divórcio ou casamento eterno?...

2011-12-04

TEMPO DE VIGILÂNCIAS

Para os católicos, começou no passado domingo um novo ano litúrgico. No primeiro domingo, a palavra de ordem do Evangelho foi “Vigiai”. O Evangelho refere-se à atenção com que devemos estar atento a uma repentina chegada do Senhor. A história, contudo, já nos ensinou que essa vinda não estará tão iminente como as primeiras comunidades acreditavam. Mas a “ordem” mantém-se. Estar atento aos sinais dos tempos é uma exigência que o Concílio Vaticano II atribui à Igreja: “Para levar a (sua) missão, é dever da Igreja investigar a todo o momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho; para que assim possa responder, de modo adaptado em cada geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura, e da relação entre ambas. É, por isso, necessário conhecer e compreender o mundo em que vivemos, as suas esperanças e aspirações, e o seu carácter tantas vezes dramático” (GS 4).

“Vigiai” na Igreja
Um primeiro campo no qual os cristãos devem procurar fazer um adequado discernimento é a Igreja a que pertencem. Vivemos hoje uma profunda crise eclesial, que, não o podemos esquecer, tem muito a ver com a crise da sociedade, desnorteada com a rapidez a que se sucedem mudanças profundas. Mas há também razões internas. Por exemplo, num recente inquérito realizado para descobrir quais as razões que levam os jovens a abandonar a Igreja, o Grupo Barna apontou várias conclusões, das quais destaco apenas uma: a formação que eles recebem não é profunda nem suficiente e, sem bases sólidas, toda essa formação se perde quando chegam aos 20 anos de idade. E esta formação tipo verniz não se pratica só com os jovens mas também com adultos. Seria bom que todos vigiássemos, denunciássemos esta catequese tão superficial e fizéssemos alguma coisa para a ajudar a mudar esta situação estrutural. “Vigiai” para que a formação se torne mais adequadas ao nosso tempo e às características das crianças e dos jovens (e dos adultos) de hoje. É que se não sabem(os) em quem acreditam(os) que rumo podem(os) dar à vida, com que critérios? Claro este é um exemplo. Mas outros podiam ser as estruturas já caducas que entravam o acesso pleno à Eucaristia, sem a qual não há comunidade cristã, ou a falta de liberdade de expressão não só dos teólogos mas nas próprias estruturas de comunhão (aqui pode-se falar mas ninguém ouve!)

“Vigiai” na sociedade
Outro campo que requer a nossa vigilância é a nossa sociedade. A situação é tão gravosa que não podemos ficar dependentes dos nossos políticos, esperando que as soluções nos sejam entregues de mão (mal) beijada. É por isso que me pareceu merecedora de toda a consideração a chamada “greve geral” da semana passada. Eu até nem lhe chamaria greve, já que não teve as características das greves clássicas. Não houve palavras de ordem típicas. Não fez reivindicações de tipo salariais ou de “direitos adquiridos”. Muita gente que participou não tinha a ver com os sindicatos: grupos que se foram juntando à manifestação, reformados, gente anónima, indignados. Aliás achei interessante a justificação de um amigo meu: “Nunca fiz uma greve. Desta vez vou fazer uma greve, mas uma greve de valores”.Por isso digo que não se tratou propriamente de uma greve, mas mais de uma manifestação de protesto, de um grito de vigilância. Bem sei que há muita gente que, dadas as dificuldades que atravessamos, reprovou esta manifestação porque um dia sem trabalhar ainda empobrece mais a nossa situação. Além disso, não vai resolver nenhum problema.
Pesando tudo isto devo dizer que também eu participaria nesta “greve geral” ou melhor nesta “greve de valores” por várias razões, deixando já de lado a falta de cumprimento das promessas eleitorais porque infelizmente acontece em todos os partidos.

1) É inevitável que temos de tomar medidas de grande austeridade. Mas quando o Governo ultrapassa em muito as já violentas medidas da troika, nós temos o direito de “Vigiai”, reclamar, discordar a menos que nos expliquem bem as razões e nos garantam que elas têm uma elevada percentagem de endireitar o país. Pior ainda: se ficarmos só pelos sacrifícios e não criarmos condições para a nossa economia se expandir iremos ficar ainda me piores condições. Ora muitos e de quase todos os quadrantes acham que o Orçamento 2012 vai nesse sentido suicida. “Bom aluno” submetido à senhora Merkel atirando milhares de pessoas para o desemprego, taxando o trabalho mas mal beliscando o capital; castigando os mais frágeis e deixando quase incólume os ricos. Temos de “Vigiar”, reclamar, levantar a voz. Além disso há várias maneiras de cumprir o aprovado com a troika: umas mais monetaristas, outras mais “sociais”. E a mim parece-me que a opção vai muito no primeiro sentido (ver 3)). Acusam-nos, talvez com razão que andámos a gastar acima das nossas possibilidades, mas a verdade é que temos dois milhões de pobres e muitas centenas de milhares que sobrevivem com menos de 750 euros por mês. Por isso devemos “Vigiar” e gritar bem alto estas realidades.

