divórcio ou casamento eterno?...

2011-10-13

49 ANOS DEPOIS

Façam de conta que ainda é o dia 13, embora já passem largos minutos da meia-noite. 
É  que gostaria de deixar aqui uma notinha para recordar que fez 49 anos que começou o Concílio Vaticano II. E como explico na minha crónica, que reproduzo a seguir, se 11 de Outubro é a data oficial de abertura, onde se destaca aquela lufada de ar fresco que foi o discurso do bom papa João XXIII, acho que verdadeiramente o Concílio só começou no dia 13, quando o cardeal Liénart com uma pequenina observação baralhou por completo os trabalhos e deu cabo de toda a organização tão cuidadosamente preparada pela Cúria Romana. 
Aí fica a minha crónica


ATRIBULAÇÕES ECLESIAIS DO CONCÍLIO VATICANO II
         Celebra-se mais um aniversário do Concílio, discretamente, apesar de ter sido o maior acontecimento eclesial dos últimos séculos.
                A sua abertura foi a 11 de Outubro de 1962. Mas, eu diria, que só começou a 13. Quando se distribuíam as listas das Comissões, que o Santo Ofício preparara cuidadosamente, o cardeal Liénart pediu a palavra. Ao ser-lhe recusada, insistiu: "Peço desculpa, mas vou falar": que a votação seja adiada por alguns dias para nos conhecermos melhor e preparar as nossas listas. Esta coragem de dizer “não” no momento oportuno, estas cinco palavras forçaram o adiamento e, assim, o Espírito Santo, e não a Cúria, passou a presidir aos trabalhos do Concílio, garantindo a liberdade de expressão e a certeza de que não haveria tabus nem coacções e de que a Igreja se iria repensar seriamente. Todos, na Igreja e na sociedade, devíamos aprender esta lição de “fortaleza”: não ter medo de falar e de fazer, nem ficar apenas à espera de directrizes do “alto”.
                Depois de quatro anos de debates acalorados, veio o pós-Concílio desvelando muitos problemas que andavam escondidos. E logo surgiu a acusação: “depois do Concílio; logo, por culpa do Concílio”. Entretanto, o fervor inicial se foi esbatendo. Também não se fez a recepção do Concílio: quantos católicos conhecem, sequer, os documentos? E o Papa e a Cúria parecem cada vez mais marcados pelo receio de qualquer mudança e de perder estruturas passadas.
                Bento XVI conta-nos a sua experiência pessoal. “Também eu vivi os tempos do Concílio com grande entusiasmo e vendo como se abriam novas portas e parecia realmente o novo Pentecostes. Esperámos tanto, mas as coisas na realidade revelaram-se mais difíceis”, pois, “inseri-lo na vida da Igreja, recebê-lo, de modo que se torne vida da Igreja, assimilá-lo nas diversas realidades da Igreja, é um sofrimento, e só no sofrimento se realiza também o crescimento. Crescer é sempre também sofrer, porque é sair de um estado e passar para outro”. Depois vieram dois grandes acontecimentos: o Maio de 68, “o início ou a explosão da grande crise cultural do Ocidente”, e a queda do comunismo (1989), mas à qual “a resposta não foi o regresso à fé, não foi a redescoberta de que a Igreja com o Concílio autêntico tinha dado a resposta”. Nestas palavras pressente-se o medo do mundo, tão longe do optimismo de João XIII (“uma atitude que nos aproxima da forma de actuar do Senhor Jesus”, dizia) ou do realismo de Paulo VI (“o mistério do homem (desenvolve-se) num processo histórico e psicológico onde lutam e se alternam violências e liberdade, peso do pecado e sopro do Espírito” (OA 37)).
                No primeiro discurso à Cúria, Bento XVI contrapôs a “uma hermenêutica (interpretação) de descontinuidade ou ruptura” a “hermenêutica da continuidade ou reforma”, rejeitando a primeira, porque “uma causou confusão, a outra, silenciosamente mas de modo cada vez mais visível, produziu e produz frutos”. No Encontro referido, o reitor da Universidade defendeu a necessidade de “uma nova síntese interpretativa do Concílio, que possa superar a paralisia da hermenêutica parcial, seja de uma parte, desequilibrada totalmente sobre a descontinuidade, seja da outra, que insiste de maneira única e unilateral na continuidade”.
                Os membros menos doutos da Igreja sentem que estes “altos” debates estão a fazer esquecer os desafios actuais, que não são tratados com determinação criativa, com fé, esperança e amor. Sentem-se perdidos porque estão cansados, sem perspectivas inovadores. Vêem-se uma Igreja incapaz de avançar com a história e de fazer uma leitura profética dos sinais dos tempos.
                E, contudo, o Concílio continua a ser a Carta Magna da Igreja, o seu farol e guia. Ele proclamou que a hierarquia é um serviço ao Povo de Deus, não estrutura de poder; que todos, incluindo os leigos, somos corresponsáveis pela comunhão e missão, pois todos fomos ungidos pelo mesmo Espírito; que a Igreja católica não é a Igreja de Cristo (“subsiste nela”) mas “apenas” seu sacramento-sinal; que é na pobreza e na perseguição que deve testemunhar Jesus Cristo; que não tem a verdade toda, pois “fora dela há elementos de santificação e verdade” que são dons da Igreja de Cristo; que somos uma Igreja peregrina, “santa mas sempre necessitada de purificação”, como tantos outros na busca da Beleza Infinita, desde os que só “percebem aquela força oculta no curso das coisas” às religiões monoteístas passando pelo hinduísmo e budismo; que somos solidários com as alegrias e as angústias das pessoas, em especial dos pobres; que fora do mundo não há salvação: “o cristão que falta aos seus deveres temporais põe em perigo a sua salvação eterna”. E que o Centro não é o Papa mas a Eucaristia, “sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal”: é a Eucaristia que faz a Igreja.
                Estas só não são transformações radicais porque não as assimilámos nem as praticamos.
                Ruptura/Continuidade, Letra/Espírito? Essas serão questões de poder; mas não de Amor.

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