Machadadas na Cidadania
Não vou falar na vergonhosa atitude dos nossos deputados a propósito do Provedor da Justiça. Bastará recordar as palavras de Jaime Gama: “Se com tanta facilidade se entenderam sobre, por exemplo, a lei do financiamento dos partidos – porventura convalidando soluções que nem sempre serão as mais adequadas – têm toda a oportunidade aqui para se entenderem sobre o Provedor da Justiça”. Palavras certeiras: as primeiras criticam os deputados que se unem quando a corrupção anda por perto, mas a seu favor; as segundas denunciam um exercício de “ódio político”, que se pensava arredado do Parlamento.
Assim se vai destruindo a cidadania num lugar que devia ser uma das suas sedes mais nobres. Facadas à Zé do Telhado.
Mas hoje queria falar um pouco das eleições europeias e a sua campanha. É realmente curioso o pó que os nossos candidatos a eurodeputados têm à Europa. Claro que quase 10 mil euros (ordenado e despesas de representação), mais 200 e tal diários para “refeição”, mais viagens pagas contra recibo, etc. não é petisco que se deite fora mesmo que não gostem da Europa. Com raras excepções, pouco ou nada se disse. Nem sequer mal. O Espírito Santo diz nestas situações: “vomito-vos porque não sois quente nem frios” (Ap 3,15-16). É bom ser ateu neste caso.
O mais interessante é que mesmo os chupistas dos Irlandeses, que sacaram pipas de massa da EU, já estão dispostos a dizer sim a esse nefando Tratado de Lisboa. Os Islandeses, agasalhados no seu “orgulhosamente sós” já só querem é entrar seja como for.
Pertencer à Europa certamente que acarreta custos, sobretudo de egoísmos nacionais, de cedência de soberania, de imposição de normas que não achamos simpáticas, de predomínio dos grandes sobre os pequenos e outras cedências que o viver em conjunto implica.
Mas nós só subsistiremos na Europa, numa Europa que seja forte em todos os âmbitos. Que seja capaz de ombrear com as velhas grandes potências – Estados Unidos e Japão – e a novas emergentes – os BRIC. Temos de ter consciência de que a Europa, apesar das suas actuais dificuldades em manter o seu modelo social, apesar das vergonhosas leis sobre imigração, apesar da sua incapacidade para se opor à globalização / deslocalização económica, ainda tem uma cultura que tem de ser reforçada, valorizada, actualizada, e que, se souber resistir à tentação do etnocentrismo, pode ajudar muitas outras regiões com parcerias e até como modelo. Para isso, precisamos de um Parlamento forte, que, neste momento, já co-influencia 60% das decisões comunitárias e com o Tratado de Lisboa aprovado verá esse número elevar-se para 90%. Só unidos seremos capazes de ajudar significativamente a vencer a crise e não deixar que tudo fique na mesma e daqui a meia dúzia de anos vivamos outra crise análoga.
A Europa tem como característica, apesar dos desencontros, das arbitrariedades, de decisões pouco compreensíveis, “ser aberta”, “ser acolhedora”. Ela e os seus descendentes directos criaram a democracia moderna, demasiado formal, mas lá vamos avançando ao ritmo que os cidadãos exigem; desenvolveram um conjunto de direitos humanos fundamentais que, pouco a pouco, vão ganhando adeptos noutras culturas; estabeleceram, no meio de muitas atrocidades comandadas pela muita ganância e sede do ouro de alguns, diálogo com outros povos e outras culturas. Mesmo a Igreja católica, que devia ser católica (= universal) com o Vaticano II não só se desromanizou como se deseuropeiou… pelo menos teoricamente.
Os nossos candidatos à Europa não falaram das vantagens e dos inconvenientes de ser europeu. Ignoraram o facto. Preferiram falar da política caseira como se fôssemos a coisa mais importante do Universo, como se muita dela não seja e sobretudo não venha ser cada vez mais determinada (espero que concertada com os outros países), como se as principais acusações ao governo de Sócrates não tivessem algumas como causa a Europa e nesse caso o que fazer ou sejam apenas culpa dele e nesse caso por que não esperar mais um pouco, que deve começar dentro de momentos.
Mercenários da política e quem fomos chamados a eleger hoje. Não será de admirar que muitos desistam de votar e de exercer esse pequeno mas simbólico acto de cidadania.
Quando precisávamos de uma Europa mais forte, mais solidária, mais justa, mais humana, os nossos candidatos não quiseram mobilizar-nos. Mais, desprestigiaram a Europa, o inevitável caminho nosso futuro. A pobreza de um país começa pelas suas supostas elites.
Assim se (des)constrói a cidadania neste país, sob a batuta dos mais ilustres dos nossos políticos.
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