divórcio ou casamento eterno?...

2010-07-07

DEIXEMOS DE SER HIPÓCRITAS

Aqui deixo, como prometido, o comentário que publiquei no jornal, sobre a intervenção de Conh Bendit no Parlamento Europeu a propósito da ajuda à Grécia.

Esta é uma daquelas palavras que também parecem ter desaparecido da nossa linguagem diária. E, no entanto, Jesus aplicou-a várias vezes e com um sentido muito demolidor. Em causa estava sempre alguém que queria parecer o que não era ou queria apresentar-se como modelo de virtudes: os que dão esmola e tocam a trombeta para que todos saibam (Mt 6,2); os que rezam com ostentação e não por convicção (Mt 6,5); os que jejuam proclamando-o com o seu aspecto “desfigurado” e sofrido (Mt 6,16); os que vêem o argueiro no olho dos outros mas não enxergam a trave que têm no seu (Mt 7,4s). As referências e citações podiam continuar, mas destaquei estas porque todas elas fazem parte do Sermão da Montanha, a grande síntese dos ensinamentos de Jesus sobre os valores do Reino.
Recentemente um deputado europeu utilizou duas vezes essa palavra para classificar os governantes e deputados (e podia ter incluído também, com toda a justiça, a grande maioria dos cidadãos) europeus a propósito da ajuda à Grécia. Refiro-me à intervenção de Conh Bendit, no mês passado, que os jornais devem ter passado nalguma nota de roda-pé, pois estas coisas poderiam incomodar os seus patrões económicos. Aliás, a maioria dos nossos jornalistas incomoda-se e luta (e muito bem!) contra o controlo governamental da imprensa mas não tem grandes problemas em se humilhar (e muito mal) perante o discreto mas eficaz poder económico.
A dita intervenção, que pode e deveria ser leitura obrigatória, vem reproduzida no youtube (http://www.youtube.com/watch?v=wg5SU_bDNsA&feature=player_embedded). Dela quero extrair algumas ideias. Levá-las a sério pode ajudar-nos a construir uma Europa mais solidária e a retomar a sua “alma” de que aqui falei no último comentário.
A primeira crítica de Conh Bendit tem a ver com os quatro meses que andámos a “encanar a perna à rã”. Nem sequer a urgência imposta pela galopante degradação do que sucedia na Grécia conseguiu comover (outra palavra tão evangélica e tão esquecida) os poderosos “senhores da Europa”. Quem não perdeu tempo foram os especuladores com tal benesse.
Depois de longos meses de ponderação, as soluções paridas foram exemplares: estamos a pedir à Grécia “algo quase impossível de cumprir”: as exigências eram tais e os limites temporais tão curtos que era impossível a qualquer país cumpri-las. Perguntava o deputado: “quanto tempo demora(ria) a fazer uma reforma de pensões em França e na Alemanha e quantos governos teriam de cair”? E aqui vem a primeira sugestão. É preciso dar tempo para um consenso, porque o que está em causa são pessoas, a vida de pessoas, os seus empregos, a perda de salários, tudo isto alimentado pela “loucura dos financeiros”. Todos sabemos que na Grécia há muita corrupção, que é preciso combatê-la, mas este não é um motivo suficientemente forte para não procurarem vias realistas e de consenso para vencer uma crise tão profunda.
Segunda sugestão: em vez de pedirmos o impossível, e pelas razões atrás referidas, temos que “inspirar atitudes de responsabilidade”, mas a todos. No entanto, o princípio orientador de alguns governantes e muitos financeiros parece ser “eu quero ganhar dinheiro com a desgraça dos gregos!” E dá dois exemplos muito clarificadores.
O primeiro refere-se ao empréstimo: “nós pedimos dinheiro a juros de 1,5 a 3% e vamos emprestá-lo à Grécia a 5%”. Interessante, não é!? Por isso ele apoia a ideia de outros dos seus colegas da criação de um Fundo Monetário Europeu. Mas esclarece um Fundo de solidariedade, um fundo contra a especulação, um fundo que pense nas pessoas e governos necessitados e não nos lucros que isso possa trazer aos generosos emprestadores. Esta generosidade envergonha a Europa que espero que ainda possamos construir. É contra esta caricatura de Europa, baseada no egoísmo, no lucro fácil, na exploração dos mais pobres” que eu falo da necessidade de ajudarmos a descobrir a “alma” da verdadeira Europa, que ainda anda por aí, mas que corre sérios perigos se não estivermos vigilantes. Eu acredito na Europa. Eu não quero deitar tudo abaixo e começar do zero. A Europa já existe mas está a deixar-se contaminar pelos “ventos pestilentos vindos doutas partes” como recordei aqui.
O segundo exemplo é bem mais vergonhoso. Por isso, sugere que uma grande ajuda à Grécia era fazer daquele espaço uma zona de desarmamento, que houve um claro empenho na resolução do conflito entre gregos e turcos. E faz uma comparação: a Grécia com 11 milhões de habitantes tem cem mil soldados; a Alemanha, que tem uma população sete vezes maior tem duzentos mil. Quanto é que a Grécia poderia poupar se reduzisse significativamente o seu exército, poupando em armas, em fragatas, em submarinos, em aviões de combate?
Mas e a pergunta é corrosiva: será que “os senhores desta Europa” estão interessados nisto? E a sua resposta é clarinha como a água cristalina de uma fonte da montanha: “Nós somos hipócritas. A França vai vender à Grécia armamento e fragatas no valor de 2,5 mil milhões de euros; a Alemanha vai vender também material militar no valor de mais de mil milhões de euros. Nós somos hipócritas absolutos”. Que generosidade sem limites! Que comovente solidariedade! Que cretinos morais são estes “senhores da guerra” tão civilizados!
Vamos construir uma Europa solidária. Vamos varrer estes hipócritas, a não ser que também nós os cidadãos queiramos entrar no clube dos hipócritas, caso ainda lá não estejamos!

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