudo acabou. E se nos primeiros dias isso até foi agradável essa sensação de liberdade ou de libertação da ditadura do relógio, pouco a pouco fui-me sentindo um marginalizado da sociedade (os espaços de partilha com os amigos e até com a ciêcia, minha velha companheira, iam escasseando), um não produtivo (já nem sequer tirava números do computador e deixara de escrever artigos científicos).
Na altura houve dois acontecimentos que me ajudaram a recuperar o equilíbrio interior: durante dois ou três anos presidi à preparação e organização do Congresso de Leigos da Diocese de Coimbra e passados mais un dois anos à organizaçõa das Semanas Sociais de Coimbra subordinadas ao tema Família e Solidariedade. Dado que estes dois eventos exigiram um horário sem horas, acabei por perder a angústia da falta de rotina profissional. Posteriormente acabei por me organizar distribuindo o meu tempo por comissões, conferências, artigos de jornais e até a escrita de um livro de introdução à DSI que me ocupou durante dois anos.
Mas percebi o que deve ser angustiante para uma pessoa que fica (obrigatoriamente) desempregado: a sensação de inutilidade (o que faço eu?), a angústia de nada produzir (como se fosse um assumido parasita da sociedade), a vergonha de encarar os outros sobretudo os filhos (aqui sempre em casa sem fazer nada e nós a precisarmos de algum...), o receio de ser marginalizado (primeiro ainda consta dos papéis do desemprego; depois quando acabar o subsídio o nome desaparece dos documentos oficiais restando apenas um número na estatística dos desempregados; finalmente até daí sai e quase que deixa de existir oficialmente).
Agora, vou ver se resolvo o meu novo desregulamento: felizmente que não me falta que fazer; basta só estimular a vontade para trabalhar.
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