divórcio ou casamento eterno?...

2010-08-04

Que me dera ter fé!

No passado dia 31, a Fátima e eu fizemos 39 anos de casados.
Foi um dia bonito com alguns amigos que ainda por cá estavam. A pedido de vários vou aqui deixar a nossa "Oração de Acção de Graças". Mas antes e para a enquadrar gostaria de dar conta de um debate muito interessante que se estendeu pela noitedentro. A dada altura, foi posta a pergunta que um amigo de um dos presentes coloca com insistência: "Se a fé é um dom, por que não tenho fé? O que eu gostava de ter fé!".
Esta é uma questão de muito difícil resposta (para mim!), mas que não podemos iludir. Eu não sei. Mas tenho-me interrogado muito sobre ela. Por que é que uns têm fé e outros não?
Penso que o problema está no facto de vivermos de "ideias feitas" sobre Deus e sobre a fé. Quando pensamos em Deus, surge-nos uma imagem antropomórfica, um Deus à medida da nossa compreensão humana, um Deus que medimos pelos nossos padrões. Temos dificuldade em aceitar que Deus, o nosso Deus, seja um mistério, o Grande Mistério, absolutamente incompreensível e indizível na sua plenitude.
Ora, para muitos de nós ter fé é acreditar nesse Deus antropomórfico. A poucos ocorrerá que quando praticamos a justiça, exercitamos a solidariedade, vivemos a caridade estamos a ser instrumentos desse Deus Grande Mistério. Ele pode, mas não quer estar sempre a interferir no dia a dia da História. Quer que sejamos nós a fazê-lo, a substituí-lo, mesmo correndo o risco de ficar tão mal visto!
O cancro que há quase cinco anos me vem marcando a vida, tem sido um tempo que me ajudou a purificar um pouco mais a minha ideia de Deus. Deus criou o ser humano como um ser livre, com autonomia própria. E fê-lo assim porque quis, por puro amor. Porque não queria pessoas marionetas. Deus sabia bem os "riscos" que corria ao criar o Homem livre.
Por outro lado, fui descobrindo (sou de raciocínio um pouco lento) que Deus também criou a "natureza" com regras próprias e deu-lhe toda a lberdade para se desenvolver segundo esssa regras e sem estar sempre a interferir.
Deus respeita a nossa liberade e as leis de que dotou a natureza.
Portanto, não foi Deus que me colocou um cancro no meu corpo. Foi o meu corpo que, com as suas limitações, foi evoluindo segundo essas suas fraquezas, que conduziram a um cancro. Eu também terei dado o meu contributo com maus hábitos alimentares ou até profissionais. Mas Deus não teve qualquer culpa.
Ora bem, se me curar (o que aliás nunca saberei!), também não é Deus que me cura, mas sim a sabedoria amorosa dos médicos, a dedicação dos enfermeiros, a eficácia dos medicamentos e alguma força de vontade minha.
O que estou a dizer parecerá uma heresia a muitos cristãos. Mas tal como Deus não nos põe doentes (muito menos, por castigo, como ainda há quem assim pense!), também não é Ele que nos põe sãos. Pode haver raríssimas excepções, que estão por detrás de alguns miagres. Deus pode, mas não quer.
É por isso quem nem eu nem a Fátima nunca pedimos a Deus que me curasse. Deus sabe bem o que deve fazer. Eu bem sei que há passagens no Evangelho que nos mandam pedir, pedir, pedir. Será que Deus está à espera das minhas orações e das de tantos amigos para mudar de opinião, como se eu fosse alguém de excepção? Mas não rezamos todos os dias no Pai Nosso "faça-se a vossa vontade"? Mas... eu quero que Ele faça a minha. Não é isto incoerência? Como posso rezar o Pai Nosso e pedir a Deus que me cure?
Será isto falta de fé? É, se olhar para a fé num Deus antropomórfico: uma fé que pode assumir foros de  mercantilista. Mas não é, se eu pensar num Deus que me ama, me ama gratuitamente e me quer de coração aberto e totalmente disponível para o seu projecto a meu respeito. 
Então não vale a pena rezar? Vale e muito, se rezar é estar em comunhão íntima com Deus, é estar confiante como uma criança, é estar aberto a rejeitar os muitos ídolos mundanos e lutar pelos valores, pela "justiça do Reino". Rezar é estar com Deus, mesmo na noite mais escura em que parece que Ele não existe e nós não temos fé ou não sabemos em quem ter fé, nessa "noite obscura" de S. João da Cruz ou da Madre Teresa de Calcutá. Uma escuridão que, para eles, resultou da cegueira produzida pela proximidade de um brilho infinito. Mas que não lhes tirava as dúvidas. Contudo, quem aí chega, está no limiar da verdadeira santidade.
Deus é o Grande Mistério que eu adoro, pelo qual procuro orientar a minha vida, que procuro ler nos sinais dos aconteciemntos, das pessoas que me rodeiam, na Sagrada Escrituram, na Eucaristia.
Mas porque eu não conheço nada dele, não me considero com quaisquer direitos, muito menos o de lhe pedir que altere o curso da História para que eu fique curado. Mereço mais que os outros!?
Saúde e doença "tudo é graça"



 

3 Comentários:

Blogger AAA disse...