2) Usando uma expressão do Pacheco Pereira, “um país não pode ser administrado como uma empresa porque uma empresa não é democrática, nem tem que ser”. As soluções não podem resumir-se a despedimentos ou a diminuição de salários. A democracia tem como fim último a construção do bem comum e a máxima coesão social procurando que todos possam viver com dignidade e disponham de igualdade de oportunidades. Temos de “Vigiar” e defender com unhas e dentes a construção e a prioridade a dar ao bem comum.

3) Embora tenhamos alguma dificuldade em perceber a real política dos nossos governantes, dadas as flutuações no discurso sincrónico de vários ministros ou diacrónico do mesmo ministro, uma coisa me preocupa, apesar dos meus parcos conhecimentos na matéria. Mas quando temos um ministro das finanças que, diz-se nos jornais, é fã de Milton Friedman, o grande inspirador da destruição das políticas sociais de Reagan e de Tatcher, quando se percebe que pertence a uma escola monetarista, fico com receio que ele esteja a preparar uma espécie de golpe de estado soletradamente mas persistentemente que transforme o Estado de direito num Estado fiscal ou monetarista: o acerto rigoroso dos números torna-se a prioridade primeira. Não duvido que ele acredite convictamente no que está a fazer. Não duvido do enorme esforço e até nd sofrimento pessoal que tudo isto lhe cause. Mas temos de “Vigiar”, porque não podemos deixar que a moeda seja mais importante que as pessoas.

4) Tudo isto exige um permanente “Vigiai”, até como exercício de cidadania: não podemos cair na tentação de por estarmos tão mal devemos estar caladinhos e não baralhar ainda mais em nome da estabilidade social. Não podemos ficar amordaçados pelo receio de que a nossa palavra possa perturbar ainda mais as coisas. Porque ou participamos todos – cada um do modo que pode e sabe – na (re)construção do nosso país ou então a solução será sempre a de meia dúzia de tecnocratas, que podem ter muito saber técnico mas muito pouco saber “humano”. É que a pessoa é a principal riqueza de qualquer sociedade e a sua centralidade tem de faz parte da solução e nunca pode ser atirada para o caixote dos problemas.

“Vigiai” na Europa
Finalmente a vigilância não pode ficar-se dentro das nossas fronteiras. A Europa está a viver uma crise profunda por causa não só dos eternos egoísmos nacionais, mas também porque os “responsáveis europeus agiram muito pouco e demasiado tarde” talvez maniatados por “uma combinação entre a obstinação da visão alemã do controlo monetário e da ausência de visão clara por parte dos outros países” (J. Delors). Quando se tratou da Grécia e depois de Portugal ignoraram a situação como se se tratasse apenas de dois meninos mal comportados. Não tiveram rasgo nem visão para perceber que não se tratava de insignificantes casos pontuais mas que eram pontas de um iceberg profundo que colidia com toda a zona europeia, que se enquadrava na guerra contra o euro, que envolvia e em profundidade todos e toda a gente.
É certo que não temos uma verdadeira consciência europeia. Também é verdade que pouco ou quase nada se tem feito junto dos cidadãos para que a cidadania europeia ganhe raízes. E os (ir)responsáveis não perceberam que a Europa só se pode fazer com os europeus e nunca contra eles e a sua indiferença. Não há democracia sem diálogo. Não há democracia sem que as partes envolvidas se sintam chamadas a participar e a colaborar. Este é mais um campo onde o “Vigiai” se torna também muito urgente por parte dos “cidadãos da Europa”.
Mas também não se percebe por que razão Irlanda, Grécia, Portugal, Espanha e Itália não se tenham juntado seriamente, num forte lobby comum, lutando com determinação para que os outros percebessem que o assunto era de todos. Também não se percebe que 25 governos tenham de se sujeitar, impavidamente, à vontade dois “tiranozitos”. Este é mais um campo onde o “Vigiai” se torna também urgente envolvendo todos os cidadãos, governantes, deputados para transformarmos uma cada vez menos Europa numa cada vez mais Europa. 

0 Comentários:

Enviar um comentário

<< Home