divórcio ou casamento eterno?...

2010-08-10

FINALIZANDO POR AGORA

A terceira observação é sobre “Mudou a nossa ideia de Deus mas Deus é o mesmo”. Não podia estar mais de acordo. O problema é que para muitos cristãos não mudaram a sua ideia de Deus, E como diz um sociólogo, hoje só permanece o que muda. Deus é “de ontem, de hoje e de sempre”, seja qual for a imagem que tenhamos dele. O que não pode mudar é a “lógica de Deus”, a lógica da atenção ao outro e do amor. Como recordava, no domingo passado, Bento XVI aos peregrinos, a propósito do “entesourar” no céu, “onde o ladrão não chega nem a traça corrói” (Lc 12,33): “É um convite a usar as coisas sem egoísmo, sede de poder ou domínio, mas segundo a lógica de Deus, a lógica da atenção ao outro, a lógica do amor: como escreve sinteticamente Romano Guardini, ‘na forma de uma relação: a partir de Deus, em vista de Deus’”.
A partir da lógica de Deus é evidente que os olhos da fé dão-nos uma perspectiva diferente dos acontecimentos: toda a história de Israel, escrita na Bíblia, porque é um história, vista a partir da fé, justifica os acontecimentos reais de um modo totalmente diferente do dos arqueólogos e historiadores. Foi nesse sentido que escrevi que Deus nos fala através de tudo: dos acontecimentos, das pessoas, dos nossos estados de espírito. Quantas vezes, ao reler uma passagem evangélica, descobri aspectos que antes me passaram despercebidos?

Também estou totalmente de acordo que Deus quer que sejamos felizes. E queremos felizes já aqui e agora. Não sou exegeta e uma interpretação que faço das bodas de Caná deve pôr os cabelos em pé a quem estuda científíca e teologicamente a Bíblia. Por que é que S. João, tão “teológico” e tão carregado de símbolos, coloca como primeiro milagre o “milagre ridículo (comparado com uma ressurreição ou um cura)” da transformação da água em vinho? Porque, penso eu, ele quis mostrar que a Sua salvação não é apenas espiritual. É total e é aplicável até às coisas aparentemente mais ridículas. Num casamento, a falta de vinho era um sofrimento bem doloroso para os noivos; por isso Jesus os liberta dele, como nos liberta de outros sofrimentos.

E chegou a vez de irmos à minha questão de fundo: pedir ou não pedir. A sua afirmação: “E não devo pedir a Deus que me ajude a arranjar trabalho?” leva-me a outra pergunta: “Mas por que deve Deus arranjar-me trabalho?”. E certamente está a ver a quantidade de coisas que podem estar em vez de trabalho: passar num exame, ganhar um concurso profissional e por aí fora, até, não leve a mal, mas conheço pessoas que o fazem, “que o meu clube de futebol ganhe”.
Portanto, Deus deve resolver-me e tirar-me das dificuldades (eu sei que só se refere a pedir-lhe… mas se lhe pede é porque quer ser atendido, por isso escreveu “Melga até ao fim”). Aliás vejo que se dá conta da injustiça que pode estar a “obrigar” Deus a cometer: “porque eu ao ficar com esse tal emprego significa que outro não o vai conseguir”. Não me leve a mal, mas tenho de lhe fazer, não por maldade, mas com toda a fraternidade cristã, esta pergunta: “Não acha que se trata de um pedido injusto (em vez de lutar por um sociedade melhor peço a Deus que me arranje um emprego, que será à custa de outro), egoísta (“o problema não é meu”), de falta de solidariedade (“o outro que se desenrasque”)”?
Por isso eu não estou nada convencido de que “Deus quer muitos chatos destes”. Mas quem somos nós para julgar ou perceber Deus!?

De qualquer modo, o que está subjacente neste seu raciocínio é um tipo de oração, o mais habitual e com mais “variações”, que é a petição. É, para mim, a mais “interesseira” das orações. Mas é perfeitamente legítima e uma manifestação de fé, que não me atrevo a julgar. E há muitas outras, como aliás também refere a seguir: a "conversa com Deus" de que sai a calma para olhara  arealidade doutro modo.

