divórcio ou casamento eterno?...

2010-01-11

CinV (81) Economia da Gratuidade (nº 38)

Particularmente hoje, que vivemos num momento forte da globalização, em que as relações não têm fronteiras, em que todos podemos saber o que se passa em qualquer ponto do mundo e podemos falar, comprar e partilhar tudo o que o espírito e a técnica humanos produzem, há aspectos novos que podemos e devemos explorar a caminho de um mundo mais humano. Sobretudo, sabendo que o caminho se faz caminhando.

A gratuidade é uma dessas “novidades” que tem de assumir uma dimensão ainda maior num mundo onde nada parece gratuito e onde todos querem “cobrar” alguma coisa pelo que fazem pelos outros ou para o bem comum. Perdemos este dom sublime do ser-gratuito como se sempre esperássemos uma recompensa, explícita ou disfarçada. É preciso recuperá-lo, onde já existiu, e fomentá-lo em todos os domínios, especialmente no âmbito económico, onde o culto do dinheiro é mais declarado: “Na época da globalização, a actividade económica não pode prescindir da gratuidade, que difunde e alimenta a solidariedade e a responsabilidade pela justiça e o bem comum em seus diversos sujeitos e actores”.

Bento XVI recorda o seu antecessor para destacar “a necessidade de um sistema com três sujeitos: o mercado, o Estado e a sociedade civil (CA 35). Ele tinha identificado na sociedade civil o âmbito mais apropriado para uma economia da gratuidade e da fraternidade, mas sem pretender negá-la nos outros dois âmbitos”.
Referir três agentes é reconhecer âmbitos diferentes na sua actuação, mas sempre marcados pela gratuidade e a fraternidade:
- o mercado mais virado para as actividades produtivas e onde o lucro desempenha um papel estimulante, mas demasiadas vezes alienador da dignidade humana dos trabalhadores;
- o Estado, a quem compete primariamente a redistribuição, tendo sempre como critério supremo o bem comum;
- a sociedade civil, mais virada, para um alargado leque de actividades e acções solidárias, no respeito pela subsidiariedade, por um lado, e, pela vizinhança de proximidade, por outro.
Apesar desta especificidade, estes três agentes não podem estar em concorrência, mas, antes, em complementaridade, pois o seu fim último é sempre o serviço da pessoa e o bem comum: “Hoje podemos dizer que a vida económica deve ser entendida como uma realidade com várias dimensões: em todas deve estar presente, embora em medida diversa e com modalidades específicas, o aspecto da reciprocidade fraterna”. E mais uma vez, a fraternidade é invocada para ocupar um lugar central, sem ser necessário fundamentá-la de novo, pois o ponto de partida, sempre presente, é que constituímos uma única família.

Também a solidariedade é associada a esta reflexão, num entrançado onde se cruza com a justiça e com a gratuidade. Só sobre esta textura se pode realizar a democracia económica. É muito discutido, mas de modo pouco conclusivo, ou melhor, concretizável, que os países ditos democráticos, para lá de demasiadas vezes a sua democracia (política) ser apenas formal, ainda estarem longe da democracia económica, como se a democracia política assegurasse, por si só, todos os direitos fundamentais. É certo que “nem só de pão vive o homem”, mas “sem pão” nenhum dos direitos políticos pode ser assegurado.
Daí ser importante esta referência explícita à democracia económica: “Trata-se, em última análise, de uma forma concreta e profunda de democracia económica. A solidariedade consiste primariamente em que todos se sintam responsáveis por todos e, por conseguinte, não pode ser delegada só no Estado. Se, no passado, era possível pensar que havia necessidade primeiro de procurar a justiça e que a gratuidade intervinha depois como um complemento, hoje é preciso afirmar que, sem a gratuidade, não se consegue sequer realizar a justiça”.

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