Os homens da Palavra
Dentro da temática da formação dosleigos, publiquei mais um artigo no Correiode Coimbra onde "apenas" recordo o que diz o Concílio: o clero é prioritariamente o "homem da palavra" (o catequista por excelência") e só depois "o homem do culto". Claro que isto tem implicações profundas na espiritualidade do padre: deveria ter uma espiritualidade mais "profana" (porque deve levar a Palavra de Deus onde ela ainda não existe) do que "cultual". Mas sempre uma espiritualidade mística e proféica.
APRENDER A GERIR OS NOSSOS RECURSOS
É motivo de muita alegria para a Igreja portuguesa que os nossos Bispos tenham percebido que do ponto de vista prático “quando fazemos um Plano Pastoral não basta definir bem os objectivos, mas é necessário que quem faz o plano procure os recursos humanos e materiais para concretizar aquilo a que se propôs” e que tenham tido a humildade (cristã, entenda-se!) de aceitar que a “imposição das mãos” não lhes dá todas as competências nem lhes atribui especiais capacidades de gestão e administração, o que a gerir a colaboração de todos “cada um segundo as suas possibilidades, aptidões, carismas e ministérios” (AdG 28).
Bastaria pôr em prática o exemplo dos Doze que rapidamente concluíram que “não convém que deixemos a palavra de Deus para servirmos à mesa” (Act 6,2). Bastaria reler o decreto conciliar sobre o “múnus dos Bispos” que estabelece com muita clareza as prioridades: “ensinar todas as gentes, santificar os homens na verdade e apascentá-los” (ChD 2; 11; 30). Em primeiro lugar aparece como “um dos principais deveres anunciar o Evangelho de Cristo aos homens” (ChD 12-14) e só depois surge o de santificar (ChD 15) e o de governar (ChD 16). Bastaria recordar as recomendações conciliares de “respeitarem a parte que pertence aos seus fiéis” (ChD 16; LG 37), não como recordava D. Albino, por delegação, “mas sim (para) darem aos leigos aquilo que lhes pertence”, pela sua consagração baptismal acrescento eu. Ou ouvir as queixas de S. João Crisóstomo: “Os nossos bispos estão esmagados pelas preocupações materiais mais que os administradores leigos, que os ecónomos e os comerciantes, enquanto que deveriam ocupar-se unicamente das vossas alma. Em vez de rezar e ensinar passamos o tempo a controlar os preços do vinho, do grão e das restantes mercadorias: discussões intermináveis nas quais se misturam injúrias grosseira (…), que os leva a deixar acumular o pó sobre a Sagrada Escritura, a perder o seu espírito de oração e a que se atrofie o seu sentido espiritual”.
Um outro motivo de muita alegria é que estes exemplos bons venham de cima. Muitos dos nossos párocos também não definiram adequadamente as suas prioridades e, além disso, ocupam-se demasiado com assuntos para os quais os leigos têm possivelmente mais competência. Também aqui bastaria reler o decreto conciliar sobre “o ministério e vida do sacerdotes”. Logo na definição geral da sua missão ficam estabelecidas as prioridades: “são promovidos ao serviço de Cristo mestre, sacerdote e rei” (PO 1). E depois vai repetindo: “o seu ministério que começa pela pregação evangélica”; “quer se entregue à oração e à adoração, quer preguem a palavra de Deus, quer ofereçam o sacrifício eucarístico” (PO 2); “têm, como primeiro dever, anunciar a todos o Evangelho de Deus” (PO 4). Também o número 13 começa por dizer que “sendo ministros da Palavra, todos os dias lêem e ouvem a palavra do Senhor que devem ensinar aos outros” (PO 13a) e só depois passa ao “sacrifício da missa” (PO 13b).
É claro de tudo isto que o padre é, primeiro que tudo, “o homem da Palavra” e só depois “o homem do culto”, até porque sem Palavra não há culto. O problema é que é muito mais fácil “celebrar missas”do que fazer catequese. Para “celebrar a missa”, para lá da fé, basta fazer gestos e ler as palavras do Ritual. Mas para fazer catequese é preciso estudar, meditar, preparar, saber apresentar em palavras e conceitos inteligíveis a mensagem. E isto dá muito trabalho. Bastará ver como estão a reagir os professores na sociedade civil. E fazer catequese é muito mais do que dar aulas. Por isso, já o Concílio dizia, referindo-se apenas à modalidade mais habitual de formação, que é a homilia: “A pregação sacerdotal, não raro dificílima nas circunstâncias hodiernas do mundo, se deseja mover mais convenientemente as almas dos ouvintes, não deve limitar-se a expor de modo geral e abstracto a palavra de Deus mas sim aplicar às circunstâncias concretas da vida a verdade perene do Evangelho” (PO 4).
Daí a lamentação de D. José Policarpo, na sua última Carta pastoral: “má proclamação da Palavra de Deus; demasiados discursos durante a celebração, abundância de palavra humana que ofusca a Palavra de Deus; isto inclui, por vezes, a própria homilia, destinada a ajudar a escutar a Palavra do Deus vivo e a descobrir os caminhos de resposta, na fidelidade; má qualidade e a falta de mensagem religiosa dos cânticos, que deveriam ser uma expressão da oração e do louvor; a ausência quase total de silêncios; o exagero de gestos simbólicos de má qualidade, como é o caso de certos ofertórios; a introdução de textos profanos durante a própria acção litúrgica. Que os sacerdotes tenham consciência que aquele que preside à celebração é o principal responsável da sua qualidade” (14).
A Igreja, como o mundo, vive uma mudança radical, uma verdadeira crise. E as crises são momentos oportunos para quem como a Igreja dispõe de propostas libertadoras e prenhes de esperança. Mas para a poder aproveitar e potenciar temos todos de ser capazes de conversão: de modelos de Igreja, de modelos de pastoral, de modelos de linguagem, de modelos de catequese, de modelos de organização, de mudança de estilo de vida, pessoal e comunitária.
E sobretudo de conversão radical à Palavra de Deus, que, como diz o Concílio, “deve ser como que a alma da sagrada teologia” (DV 24) e de toda a vida cristã (DV 21).
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