Mas quero parar aqui um bocadinho, porque esta é a minha questão de fundo. Devo ou não pedir a Deus que me cure? Vamos ao nosso modelo ideal de vida: Jesus Cristo. Jesus também pediu ao Pai. Por exemplo, “que os guardes deste mundo” pedido em favor dos discípulos.
Mas relativamente a Ele a situação típica é a oração no Monte das Oliveiras. E noto dois aspectos:
1) “Se for possível, afasta de mim este cálice”. Jesus pede que o Pai o livre daquele sofrimento agónico em que se encontrava e da própria morte, mas coloca uma condicional: “se for possível”. Significará este condicional “se for essa a tua vontade”? Não sei. Mas é uma interpretação possível, pelo que vem a seguir, embora seja mais lógica outra: se eu puder redimir o mundo sem passar pela cruz, livra-me disso. E digo mais lógica (será legítimo falar deste tema com lógicas humanas!?) porque Jesus podia redimir-nos sem passar pela cruz; certamente haveria muitos outros modos. Aliás a decisão de matar de Jesus é tomada pelo Sinédrio, numa das passagens mais ricas de “psicologia e sociologia humanas” que S. João descreve tão bem: “ou ele ou nós; se não acabarmos com ele acaba ele connosco, com o nosso sistema social que tantos benefícios nos traz” (cf Jo 11,47ss). Nos Sinópticos, os três anúncios da Paixão ligam sempre a morte (na cruz) de Jesus a uma decisão dos homens (escribas, sacerdotes, pagãos): 1º (Mt 16,21; Mc 8,31; Lc9,22); 2º (Mt 17,24; Mc 9,31; Lc 9,44); 3º (Mt 20,18s; Mc 10,33s; Lc 18,32). Todos estes anúncios fazem explícita e unicamente uma ligação directa entre a morte de Jesus e a decisão dos homens. Só numa delas, se introduz uma dimensão mais alargada, supostamente a Deus que fala pelos Profetas: “Olhai, subimos agora a Jerusalém e cumprir-se-á tudo quanto foi escrito pelos profetas acerca do Filho do Homem” e continua com o anúncio. Nem S. Mateus, que está sempre a justificar “para que se cumpram as Escrituras”, faz qualquer introdução deste tipo.
2) “Mas não se faça a minha vontade, mas a tua”. É a vontade do Pai que conta, não é a de Jesus. Não vou alongar-me mais. Só recordar que “a vontade do Pai” comanda toda a vida de Jesus.

Eu não posso nem quero comparar-me a Jesus. Pode até, e com razão, acusar-me do pecado de orgulho. Mas, como escrevi, acho uma grande incoerência rezar o Pai Nosso (“faça-se a tua vontade”) e logo a seguir pedir-lhe para fazer a minha! Estou a falar de mim. Não estou a acusar ninguém. Quem sou eu para ser mocdelo de alguém!

Para terminar uma observação sobre "Deus não poderá estar presente na acção de um médico que operou bem ". É evidente que eu vejo, como escrevi da primeira vez, na inteligência do homem a manifestação de Deus: na inteligência de quem inventou os medicamentos, na competência dos que diagnosticaram correctamente a minha doença, na perícia dos médicos que me operaram, no cuidado dos enfermeiros que me dão a horas e correctamente a medicação prescrita, no carinho dos auxiliares que me ajudam a tomar banho. A única coisa que digo é que Deus não intervém, por regra, directamente mas através de nós, seus instrumentos.
No fundo, estamos certamente muito mais próximos um do outro do que pode parecer. Ambos amamos profundamente Deus. Ambos acreditamos que ele actua na história mais ou menos (in)directamente.

