divórcio ou casamento eterno?...

2010-01-12

CinV (82) Civilização da Economia (nº 38)

Na parte final deste número, aparecem dois conceitos novos, que naturalmente devem ser enquadrados por tudo o que foi dito, sobretudo neste capítulo III.

A civilização da economia é uma expressão muito forte, sobretudo pela palavra “civilização. E, embora o Papa, nos próximos números, retome a reflexão sobre a economia, não podemos deixar de ter em atenção a primeira palavra “civilização” desta expressão que o Papa entendeu sublinhar com um itálico. E se há discussão sobre o significado de civilização ou as diferenças entre cultura e civilização, o que é certo é que está sempre profundamente implicado um conjunto de critérios e normas éticas mais ou menos universais que regem a organização de várias sociedades e durante um tempo histórico significativo.
Por isso, o facto de o Papa falar de “civilização da economia” não pode passar despercebida. Efectivamente as sociedades foram e continuam a organizar-se em torno de algumas instituições básicas, que vão evoluindo e alternando funções, mas que estão sempre presentes e das quais destacaria como fundamentais, sem as querer sequenciar de forma lógica:
- a família, sede da reprodução e primeiro espaço de humanização e socialização;
- a economia, que, nas suas formas mais simples ou mais elaboradas, procura responder à satisfação das necessidades básicas e cria ou estimula crescentemente novas necessidades que de artificiais se tornam em indispensáveis correndo o risco de promover o “homem unidimensional” (Marcuse);
- a escola, que foi adquirindo crescente papel na socialização e na transmissão de conhecimentos, um conjunto de “produtos” que devem ser transmitidos de geração em geração;
- a religião, que vem responder, por um lado, à dimensão transcendental de todo o ser humano, que cada um interpretará de modo diferente (“Quem sou eu? Donde vim? Para onde vou?), e, por outro, a uma divisão maniqueísta popular entre as dimensões vida: a “profana” do dia a dia e a “sagrada” dos momentos especiais;
- o “jogo” (homo ludens), enquanto dimensão lúdica, que parece “dar sal” à vida, às vezes, de forma “irracional” e “ilógica”.
Pareceu-me importante fazer esta introdução, apesar de certamente ser conhecida pelos leitores, para mostrar a novidade significativa da expressão do Papa. O seu conteúdo, que tem sido definido ao longo deste capítulo e implica as lógicas “novas” do dom, da gratuidade, da fraternidade, pode ser sintetizado numa passagem já citada: “Nas relações comerciais, o princípio de gratuidade e a lógica do dom como expressão da fraternidade podem e devem encontrar lugar dentro da actividade económica normal” (36). Podemos, pois, afirmar que este conjunto de valores define a “civilização da economia”: “Neste caso, caridade na verdade significa que é preciso dar forma e organização àquelas iniciativas económicas que, embora sem negar o lucro, pretendam ir mais além da lógica da troca de equivalentes e do lucro como fim em si mesmo”.

A outra ideia é a da hibridização, que surge da “necessidade de um mercado” que seja um espaço:
- de igualdade de oportunidades: “ no qual possam operar, livremente e em condições de igual oportunidade, empresas que persigam fins institucionais diversos”;
- de multiplicidade de experiências: “Ao lado da empresa privada orientada para o lucro e dos vários tipos de empresa pública, devem poder-se radicar e exprimir as organizações produtivas que perseguem fins mutualistas e sociais”;
- de competição leal e de “recíproco confronto”.
Certamente que olhando ao contexto, poderíamos alargar este conceito. Assim teríamos uma hibridização entre a caridade e a verdade, a caridade e a justiça, a caridade e o bem comum, a caridade interpessoal (“as micro-relações estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo”: nº 2) e a caridade institucional, a produção e a redistribuição, a economia e a política, o mercado, o Estado e a sociedade civil, a lógica do contrato e a lógica do dom, a lógica mercantilista e a lógica da gratuidade, tudo isto tendo como cimento a fraternidade.

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