Menina que não é menina
Uma menina de 9 anos estava grávida de dois gémeos.
Tinha sido violada sistematicamente desde os 6 anos pelo padrasto.
A novidade será a gravidez tão precoce, porque violações destas acontecem tdiariamente, tantas vezes com a conivência de familiares e “amigos”.
Acontecem também porque não sabemos olhar, porque não fomos habituados a perceber os pequenos mas consistentes que mostram, escondendo, diferentes graus de sofrimento.
É um dos efeitos negativos da nossa passagem da selva primitiva, onde cada ruído tinha um significado e cada gesto dava um aviso, para a sociedade urbanizada, onde há demasiado ruído de fundo e excessiva distracção sobre o que acontece aos outros, especialmente aos nossos vizinhos.
Uma menina de 9 anos, grávida de 2 gémeos.
Certamente que não teria condições físicas para um parto normal.
Mais “certamente” não teria condições psicológicas para ter um filho, não teria maturidade para ser mãe. Ela é uma criança, não é uma “mulher”. Mas é com absoluta certeza uma pessoa com “direitos naturais, universais e invioláveis (que) ninguém, nem o indivíduo, nem o grupo, nem a autoridade, nem o Estado, pode modificar e muito menos eliminar esses direitos que emanam do próprio Deus” (Ch L 38).
À divulgação da fúria excomungatória do bispo de Olinda e Recife, absolutamente idiota e condenável, não correspondeu igual divulgação das palavras de outros bispos.
Por exemplo, o presidente da Pontifícia Academia para a Vida, D. Rino Fisichella lamenta a precipitação na condenação num “caso moral entre os mais delicados”, quando a menina “deveria ter sido em primeiro lugar defendida, abraçada, acariciada com doçura para fazê-la sentir que estamos todos com ela”. E até reconheceu quão difícil era tomar uma decisão nestes casos: “por causa da sua tenra idade e das suas condições de saúde precárias, a sua vida corria sério risco por causa da gravidez. Como agir nestes casos? Decisão árdua para o médico e para a lei moral”.
Que haja pessoas religiosas integristas e fundamentalistas em todas as religiões não é novidade para ninguém.
Mas que se nomeie para bispo alguém que não percebeu que o “sábado foi para o homem” e não o contrário (Mc 2,27), que a lei tem de estar ao serviço da pessoas e não o contrário, isso é que causa estranheza. A preocupação exagerada em nomear bispos mais preocupados com a defesa da doutrina (ortodoxia) do que com a defesa da dignidade da pessoa (ortopraxis, que a parábola do Samaritano coloca acima da ortodoxia) deve ser revista não tanto, como dizia D. Fisichella, para que o ensinamento da Igreja não apareça «aos olhos de muitos como insensível, incompreensível e sem misericórdia», mas sim porque, como Jesus Cristo veio mostrar, a prioridade absoluta vai para a dignidade humana: não condenou a mulher adúltera, falou com a Samaritana, curou ao sábado, tocou o leproso, todas estas situações (ortopraxis) absolutamente proibidas pela lei do templo e do AT (ortodoxia).
2 Comentários:
Muito obrigada pelo comentário. Parece-me muito boa a abordagem e a fundamentação evangélica e da doutrina social da Igreja.
Obrigada por nos brindar sempre com comentários repletos de tanta sabedoria e abertura. Bem haja!
26/3/09 11:39
E o meu obrigado a quem, por nós (porque nós, comunidade cristã e comunidade civil não o fazemos), trata das "meninas que (já) não são meninas".
Que o Senhor vos ajude nesse trabalho tão difícil e tão marginalizado.
26/3/09 13:17
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