Finalmente quero agradecer-lhe e saudá-lo fraternalmente em Jesus Cristo, pela oportunidade que me deu para reflectir um pouco mais sobre o Deus que eu amo, ou melhor, que me ama. Esta reflexão, po irónico que pareça, nem sempre é fácil neste tempo de férias, fora de casa e dos meus livros onde leio excelentes comentários que me ajudam a reflectir tudo isto. Aqui só tenho um Novo Testamento e o amor ao Deus que tanto me ama e de modo gratuito e que se manifesta na Fátima, minha colega de caminhada há 39 anos, nos meus filhos, nos meus amigos, na Natureza.

1 Comentários:

Blogger AAA disse...

Volto ao tema.
A sua extensa análise daria pano para várias mangas mas gostaria de me deter apenas no tema central da sua posta inicial: pedir ou não pedir?
Primeiro – como aliás me pareceu que reconhece, embora não tirando daí consequência – esta sua posição não acho que seja evangélica. Não tropeçamos a cada passo nos evangelhos com petições a Jesus e, mais ainda, com a exortação sistemática de Jesus para que peçamos, peçamos, peçamos? Ocorre-me aquela passagem em Lc 11, 9 e seguintes: Jesus diz a mesma coisa de seis maneiras diferentes, com uma enfatização que não pode ser por acaso. Parece que Jesus, conhecendo o cepticismo dos homens (melhor, a sua falta de fé), trata de ser persuasivo o mais que pode. Vejo isto com uma clareza cristalina. Agora pergunto: o que podia Jesus ter feito ou dito mais para que acreditássemos todos nisto que me parece tão evidente?
Quanto ao Pai Nosso: parece-me uma razão profundamente frágil a sua em contraponto com os ensinamentos do evangelho, como ilustrei atrás. O Pai Nosso é uma oração condensada e só pode, por isso, lá estar o fundamental. Claro que é mais importante dizer que seja feita a vontade do Pai (não apenas para mim, mas para toda a Humanidade – é uma oração universal, recorde-se). A petição pessoal já lá está («o pão nosso de cada dia nos dai hoje»). Não compreendo por isso como pode ser essa a sua razão de fundo para sustentar a sua «tese».
Caricaturiza o Zé Dias com a seguinte pergunta: “Mas por que deve Deus arranjar-me trabalho?» Claro que Deus não é nenhuma agência de emprego. Mas não pode Deus suscitar em mim decisões (tomando as atitudes certas na procura de trabalho e na forma competente de mostrar que o mereço) ou nos outros, num amigo, por exemplo, que se lembrou de mim porque conhece uma empresa xpto que andava à procura de alguém com um perfil no qual eu me poderia encaixar? Claro que pode! Subscrevo por isso totalmente isto que disse: «A única coisa que digo é que Deus não intervém, por regra, directamente mas através de nós, seus instrumentos».
Pergunta depois o Zé Dias se eu não acho o meu pedido injusto, na medida em que Deus, fazendo-me a vontade, estaria a preterir outro. Coloco então outra pergunta: ao ser feita a vontade do Pai, numa situação deste tipo, não haverá sempre um preterido? Então nem a vontade do Pai devo pedir? Peço desculpa mas digo-lhe com toda a caridade, parece-me haver muito escrúpulo da sua parte. E logo Deus que é tão simples e está tão próximo…
Quando falo na acção de Deus geralmente não estou a pensar em acções espectaculares (como refere lá atrás, o profeta via Deus através da brisa da tarde). Estou sim a pensar em sinais que só vê quem, na oração, com fé, se entrega a Ele e Lhe pede ajuda. É verdade que às vezes o nosso coração não vê nada, não sente nada. Não sei se por Deus não falar nem agir, se por não falar nem agir como estávamos à espera. Mas Deus acaba sempre por se manifestar, por mais tarde que seja.
É terrível o deserto. No meio da angústia não ver nem sentir Deus. Saber que Ele não me abandona, mas dizê-lo com a cabeça sem o sentir com o coração. Acabei de passar por um período desses, dos mais difíceis da minha vida. Mas este não é o tema da posta nem foi isso que me levou a este diálogo.
Abraço e boas férias.

12/8/10 23:18

 

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