Testemunho cristão ontem
A propósito dos primeiros séculos do cristianismo e o seu testemunho, parece-me interessante citar um texto de van Doren[1], com ligeiras adaptações. Insere-se no seu comentário à Cidade de Deus de Santo Agostinho. Refere-se, portanto, aos tempos da queda do império romano, isto é, a um mundo em profundas mudanças. Faz a comparação de dois estilos de vida.
Apesar de se referir a um tempo já muito longínquo, aponta linhas que parecem ainda bem actuais. Com a diferença de que, hoje, os cristãos e os outros cidadãos poucas diferenças apresentam entre si.
Hoje em dia vivemos num mundo profundamente devotado às coisas materiais, à semelhança do mundo romano tardio. Por exemplo, os Romanos do século IV eram obcecados pela saúde, pela dieta e pelo exercício. Passavam mais tempo nos banhos e nos ginásios que em igrejas ou bibliotecas. Eram devotados ao consumo. Um indivíduo podia conquistar reputação por gastar mais que o vizinho, mesmo que tivesse de pedir dinheiro emprestado para o fazer. E, mesmo que nunca pagasse aos credores, continuava honrado por ter feito uma tentativa nobre de fazer boa figura no mundo.
Entusiasmavam-se com viagens, notícias e divertimentos. As mais importantes produções culturais da época romana tardia, desde os livros aos espectáculos nos teatros e nos circos que ocupavam um lugar central em todas as cidades e vilas romanas, eram ficções divertidas sobre a paz e felicidade fantasiosas que não existiam nas suas vidas reais. Fascinavam-se com a fama e não se importavam com o modo como esta era obtida. Se um indivíduo fosse suficientemente famoso, o facto de ser um patife ou pior era ignorado ou relevado.
Acima de tudo, os Romanos preocupavam-se com o sucesso, que interpretavam como sendo viver para o bem-estar do presente e não pensar no amanhã. Eram orgulhosos, gananciosos e vaidosos. Em resumo eram bastante semelhantes ao que somos hoje.
Após a queda (de Roma), o novo tipo de cristãos pouco se interessava pelo corpo. Preocupavam-se com a saúde da alma. Não se interessavam pelo consumo. A conquista da fortuna servia para perderem reputação, numa sociedade onde a pobreza se aproximava do divino.
Viajavam em pensamento, com o espírito a subir às alturas na direcção de Deus. As suas notícias eram os Evangelhos, a informação sobre a vida de Cristo e a promessa do novo advento. A diversão consistia nas boas novas proclamadas nas igrejas e por pregadores itinerantes que falavam nas praças das cidades e nos cruzamentos do campo. Não se interessavam pela fama terrena, pois acreditavam que se perdessem a sua vida terrena alcançariam a vida eterna e a fama dos que eram salvos. Enquanto a riqueza fora a medida de um romano, a pobreza tornava-se agora a medida de um cristão.
Em séculos posteriores, a Igreja viria a tornar-se tão rica e poderosa como o fora o império e talvez tão corrupta…
[1] C. VAN DOREN, Breve História do Saber, ASA, Porto 2007, pp. 131-132.
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