Testemunho incoerente
“Testemunho” é uma destas palavras que de tanto ser usada se vai degradando e perdendo alguma consistência. De qualquer maneira ela aponta para comportamentos e atitudes que caracterizam estilos de vida que podem ter reflexos na vida dos outros e sobretudo na própria sociedade.
Todos ouvimos dizer que é pelo testemunho que se educa e de pouco valem as palavras se não sforem corroboradas por ele. Mas todos sabemos também que há filhos de pais alcoólicos que não se tornaram alcoólicos, que filhos de pais não fumadores se tornaram fumadores e coisas análogas. Isto para não referir a situação de filhos de pais cristãos, às vezes até de comunhão diária, que logo que puderam deixaram de ir à Igreja e de ter qualquer comportamento religioso. Poderemos sempre falar de “conflito de gerações”, considerando mesmo que esta alternância tem ou pode ter uma papel positivo no avanço da história. A história é dinâmica e resiste com eficácia a manter os “pequenos” costumes herdados das gerações passadas.
Também se poderá dizer que estamos perante situações de testemunho “ casuístico”, que se referem a situações pontuais na vida das pessoas e, por isso, a sua eficácia é facilmente posta em causa.
Talvez estes aspectos serviam para nos chamar a atenção para Um "outro" testemunho que chamaria “essencial”, que envolve o estilo de vida e não apenas aspectos circunstanciais e que se torna objecto de atenção de que o vê praticar, porque vai contra-corrente, porque interpela, mesmo sem palavras, porque põe seriamente em questão estilos de vida e maneiras de ser.
Era certamente a este testemunho que se referia Paulo VI: “Antes de mais nada, sem querermos estar a repetir tudo aquilo já recordado anteriormente, é conveniente realçar isto; para a Igreja, o testemunho de uma vida autenticamente cristã, entregue nas mãos de Deus, numa comunhão que nada deverá interromper, e dedicada ao próximo com um zelo sem limites, é o primeiro meio de evangelização. "O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, dizíamos ainda recentemente a um grupo de leigos, ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas". São Pedro exprimia isto mesmo muito bem, quando evocava o espetáculo de uma vida pura e respeitável, "para que, se alguns não obedecem à Palavra, venham a ser conquistados sem palavras, pelo procedimento". Será pois, pelo seu comportamento, pela sua vida, que a Igreja há de, antes de mais nada, evangelizar este mundo; ou seja, pelo seu testemunho vivido com fidelidade ao Senhor Jesus, testemunho de pobreza, de desapego e de liberdade frente aos poderes deste mundo; numa palavra, testemunho de santidade.” (EN 41).
Este testemunho exige coerência entre a fé na qual dizemos acreditar e a vida que mostramos viver.
E é este testemunho que a generalidade dos cristãos é incapaz de dar na sua vida, não só pessoal como social.
É este testemunho que as comunidades cristãs são de um modo geral incapazes de dar ao mundo. Uma simples pergunta: a Igreja, através das suas comunidades, dá o testemunho vivo e sério de participar na vida dos homens e das mulheres do nosso tempo e de contribuir para a resolução dos problemas comunitários e sociais (cf. AA 10)?
Não tenhamos ilusões: um dos maiores desafios com que a Igreja e cada cristão hoje se defronta é o do seu testemunho de vida. Se houver um divórcio entre a fé e a vida tudo o resto deixará de ter significado e passará a funcionar o corrosivo aforismo do “bem prega frei Tomás: olha para o que ele diz mas não para o que ele faz”.
Não foi assim que o cristianismo primitivo se impôs a tanta gente e tão rapidamente.
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