divórcio ou casamento eterno?...

2010-08-08

Comentário ao Comentário de AAA

Começo por me congratular com AAA e agradecer do fundo do coração o comentário que fez, até porque já aqui coloquei várias vezes temas que mereciam algum comentário cuidado e sério e isso não sei se alguma vez aconteceu. O tema, que abordamos, é o tema central da nossa vida de crentes.
Antes de fazer algumas observações ao seu comentário, quero enquadrar a minha reflexão pelo que irei começar por uma introdução pessoal.
Tive uma catequese pré-conciliar, assente no medo e no castigo, com o inferno a ser uma palavra sempre presente, ainda mais, apoiado pelo testemunho dos pastorinhos de Fátima que viram tantas almas a caírem no inferno (Por isso gostei muito da homilia de Bento XVI, em Fátima, na qual dá credibilidade a nova(s) leitura(s) da mensagem de Fátima). Foi para mim um drama que me angustiou durante largos anos até que descobri Jesus Cristo. Esta descoberta foi O ACONTECIMENTO MAIS IMPORTANTE da minha vida e marcou-me definitivamente. Jesus, o único verdadeiro exegeta do Pai (“A Deus nunca ninguém o viu. O Filho único, que está no seio do Pai, é que o deu a conhecer”: Jo 1,18), mostrou(-me) que:

- Deus é Pai e que, portanto todos somos irmãos (isto demorou-me bastante tempo a interiorizar e ainda quantas vezes me esqueço ou faço esquecido!); e intimamente ligada a esta, a de que

- Deus é Amor (que descoberta extraordinária: as vezes que li e meditei e chorei ao ler a parábola do Filho pródigo), Amor gratuito, que me ama, não pelos meus méritos mas “por graça”, que me chama pelo meu nome: Eu sou amado “por mim” e não porque sou melhor ou pior que os outros; cada um dos outros é também amado incondicionalmente “por si próprio”. Esta é, no fundo, a Boa Nova da Salvação: Deus ama-te pessoalmente, conhece-te pelo teu nome e ama-te também como membro de uma Igreja e da humanidade, “porque agradou a Deus que residisse em Cristo toda a plenitude e por Ele fossem reconciliados com Deus todas as coisa, pacificando, pelo sangue da sua Cruz, tanto as da Terra como as do Céu” (Col 1,19-20). Bento XVI diz isso através da vida de santa Josefina Bakhita: “Até então só tinha conhecido patrões que a desprezavam e maltratavam ou, na melhor das hipóteses, a consideravam uma escrava útil. Mas agora ouvia dizer que existe um «paron» acima de todos os patrões, o Senhor de todos os senhores, e que este Senhor é bom, a bondade em pessoa. Soube que este Senhor também a conhecia, tinha-a criado; mais ainda, amava-a. Também ela era amada, e precisamente pelo «Paron» supremo, diante do qual todos os outros patrões não passam de miseráveis servos. Ela era conhecida, amada e esperada; mais ainda, este Patrão tinha enfrentado pessoalmente o destino de ser flagelado e agora estava à espera dela «à direita de Deus Pai». Agora ela tinha «esperança»; já não aquela pequena esperança de achar patrões menos cruéis, mas a grande esperança: eu sou definitivamente amada e aconteça o que acontecer, eu sou esperada por este Amor. Assim a minha vida é boa. Mediante o conhecimento desta esperança, ela estava «redimida», já não se sentia escrava, mas uma livre filha de Deus” (Spes Salvi, 3);

