divórcio ou casamento eterno?...

2008-10-10

A domesticação da sociedade

Com este título, escreveu José Gil um artigo na Visão (2/Out), onde faz afirmações que merecem consideração, já que se trata de um filósofo, e, portanto, se espera que ajude a fazer uma leitura mais objectiva da realidade.
Subscrevo que “o português voltou (não sei se alguma vez deixou de estar!) à inércia e à passividade face a transformações inelutáveis que abalaram a sua existência como um destino”, agudizado por “um processo de interiorização de um novo modo de vida a que a modernização o vai condenando”.
Depois escolhe para exemplificar o caso dos professores, dos quais diz que na luta com o governo, perderam: “os espíritos estão parcialmente domados”; “quebrou-se-lhe a espinha”; “uma burocracia inimaginável” dificulta a articulação da vida profissional e a via privada, “tudo sob a ameaça de despromoção e do resultado da avaliação que pode terminar no desemprego”.
E à pergunta “Como foi possível passar da contestação à obediência, da revolta à “servidão voluntária” (estamos a falar de marionetas ou de cidadãos?) responde:”a ausência total do governo a todo o tipo de protesto… ausentando-se da contenda, o poder torna a realidade ausente e pendura o adversário num limbo irreal. Assim começa a interiorização da obediência (e, um dia, de amor à servidão)”.
Ao escolher os professores, que no nosso meio cultural, fazem parte da elite da cultura e da cidadania, estas suas afirmações não deixam, mesmo que tudo o que foi dito seja a verdade toda, de ser um atestado de menoridade e até incapacidade cívica dos professores já que, vivendo num regime democrático, existem mecanismos, que não se esgotam nas manifestações de rua, para garantir a dignidade e os direitos dos cidadãos sejam eles quais forem.
Mas a sua reflexão vai mais fundo, ao concluir que “no processo de domesticação da sociedade, a teimosia do primeiro-ministro e da sua ministra representam muito mais do que simples traços psicológicos. São técnicas terríveis de dominação, de castração, de esmagamento e de fabricação de subjectividades obedientes. Conviria chamar a este mecanismo tão eficaz a “desactivação da acção”. É a não-inscrição elevada ao estatuto sofisticado de uma técnica política à maneira de certos processos psicóticos”.
Esta afirmação implica ou pelo menos insinua a existência de uma máquina goebblesiana ao estilo nazi bem oleada, propositadamente montada para tramar uma classe de cidadãos. Não sei se todos os interessados subscrevem uma afirmação de tal gravidade, que devria exigir a intervenção do poder judicial. Eu pessoalmente não, à excepção da teimosia, embora nuanceada, dos governantes indicados. Até porque esta conclusão de José Gil fez-me lembrar as reflexões de Anna Harendt sobre o totalitarismo (sobretudo nazismo e estalinismo): “ao fragmentar a sociedade e apoderar-se dela, incluindo o aparelho do governo, os regimes totalitários dominam e aterrorizam os indivíduos desde dentro, destroem a textura da experiência partilhada, da realidade sobre a qual assenta a vida normal e desarma todas as tentativas das pessoas razoáveis de compreender e explicar o curso dos acontecimentos” (cito o crítico T. Judt).
Chegamos realmente a este estado de coisas? Apenas duas pessoas conseguem construir essas “técnicas terríveis de dominação e castração”? Por que (e não só os professores) preferimos "a inércia e a passividade" à luta contra a paralisia do medo, muito dele sem qualquer fundamento, e à subserviência infantil a qualquer tipo de poder? Será que todos os cidadãos, chefias intermédias e governantes estamos a fazer o que nos compete como cidadãos conscientes e responsáveis na construção de uma sociedade mais justa, mais solidária, mais humana em vez de estarmos apenas preocupados com os nossos interesses egoístas?

1 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Olá, Zé!
Voltei a visitar-te, e folgo com o teu regresso. Que seja por muito tempo. Concordo contigo no que escreveste mais abaixo, no "Olá!".
Um abraço do FF.

14/10/08 18:40

 

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