divórcio ou casamento eterno?...

2009-02-13

Direitos e deveres da Igreja

É tal a velocidade com que os acontecimentos se desenrolam que já poucos, incluindo possivelmente os próprios católicos, recordarão as palavras episcopais sobre o casamento de homossexuais e a sua “sugestão” para os católicos não votarem nos partidos que o apoiem.
Mas eu gostaria de fazer alguns comentários na medida em que esta situação envolve o problema sempre difícil do diálogo Igreja / Mundo e por arastamento o da evangelização.

Na minha opinião, a Igreja tem o direito inalienável de afirmar publicamente as suas posições doutrinais e de princípio, como aliás acontece com qualquer cidadão ou grupo numa sociedade democrática e portanto plural. Mais, não tem apenas o direito; tem também o dever: “Ai de mim se não evangelizar” (1Cor 9,16).
Também é certo que a Igreja deve estar sempre muito atenta aos sinais dos tempos e daí deduzir novas respostas, mesmo a problemas velhos. Neste sentido sempre se poderá dizer que a própria moral não só não é um dogma, como está também ela sujeita ao evoluir da história. Aliás o próprio Deus deu-nos conta da sua pedagogia: “por causa da dureza dos vossos corações” (Mt 19,8). E também estabeleceu uma norma absoluta: “não deveis comer da árvore do bem e do mal”. Este mandato é para todos, incluindo a própria Igreja, não só como instituição, mas nos seus diferentes membros e funções.
Naturalmente que este trabalho de atenção aos sinais dos tempos e das respostas adaptadas a cada época (o termo é da GS), deve “obrigatoriamente” envolver os três grandes saberes teológicos: da hierarquia (que preside à unidade na caridade), dos teólogos (que têm o carisma da reflexão e da criatividade) e do restante povo de Deus (que mergulhados nos acontecimentos do dia a dia aí é chamado a lê-los e a vivê-los cristãmente). Este é um debate interno, no qual a sociedade civil nada tem que se imiscuir.

Já muito diferente me parece a sugestão ou indicação de voto. A hierarquia não tem por missão indicar aos católicos em quem devem ou não votar (cf SRS 41). Há uma justa autonomia das realidades temporais, incluindo a esfera política (GS 36), que a Igreja tem o dever de respeitar. Uma coisa é a obrigação de anunciar as suas posições, outra é impô-las, até portanto a Igreja não é a dona da verdade, embora muitos responsáveis pensem que sim.
A missão da Igreja é formar devida e permanentemente a consciência dos cristãos e não dizer-lhes, como se de crianças se tratasse, o que devem fazer na sua vida do dia a dia. O Concílio é muito claro nesse capítulo: “As tarefas e actividades seculares competem como próprias, embora não exclusivamente, aos leigos. Por esta razão, sempre que, sós ou associados, actuam como cidadãos do mundo, não só devem respeitar as leis próprias de cada domínio, mas procurarão alcançar neles uma real competência. Cooperarão de boa vontade com os homens que prosseguem os mesmos fins. Reconhecendo quais são as exigências da fé e por ela robustecidos, não hesitem, quando for oportuno, em idear novas iniciativas e levá-las à realização. Compete à sua consciência previamente bem formada, imprimir a lei divina na vida da cidade terrestre. Dos sacerdotes, esperem os leigos a luz e força espiritual. Mas não pensem que os seus pastores estão sempre de tal modo preparados que tenham uma solução pronta para qualquer questão, mesmo grave que surja, ou que tal é a sua missão. Antes, esclarecidos pela sabedoria cristã e atendendo à doutrina do magistério, tomem por si mesmos as próprias responsabilidades” (GS 43; sublinhado meu).
Portanto a grande preocupação dos nossos Bispos devia ser esta formação da consciência dos cristãos para os tempos de hoje. Até porque, e já lá vai mais de um ano, essa foi uma das acusações que Bento XVI lhes fez. E não sinto que esteja a haver uma séria preocupação com esse grande e primário desafio pastoral.
Não me refiro a encontros e cursos. Refiro-me a questões muito mais de fundo que envolvam uma percepção actualizada da realidade actual, uma adequada formação dos padres para as suas prioridades máximas (serem os primeiros catequistas da paróquia e os primeiros construtores de uma comunhão efectiva (outro dos desafios de Bento XVI)), uma contínua actualização dos agentes pastorais, a capacidade profética de ler os sinais dos tempos e de "inventar continuamente" novos caminhos pastorais, já que a actividade pastoral exige hoje muito saber e não apenas a boa vontade e a rotineira acção de milhares de piedosos católicos.
Enquanto esta mentalidade não for profundamente alterada, continuaremos a ser o “rebanho de Deus”, que espera “humilde e reverente” que os Pastores digam em quem deve ou não votar ou que pura e simplesmente ignora as suas palavras, e não um verdadeiro Povo de Deus que assume e testemunha, dentro da suas limitações, os valores do Reino que Jesus veio pregar e pelos quais deu a vida.

2 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Obrigada por mais esta, Zé.
Um abraço.
CG

13/2/09 22:43

 
Anonymous José Roque disse...

Sou grato por você escrever isso que enriquece nosso pensamento sobre igreja já que também sou da area teológica e igreja. José Roque.

5/3/11 00:11

 

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