Os caminhos da cidadania
Ontem fui a um supermercado com a minha mulher. A dada altura, o carrinho ficou quase cheio e resolvi ir buscar outro. Uma funcionária indicou-me o fundo daquela enorme “catedral do consumo”. Quando lá cheguei, não havia carrinhos. Fiquei um pouco decepcionado, pois, apesar do aspecto exterior não o indicar (“Estás com bom aspecto, pá!” dizem-me os amigos), tenho razoáveis limitações para andar sobretudo depois daquele exercício de pass(e)ar de prateleira em prateleira até à prateleira final. Quero explicar que esta é uma das opções que faço, de vez em quando, para me obrigar a andar pelo menos três quartos de hora, que preciso para fortalecer os músculos das pernas e não enferrujar as articulações. Fim da justificação!
Surgiu, entretanto, outra funcionária que me perguntou o que eu queria. Foi ver num armazém interior, mas realmente não havia lá nenhum. Só me restava atravessar o edifício todo, sair pela outra ponta, ir ao parque exterior e voltar de novo. Coisa de um quarto de hora, mesmo para o meu “bom aspecto”.
A funcionária, sorridente, perguntou-me: “Não quer que vá buscar-lhe um carrinho lá fora?” E sem esperar resposta pôs-se a andar. Mal tive tempo de lhe dizer: “Espere aí, tenho aqui uma moeda de 50 cêntimos para destrancar o carrinho”. Voltou atrás e passados uns cinco minutos lá estava ela com o carrinho.
Sensibilizado, fiquei a pensar que são estes pequenos gestos, não obrigatórios por lei mas fruto da solidariedade humana, que fortalecem e tornam bonita e consistente a cidadania, que dão corpo à fraternidade numa humanidade que objectivamente é feita de irmãos e não de inimigos a abater ao primeiro incómodo que nos causam.
Gestos tão pequeninos, tão anónimos, que parece impossível que possam interferir de modo significativo nas leis que regem o Universo! Gestos que todos podem fazer, ricos e pobres.
Ma são estes gestos, que multiplicados por milhões, ganham força (“a união faz a foça”) e convertem a sociedade não num mero contrato “entre as partes”, mas numa “comunidade moral”, onde cada um se sente verdadeiramente responsável por todos os outros, conhecidos ou não.
Um bem-haja à Carla pela dupla lição: a da ajuda material, que me deu muito jeito; a da ajuda espiritual, que me leva a reforçar a crença de que a cidadania e a fraternidade são possíveis, mesmo quando estamos cansados ou tudo parece apontar em sentido oposto.
2 Comentários:
Muito bonita esta história, caro companheiro Zé Dias!
Anteontem, no simpósio "Reinventar a Solidariedade", teria sido muito apropriada!
De facto, as transformações no coração humano que se reflectem exteriormente nestes pequenos gestos de fraternidade, são aquilo que mais transfigura o mundo!
Um abraço,
Joana Rigato
17/5/09 11:25
Que bom "ver-te" Joana.
Sei que lutas muito por estes pequenos gestos e para que eles se multipliquem.
Que os teus gestos compensem as minhas palavras, já que só palavras não convertem o mundo.
Um abraço de muita amizade
17/5/09 12:19
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