divórcio ou casamento eterno?...

2010-09-17

LUTA PELA JUSTIÇA

Há longos dias que não venho visitar os amigos que aqui vêm espreitar.
E assim deixei passar esta notícia tão linda mas simultaneamente tão, tão triste de que há 98 milhões de pessoas a menos a passar fome no mundo… mas há ainda quase mil milhões na miséria extrema. Deixo apenas estas palavras de Bento XVI: “Dar de comer aos famintos é um imperativo ético para toda a Igreja (e, acrescentou eu, para todo o mundo), (por)que é resposta aos ensinamentos de solidariedade e partilha do seu Fundador, o Senhor Jesus. Além disso, eliminar a fome no mundo tornou-se, na era da globalização, também um objectivo a alcançar para preservar a paz e a subsistência da terra. A fome não depende tanto de uma escassez material, como sobretudo da escassez de recursos sociais” (CinV 27).
Não me associei a uma reflexão que todos deveríamos fazer sobre o Serviço Nacional de Saúde, não só sobre os sistema e as alternativas que alguns têm proposto, mas sobretudo sobre o próprio conceito de saúde, que muitos confundem com não estar doente, numa imagem espec ular de que a paz é a ausência da guerra. Mas este é um tema sempre actual.
Também não comemorei mais um aniversário do Google nem dei uma vista de olhos sobre o que isso significou na transformação e democratização informativa e formativa .
Mas há muitas razões que poderia invocar para este silêncio. Desde logo a falta de paz de espírito, que eu devia ser capaz de manter, se fosse fiel àquilo que acredito tão profundamente e proclamo com tanta aparente convicção de que “não nos devemos preocupar com o dia de amanhã” (cf. Mt 6, 25ss). Eu sei bem que, embora sendo um homem de fé, não tenho uma “fé de transportar montanhas” (Mt 17,20). Mas também conheço aquela frase tão pequenina do belíssimo poema de S. Paulo sobre a caridade: o poema todos o conhecem, mas não sei se todos reparam nesta afirmação tão discreta: “Ainda que eu tenha uma fé tão grande que transporte montanhas, se não tiver caridade nada sou” (1Cor 13,2c). E sobretudo a parte final é arrasadora: “Assim sendo, agora permanecem a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade (1Cor 13,13).

Mas a que propósito vem esta introdução tão misteriosa.
É que tenho passado estes dias muito envolvido, também emocionalmente, na mudança (que eu chamo destruição) da UTAL (Unidade de Tumores do Aparelho Locomotor), que tem funcionado num dos pavilhões de Celas e onde eu ando a ser tratado de cancro há quase cinco anos, isto é, num local que foi a minha segunda casa se não a primeira em muitas ocasiões. Onde sofri, mas também onde senti a ética do carinho, a fé nas pessoas, a nudez indizível da minha finitude, a consciência de que quão pequenos somos e de como estamos tão dependentes dos outros. É uma casa que detesto e que amo. E amo as pessoas, os colegas, os médicos, @s enfermeir@s, @s auxiliares. Vou ter de voltar a isto.
Todo este envolvimento emocional não me tem deixado a tal paz de espírito que me permita reflectir com alguma lucidez sobre toda esta avalanche de acontecimentos. Mal chegado de férias e ver os jornais que tinha acumulados, li neles palavras do Presidente do Conselho de Administração (PCA) dos HUC (Hospitais Universitários de Coimbra) que me deixaram revoltado. Mas a ira, mesmo que seja um “santa ira”, tem critérios que deve respeitar. E eu tenho algumas dúvidas que os tenha respeitado, por exemplo, no artigo que imediatamente escrevi e que acabou por ser publicado no Diário de Coimbra.
Essas palavras deixaram-me revoltado porque revelam um desconhecimento fundamental sobre a necessidade de uma relação harmoniosa serviço – família – doente. Revelam um desconhecimento do tipo de doença que ali se trata: dizer que estes doentes podem tratar-se em ambulatório ou em hospitais regionais é ignorar por completo que temos obrigatoriamente de estar internados: os que fazem quimioterapia, os amputados, os que se preparam para estas amputações que exigem não só preparação “médica” mas também psicológica. E, sobretudo revoltou-me a violação da SOLIDARIEDADE e do direito de todos aos tratamentos, quando afirma que reduze as camas para metade, porque vamos tratar só os doentes da nossa região; os outros que vão bater a outra porta, “quais Lázaros, esperando contra toda a esperança um tratamento ou voltando para casa esperando rapidamente o que nos irá acontecer a todos”, como escrevi no referido artigo, que ainda pensei colocar aqui no blog, mas entretanto não pus. É que da duas uma: ou não sabe que esta é e ÚNICA Unidade que em Portugal trata destes casos ou, se o sabe, é evidente que tem de se colocar a pergunta que dei ao artigo: “E, no meio disto, o doente onde fica?”.

Então quais são os meus escrúpulos. São de dois tipos e levam-me à mesma conclusão.
Com cidadão, também corro o grave risco de cair numa característica muito nossa, dos portugueses, a de confundir a pessoa com as suas propostas. Uma proposta má não significa que o autor dela o seja. E a proposta deve ser combatida por todos os meios legítimos e legais. Mas a pessoa, na sua dignidade, deve ser preservada. Ora este é um lirismo, que só podia ser meu, pois na prática é de muito difícil concretização.
Como crente, e sem precisar de recorrer ao Evangelho, aí estão as palavras “revolucionárias” de João XXIII: “É preciso distinguir entre o erro e a pessoa que erra” (PT 158).
Portanto, o meu problema é este: posso eu combater as propostas erradas sem atingir a pessoa?
Mas eu tenho de combater com toda a força as propostas erradas sobretudo quando se podem tornar “estruturas de pecado”. E chamo esta expressão para mais uma citação, que me complica ainda mais a minha paz interior. É de João Paulo II que a escreveu num texto pouco ou nada conhecido e depois a citou em nota de roda-pé numa das suas grandes encíclicas sociais (SRS 36) : “Pois bem: a Igreja, quando fala de situações de pecado ou denuncia como pecados sociais certas situações ou certos comportamentos colectivos ou de grupos sociais, mais ou menos vastos, ou até mesmo de nações inteiras e blocos de nações, sabe e proclama que tais casos de pecado social são o fruto, a acumulação e a concentração de muitos pecados pessoais. Trata-se dos pecados pessoalíssimos de quem gere ou favorece a iniquidade ou dela desfruta; de quem, podendo fazer alguma coisa para evitar, eliminar ou, pelo menos, limitar certos males sociais, deixa de o fazer por preguiça, por medo e temerosa conivência, por cumplicidade disfarçada ou por indiferença; de quem procura escusas na pretensa impossibilidade de mudar o mundo; e, ainda, de quem pretende esquivar-se ao cansaço e ao sacrifício, aduzindo razões especiosas de ordem superior. As verdadeiras responsabilidades, portanto, são das pessoa” (RP 16).

Feita esta introdução vou continuar agora a falar da UTAL e dos HUC.

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