divórcio ou casamento eterno?...

2009-12-22

CinV (74) Fraternidade e Solidariedade

Gostaria de continuar a aprofundar um pouco mais a ideia de ontem: a “família única”, que deve ser a humanidade, tem de se fundamentar no dom da caridade como solidariedade (única) e da caridade como fraternidade (família).
Solidariedade deriva do latim solidus, “sólido, compacto, maciço”, portanto implica a ideia de algo que faz uma unidade dos seus vários constituintes. João Paulo II dedicou-lhe especial atenção. Não se ficou pela definição: “Não é um sentimento de compaixão vaga ou de enternecimento superficial pelos males sofridos por tantas pessoas próximas ou distantes. Pelo contrário, é a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum; ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos.” (SRS 38). Daí retirou várias consequências e termina equiparando-a à caridade: “A solidariedade é indubitavelmente uma virtude cristã. Na exposição que precede já foi possível entrever numerosos pontos de contacto entre ela e a caridade, sinal distintivo dos discípulos de Cristo. À luz da fé, a solidariedade tende a superar-se a si mesma, a revestir as dimensões especificamente cristãs da gratuidade total, do perdão e da reconciliação. O próximo, então, não é só um ser humano com os seus direitos e a sua igualdade fundamental em relação a todos os demais; mas torna-se a imagem viva de Deus Pai, resgatada pelo sangue de Jesus Cristo e tornada objecto da acção permanente do Espírito Santo. Por isso, ele deve ser amado, ainda que seja inimigo, com o mesmo amor com que o ama o Senhor; e é preciso estarmos dispostos ao sacrifício por ele, mesmo ao sacrifício supremo: «dar a vida pelos próprios irmãos» (cf. 1 Jo 3, 16)” (SRS 40): "Todos diferentes, todos iguais"
No fundo viver “esta” solidariedade é viver a caridade, o dom da caridade.

Recentemente, na apresentação desta encíclica no Senado italiano, o cardeal Bertone, analisou as relações entre solidariedade e fraternidade. A fraternidade “constitui o complemento e a exaltação do princípio de solidariedade. Com efeito, enquanto a solidariedade é o princípio de organização social que permite aos desiguais tornar-se iguais através da sua igual dignidade e dos seus direitos fundamentais, o princípio de fraternidade é o princípio de organização social que permite aos iguais ser diferentes, no sentido de poder expressar diversamente o seu plano de vida ou o seu carisma”.
Parece tratar-se de um jogo de palavras, mas não: é muito mais que isso. A solidariedade tem como objectivo tornar-nos, considerarmo-nos todos iguais, com os meus direitos, igualmente destinatários "da Terra e de tudo o que ela contém (GS 69), "sem excluir nem privilegiar ninguém" (CA 31). “Ajuda-nos a ver o «outro» — pessoa, povo ou nação — não como um instrumento qualquer, de que se explora, a baixo preço, a capacidade de trabalho e a resistência física, para o abandonar quando já não serve; mas sim, como um nosso «semelhante», um «auxílio» (cf Gn 2, 18. 20), que se há-de tornar participante, como nós, no banquete da vida, para o qual todos os homens são igualmente convidados por Deus” (SRS 39).
A fraternidade ultrapassa a solidariedade, mas exigindo-a. “Depois de” todos sermos considerados iguais, a fraternidade vem garantir que esta igualdade, que é radical, ontológica, porque todos pertencemos ao mesmo género humano, não pode ser um igualitarismo, mas tem de manifestar, respeitar, defender e promover as desigualdades que caracterizam cada pessoa e cada povo cad cultuta na unidade da família humana. Vem garantir o respeito pela identidade pessoal e cultural, a que todos temos direito: "Todos iguais, todos diferentes".
Assim viver “esta” fraternidade é viver a caridade, o dom da caridade.
Mas sendo interdependentes, não são a mesma coisa, como explica o cardeal Bertone: “Uma sociedade orientada para o bem comum não pode contentar-se com a solidariedade, mas tem necessidade de uma solidariedade que reflicta a fraternidade, uma vez que, enquanto a sociedade fraterna é também solidária, o contrário não é necessariamente verdadeiro”.

Por isso, Bento XVI fala do “ideal cristão de uma única família dos povos, solidária na fraternidade comum” (13) e faz a ponte com o desenvolvimento: “o desenvolvimento económico, social e político precisa, se quiser ser autenticamente humano, de dar espaço ao princípio da gratuidade como expressão de fraternidade” (34).

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