Tempo de ser solidário
Nestes tempos de crise, tenho feito um esforço nos meus escritos para ajudar as pessoas a não cair no desânimo e sobretudo não deixarmos "cair" a solidariedade. Tenho a sensação de que me devo repetir demasiado, mas esta é uma mensagem que com facilidade se esquece em tempos difíceis, pelo que é importante insistir nela. Para não estar a inventar o que já inventei, aqui deixo o meu último escrito na revista Além-Mar.
TEMPOS DE SOLIDARIEDADE
Os acontecimentos não mostram sinais de superar a situação que nos “calhou” viver neste momento histórico. “Calhou” porque, se não é fácil controlar o desenrolar da história, muito menos o é quando desistimos de ser os agentes efectivos da sua construção e absolutizamos o dinheiro como o único e verdadeiro deus que vale a pena adorar e seguir na sua ética mercantilista que espalhamos por toda a parte, como a suprema e única salvação.
E “inesperadamente” o ídolo dourado caiu, porque afinal tinha pés de barro. Mesmo assim tem raízes tão fundas no coração dos homens e das mulheres que certamente se irá recompor, aproveitando-se da nossa inércia, falta de criatividade e sobretudo da nossa paixão nostálgica pelos ”bons belos tempos” em que ele era rei e senhor, tal como os hebreus, no deserto do Sinai, preferiam as cebolas do Egipto, apesar de elas trazerem consigo escravidão e falta de liberdade.
Estes são perigos que nos espreitam para o futuro, mas há já alguns que temos de enfrentar e que vão exigir muito esforço, determinação e coragem, “muito sangue, suor e lágrimas”.
Um deles é o de esquecer os outros, sobretudo os mais carenciados e os mais distantes. Preocupados em manter o nosso estilo de vida, predador de recursos e escravo do nosso comodismo e hedonismo, vamos ter menos espaço para a partilha. O tempo das “vacas gordas” não nos preparou para estas dificuldades. Assim, desarmados, podemos fechar-nos sobre nós próprios e cairmos no “salve-se quem puder”. Estas reacções de pânico resultam da nunca assumida consciência de que não somos donos absolutos dos bens e dons da natureza nem dos dos outros e da crescente desvalorização das nossas “reservas psicológicas” que sempre foram a base para a humanidade enfrentar e vencer as crises que foi defrontando ao longo da história.
Hoje é um tempo em que especialmente temos de praticar com mais exigência a partilha e a solidariedade, não como “um sentimento de compaixão vaga” mas como “determinação firme e perseverante de nos empenharmos pelo bem comum”, já que, especialmente agora, “todos somos responsáveis por todos” (SRS 38). Hoje, todos somos obrigados a viver “pior” e os que já viviam “pior” passarão a ter de viver ainda “mais pior”. Não temos o direito de, para manter os nossos “vícios”, cortar no pouco ou muito que distribuíamos pelos outros mais carenciados.
Não é, pois, tempo de nos entrincheirarmos no nosso ainda razoável estilo de vida, mas de manifestar a nossa capacidade de amar, de ser irmão dos nossos irmãos, de termos como modelo, para uns, a viúva do óbolo; para outros, o rico Zaqueu; para todos, o bom samaritano. O tempo dos egoísmos só pode “continuar dentro de momentos”, quando a crise o permitir.
Esta regra não é para ser aplicada apenas pelas pessoas, mas também pelas nações e pelos continentes. E se os egoísmos individuais são uma erva daninha difícil de arrancar, os egoísmos nacionais são uma verdadeira peste para a qual ainda não dispomos de um remédio eficaz. Todos percebemos bem esta doença internacional. Basta olhar para a União Europeia e a sua dificuldade em acertar, em conjunto, atitudes e até pormenores que vistos de fora são verdadeiramente ridículos. Basta olhar para a ONU que, apesar da boa vontade de muitos, acaba por não ter a eficácia necessária sem a qual pouco poderá fazer. E tudo isto se resume a uma expressão: “egoísmo nacional”. Trata-se da incapacidade de partilhar e de praticar a solidariedade, da falta de consciência de que não somos muitas raças mas apenas um único género humano, que vive num planeta tão ridiculamente pequeno que ninguém conseguiria vê-lo de fora da nossa galáxia, já por si tão perdida na imensidão do Universo.
A culpa não é (só) dos governantes. É sobretudo dos cidadãos que alimentam e exigem esse egoísmo nacional em nome de interesses mesquinhos ou de sobrevivência. É culpa de tantos organismos acomodados e de multinacionais que só pensam no lucro a qualquer preço. Por isso, torna-se necessário e urgente a definição de novas regras internacionais, de reformas profundas dos sistemas sociais, económicos e financeiros, de motivações nobres nas ajudas aos países pobres. É tempo sobretudo de todos, pessoas e nações, assumirmos que “Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso de todos os homens e de todos os povos” (GS 69), “sem excluir nem privilegiar ninguém” (CA 31). É tempo de sermos uma comunidade moral!
A crise pode ser uma queda no abismo, mas é sobretudo o incentivo que nos faltava para mudarmos de regras, de paradigmas e de estilos de vida… se quisermos e tivermos força de vontade para isso!
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