divórcio ou casamento eterno?...

2009-12-30

CinV (77) Lógica do Mercado (nº 36)

Todos os acontecimentos humanos têm subjacente uma lógica, mesmo que nem sempre seja perceptível. O mercado não é excepção.
E, nos nossos dias, essa lógica mercantilista foi-se alastrando, contaminando e destruindo muitos dos sentimentos nobres próprios do ser humano, mergulhando-o no individualismo, na ganância e avidez do lucro a qualquer preço. Hoje quase nada escapa a essa mentalidade: perdemos muita da nossa capacidade de ser gratuitos, de estar disponíveis sem exigir contrapartidas. Particularmente na esfera económica, que parece só existir para fazer dinheiro, essa lógica torna-se avassaladora, omnipresente, como se fosse a solução para todos os problemas. O Papa chama a atenção para a debilidade desta mentalidade, sobretudo porque a economia está obrigatoriamente ligada a todos nós: “A actividade económica não pode resolver todos os problemas sociais através da simples extensão da lógica mercantil”.
No mesmo tom falou o cardeal Odilo Scherer, na apresentação da “Campanha da Fraternidade” para o ano de 2010, no Brasil, ao afirmar que “a actividade económica, que tem como objectivo supremo, em vez da supressão das necessidades básicas do ser humano, o lucro a qualquer preço e a acumulação cada vez maior de bens, gera multidões de famintos, deixados à margem do grande processo económico, excluídos do bem comum”, ignorando que os objectivos prioritários da economia são: “pão na mesa, casa, educação, saúde e oportunidades de vida digna para todos os membros da família humana”.

Bento XVI parte de uma doutrina clássica da Igreja - tanto a actividade económica como a política têm como “finalidade a prossecução do bem comum” - para considerar que “é causa de graves desequilíbrios separar o agir económico — ao qual competiria apenas produzir riqueza — do agir político, cuja função seria buscar a justiça através da redistribuição”.
Ora um dos truques da globalização tem sido o de ir alargando cada vez mais o fosso entre o agir económico, cujo âmbito é do tamanho do planeta, e o agir político, obrigado a refugiar-se em nichos mais ou menos estreitos e em países cada vez menos soberanos, quais anões de braços atados perante este polvo tentacular que os vai apertando com a cobra às suas vítimas.
Dito isto, o Papa esclarece que a Igreja nunca considerou “o agir económico como anti-social” e que, portanto, “a sociedade não tem que se proteger do mercado, como se o desenvolvimento deste implicasse ipso facto a morte das relações autenticamente humanas”. Por sua natureza, “o mercado não é, nem se deve tornar, o lugar da prepotência do forte sobre o débil”. A lei do mais forte não pode presidir à lógica das relações entre humanos, entre irmãos. Mas a realidade é outra, porque “o mercado pode ser orientado de modo negativo, não porque isso esteja na sua natureza, mas porque uma certa ideologia pode dirigi-lo em tal sentido. Não se deve esquecer que o mercado, em estado puro, não existe; mas toma forma a partir das configurações culturais que o especificam e orientam. Com efeito, a economia e as finanças, enquanto instrumentos, podem ser mal utilizadas se quem as gere tiver apenas referências egoístas. Deste modo é possível conseguir transformar instrumentos de per si bons em instrumentos danosos; mas é a razão obscurecida do homem que produz estas consequências, não o instrumento por si mesmo. Por isso, não é o instrumento que deve ser questionado, mas o homem, a sua consciência moral e a sua responsabilidade pessoal e social”.
Apesar de a pessoa ser, no fundo, sempre a culpada e não o instrumento, talvez não seja apenas porque é mal utilizado, como sugere o Papa, mas porque possui uma “intrinsequicidade” de fascínio e sedução tão marcante que o dinheiro se torna quase divino, um verdadeiro deus para muitos. O problema é que, por sua natureza, não podem coexistir dois deuses, não há espaço para dois senhores, como o Evangelho adverte: “Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24).

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