- Deus é o Senhor da história (“O Espírito de Deus, que dirige o curso dos tempos e renova a face da terra com admirável providência, está presente a esta evolução. E o fermento evangélico despertou e desperta no coração humano uma irreprimível exigência de dignidade”: Gaudium et Spes, 26) e que, portanto, continua a revelar-se não só na Sagrada Escritura (“Tendo Deus falado outrora aos nossos pais, muitas vezes e de muitas maneiras, pelos Profetas, agora falou-nos nestes últimos tempos pelo Filho, a Quem constituiu herdeiro de tudo e por Quem igualmente criou o mundo”: Heb 1,1), mas também hoje nos acontecimentos, nas pessoas, nas vitórias e percalços da minha (nossa) vida. E o Concílio foi muito insistente neste aspecto fundamental, que resumiu na ideia dos “sinais dos tempos como lugar teológico”: Para levar a cabo esta missão, é dever da Igreja (cristão) investigar a todo o momento os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho, para que assim possa responder, de modo adaptado em cada geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura, e da relação entre ambas. É, por isso, necessário conhecer e compreender o mundo em que vivemos, as suas esperanças e aspirações, e o seu carácter tantas vezes dramático” (Gaudium et Spes, 4). Mais elaborada e profunda é uma outra afirmação: “Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-se a Si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade, segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e se tornam participantes da natureza divina. Em virtude desta revelação, Deus invisível, na riqueza do seu amor fala aos homens como amigos e convive com eles, para os convidar e admitir à comunhão com Ele. Esta «economia» da revelação realiza-se por meio de acções e palavras intimamente relacionadas entre si, de tal maneira que as obras, realizadas por Deus na história da salvação, manifestam e confirmam a doutrina e as realidades significadas pelas palavras; e as palavras, por sua vez, declaram as obras e esclarecem o mistério nelas contido” (Dei Verbum, 2; o bold é meu). Mas Deus, sendo o Senhor da história, quer que sejamos nós os seus “instrumentos”: “precisa”, quer precisar (ver em Ex 3 o diálogo entre Deus e Moisés e as suas (nossas) desculpas para não ser Seu “instrumento” na história) das nossas mãos para cuidar da pessoa ensanguentada à beira do caminho, da nossa boca para proclamar a verdade, a justiça, o amor, a paz; da nossa inteligência para construir um mundo com melhor qualidade de vida, da nossa vontade para não desanimar na construção, sempre difícil, de uma história mais próxima do Reino de Deus, do nosso amor e cuidado pelo outro e pela natureza para o tornar visível a Ele que é “O Invisível”, para o tornar compreensível a Ele que é “O Incompreensível”. Por isso, eu sei que Ele tem um projecto para mim (e para todos): o maior problema da minha longa vida, a partir deste momento, foi (e é) descobrir em cada momento qual o projecto que Deus tem para mim, porque os projectos de Deus para cada um de nós pouco têm a ver com as nossas vistas curtas e interesseiras, por muito legítimas e “santas “ que sejam. A dificuldade é que Deus não me diz claramente o que quer de mim neste momento, em cada momento: vai-me deixando sinais, dos mais variados e até mais inesperados, que eu tenho de ler e tentar interpretar: há sinais e contra-sinais. Nunca sei se decidi bem ou mal. Só o saberei no Reino de Deus, mas tenho de ir optando conforme os dados que disponho. Bem me recordo do profeta que procura Deus nas manifestações mais espectaculares, mas Ele afinal “aparece-lhe” na brisa da tarde. Ora num mundo como o de hoje onde há tanto ruído, tanta falta de silêncio, como apanhamos as “brisas” que nos são dirigidas!?

Finalmente, e para acabar a observação introdutória, mais uma citação de Bento XVI, que nem os leigos (que raramente lêem as encíclicas) nem os padres (que possivelmente as lêem mas nem sempre as meditam a sério), nem os Bispos (que possivelmente as meditam, mas raramente as traduzem em linguagem vulgar para o povo de Deus), mas que me parece fundamental para a vida dos cristãos. Fiquei feliz por Bento XVI a ter escrito porque eu já a “sabia” desde a descoberta de Jesus Cristo: “No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (Deus Caritas est, 1).
O comentário ao texto de AAA fica para os próximos posts.

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