Igreja cansada
Uma das principais causas da falta de influência dos cristãos parece-me ligada à falta de entusiasmo, a uma espécie de tédio e cansaço. Claro que tivemos um inconveniente: a esmagadora maioria já “nasceu cristão”; não teve que se “fazer cristão”. E isto faz muita diferença. Nascer cristão não nos exige nada: basta dizer-se cristão ou “praticante”, procurar cumprir os mandamentos ( não necessariamente o mandato do amor que nos identifica como discípulos de Cristo), ir à missa e pouco mais. Fazer-se cristão exige assumir um estilo de vida, nada fácil sobretudo nos tempos de hoje. Exige coerência e capacidade de viver de acordo com os valores evangélicos. Alguns (muitos?) até parece que vivem sob um complexo de inferioridade, receando assumirmo-nos como cristãos.
Mas o que é certo é que parece que se perdeu o entusiasmo sobretudo junto dos evangelizadores. Parece que se perdeu a capacidade de anunciar a salvação proposta por Jesus Cristo. Para quem ouve o anúncio hoje fica, muitas vezes, uma pergunta incómoda: será que o cristianismo ainda tem alguma coisa a dizer a este mundo?
Também a sociedade de hoje é em muitos aspectos uma “sociedade do tédio”. Parece que não lhe falta nada, embora nem todos tenham possibilidade de obter o que querem. Mas podem sonhar e aliás para alguns os sonhos são bem martirizantes, pois uma das perversões da sociedade de consumo é esta pressão publicitária que oferece tudo a todos, mesmo àqueles que não podem alcançá-lo. Além disso, hoje mais do que comprar coisas, parece mais importante o próprio acto de comprar do que o produto comprado.
Ora já João Paulo II acautelava para esta insatisfação radical: “Todos nós experimentamos, quase palpavelmente, os tristes efeitos desta sujeição cega ao mero «consumo»: antes de tudo, uma forma de materialismo crasso; e, ao mesmo tempo, uma insatisfação radical, porque se compreende imediatamente que — se não se está premunido contra a inundação das mensagens publicitárias e da oferta incessante e tentadora dos produtos — quanto mais se tem mais se deseja, enquanto as aspirações mais profundas restam insatisfeitas, e talvez fiquem mesmo sufocadas” (SRS 28).
O problema na Igreja é que parece que padecemos também deste mal, do tédio, da insatisfação radical, como se aquilo em que devíamos acreditar nada nos trouxesse de libertador e de dinamizador. Falta-lhe (nos) fervor, frescura, novidade, iniciativa renovadora. De vez em quando há umas mobilizações de massas para um abaixo-assinado. E não querendo desvalorizar essas acções é evidente que uma assinatura entre milhares não cria qualquer compromisso a ninguém. De vez em quando surgem algumas iniciativas pastorais ou novos movimentos, aparentemente inovadores mas que, olhados mais em pormenor, não vão ao essencial da mensagem evangélica.
O problema não é de hoje, o que revela a pouca atenção que lhe atribuímos. Há já 33 anos escrevia Paulo VI: “De tais obstáculos, que são também dos nossos tempos, limitar-nos-emos a assinalar a falta de fervor, tanto mais grave por isso mesmo que provém de dentro, do interior de quem a experimenta. Essa falta de fervor manifesta-se no cansaço e na desilusão, no acomodamento e no desinteresse e, sobretudo, na falta de alegria e de esperança em numerosos evangelizadores. E assim, nós exortamos todos aqueles que, por qualquer título e em alguma escala, têm a tarefa de evangelizar, a alimentarem sempre o fervor espiritual” (EN 80).
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