Se me permite, Zé Dias, vou falar um pouco da ideia que tenho de Deus e, de passagem, comentar algumas coisas daquilo que escreveu. Vou fazê-lo em dois tempos por limitação de espaço na caixa de comentários.
Falar de Deus é sempre um exercício particularmente incompleto. Deus é tão grande, tão imenso, tão para além daquilo que possamos imaginar com as nossas mentes formatadas para a realidade espácio-temporal que conhecemos, que tudo aquilo que possamos dizer de Deus, sendo provavelmente verdade, está também sempre muito longe de toda a verdade. Mesmo assim, cá vai.
Para mim Deus, para além de Criador, habita a obra criada. Mais: a natureza (e o Homem, claro) estão impregnados de Deus. Nas próprias leis da natureza, criadas por Deus, existe Deus. Ou seja, Deus ao criar a Natureza com as suas leis não disse: agora que têm as vossas leis governem-se. Não! Ele e as leis da natureza continuam indissociáveis. Por isso, não posso dizer «são as leis da natureza» sem associar isso a Deus. Não a Deus que criou essas leis no princípio de tudo mas a Deus no instante exacto em que isso aconteceu.
Um exemplo para ser mais claro: quantos santos não foram canonizados no passado por «milagres» que hoje não o seriam porque a ciência e a medicina hoje têm explicações «naturais» para o que antes era chamado intervenção divina? Ou seja, Deus está a refinar a sua intervenção na realidade? Deus «alterava o curso da História» (vulgo milagres) no passado com mais facilidade do que altera hoje?
Não, Deus é o mesmo ontem e hoje e a sua acção na História do homem e da Natureza também. Então o que mudou? Mudou a nossa ideia da Deus mas Deus é o mesmo. Então a nossa ideia de Deus hoje é mais ou menos perfeita do que ontem? Não sei, mas tanto uma como outra é bastante incompleta, como aliás expressa.
Volto à ideia da natureza impregnada de Deus. Ocorre-me a imagem de uma esponja com água: só espremendo-a se sabe que ela tem água. Assim, também Deus está embebido na natureza. Os sinais da sua presença são de toda a ordem. É a nossa fé que os filtra, ou seja, naquilo que uns vêm sinais da presença de Deus outros (mesmo tendo fé) não vêm mais que algo natural. Eu posso, por exemplo, olhar para uma colina verde e florida e ver aí Deus e a sua enorme bondade em me presentear com uma imagem tão bonita ou posso ver apenas a natureza e a sua beleza. Posso agradecer a Deus aquela conversa que tive com alguém que me disse uma frase que eu estava a precisar de ouvir naquele dia terrível e ver aí a presença de Deus ou posso agradecer apenas à pessoa essa palavra sem ver aí mais nada. Tenho ou não fé, mediante a sensação suscitada? Claro que não, isso não é padrão de análise, a meu ver.
(continua a seguir)

7/8/10 12:48

 
Blogger AAA disse...

Deus criou-nos homens e mulheres, seres temporais, com as suas necessidades de âmbito material, profissional, afectivo, de bem-estar, saúde, etc, etc., das quais depende também a minha felicidade. E Deus quer a minha felicidade, disso não tenho dúvida. Se eu perdi o emprego e não tenho meios de subsistência para a minha família, posso ser feliz? Não me parece.
E não devo pedir a Deus que me ajude a arranjar trabalho? Devo pedir-lhe apenas que me ajude a encarar a situação e que seja feita a sua vontade? Mas como, se Deus está implicado comigo e com a minha temporalidade. Não apenas Lhe peço ajuda, mas sou insistente como aquela viúva do juiz iníquo. Melga até ao fim. E tenho a certeza que Deus quer muitos chatos destes.
E pedindo a Deus ajuda para encontrar emprego (que pode ser apenas lembrar-me de falar disso a alguém e disso resultar um abrir de portas) pode isso ser considerado «intervir na História»? Claro que sim, porque eu ao ficar com esse tal emprego significa que outro não o vai conseguir. Estou eu a mudar a minha história e o outro.
Quantas vezes já me aconteceu levar para a oração algo que me preocupa e sair de lá com decisões a implementar que me foram suscitadas pela leitura da Palavra ou por simplesmente isso me ter ocorrido na minha conversa com Deus! E lá está mais uma vez Deus a intervir na história…
È verdade que Deus não responde sempre como eu desejava aos meus pedidos. Umas vezes, na oração passo a ver a situação que me preocupa com outros olhos, outras vezes as coisas resolvem-se de outra maneira que não aquela que eu estava à espera, outras vezes a situação não se resolve de todo.
Sobre a sua doença: se o Zé Dias não pede a Deus a sua cura claro que se se curar não vai atribuir isso a Deus, e bem, mas aos médicos. Mas o que dizer daquelas pessoas que eventualmente rezam pela sua cura? Não poderiam elas verem nisso a intervenção de Deus? Deus não poderá estar presente na acção de um médico que operou bem ou decidiu uma intervenção afinal tão acertada? Quem tem razão?
Penso que todos nós, a começar muitas vezes por mim, pomos limitações ao poder de Deus. O que quereria dizer Jesus quando disse, cito de memória, «quem disser a este monte ergue-te daqui e lança-te ao mar e não duvidar no seu coração então isso se concretizará», não estaria a pôr à prova a nossa fé?
Abraço.

7/8/10 12:50

 
Blogger Zé Dias disse...

Vou "responder-lhe" no próximo post.
Obrigado pela suas reflexões.

8/8/10 12:37

 

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