divórcio ou casamento eterno?...

2012-02-02

DOIS EXEMPLOS COMO MUITOS OUTROS

No último post fiz referência a uma sociedade imoral para a qual todos damos o n sso contributo, maior ou menor.
Esta semana bastou pegar em dois jornais e ficarmos esclarecidos sobre alguns desses mecanismos, que ninguém diria imorais, mas que abrem o caminho, uma via bem larga para a dita imoralidade ou outra palavra equivalente mais actual.
Na esperança que o Miguel Esteves Cardoso não me leve a mal, aqui reproduzo um pequeno episódio que ele descreve na sua habitual e subtil (às vezes, bem manifesta) ironia. Foi publicado no Público de ontem, com o título 

Venham mais sete
“No PÚBLICO de ontem Cláudia Carvalho contava como a FNAC retirou a frase "Troque Os Maias por Meyer" por causa do número de protestantes no Facebook, que ficaram ofendidos por se ter confundido Eça de Queirós com Stephanie Meyer. A FNAC deveria ter-se recusado a ceder a pressões idiotas mas preferiu aproveitar o protesto para divulgar a campanha A Cultura Renova-se.
A mim ofende-me o cartão FNAC, o tal "que faz parte de si", que, em conluio com a Credibom, cobra juros acima dos 25%. Mas não se fica por aí, como se verá. Em Dezembro pedi uma segunda via do meu cartão. Mandaram-me uma conta de €3,50. Como não paguei nesse mês, cobraram-me €7,00 de "penalizações": o dobro do que tinha custada a merda do cartão. Qual será a TAEG em que os juros são 200% por mês?
O total devido era agora €10,50. Por amor à FNAC decidi deixar-me roubar. Só que paguei dois dias depois do prazo. Resultado: apareceu-me este mês mais uma conta de €7,00. Em dois meses os €3,50 do cartão tinham acumulado €14 de "penalizações".
Telefonei para a Credibom, onde me disseram que estava tudo no contrato e que eu deveria ter lido o contrato. Os €10,50 que eu tinha pago tinham "regularizado a situação", mas, como eu me tinha atrasado, a "penalização" deste mês já tinha sido "lançada". Agora tenho de pagar mais 7 euros até ao dia 28 deste mês. Se pagar só no dia 1 de Março, cobrar-me-ão mais 7 euros. E assim sucessivamente, até à hora da minha morte. Ladrões”.
Ladrões, parece-me pouco, porque o que está em causa não são os quantitativos, mas uma forma de imoral de sacanear dinheiro ao cidadão que ainda acredita na honestidade nos negócios. Belos tempos esses, em que bastava a palavra dada para tudo ficar decidido. Agora em vez da palavra, são letras miudinhas, numa linguagem hermeticamente grandinha sobre as quais basta apenas pôr uma assinatura. Culpa de quem assina? Está certo. Mas eu quero é denunciar os métodos trafulhas com que muitas destas coisas estão acontecer. E se houver dúvidas quanto à informação honesta (será que esta palavra ainda tem algum significado, hoje?) vamos ficar passar a outro exemplo.

A comovente parelha EDP-Continente
A EDP que passou os tempos a chular-nos descaradamente por falta de concorrência, descobriu agora que vêm para aí mais empresas que bem podem estragar-lhe a vida ou pelo menos tirar-lhe clientes.
Então tratou de inventar mais uma espécie de sacanice (eu cada vez tenho menos vocabulário para descrever estas inocentes manifestações de preocupação para com os clientes; NB: os clientes somos nós) para continuar a chular os incautos. De repente aparece a oferecer 10% do nosso gasto em electricidade (em electricidade, salvo seja, electricidade e n alcavalas que sempre andam atreladas aos serviços essenciais para o cidadão) em vales que eles próprios enviarão para um suposto cartão que os clientes terão do Continente ou qualquer outra magia virtual do género. A chatice é que apareceu a DECO, aqueles desmancha-prazeres, que lhes estragou a marosca e lá terão de inventar outra armadilha melhor disfarçada. Sim, porque agora a concorr~encia começa a apertar.
Dou a palavra ao Correio da Manhã:
Todos os consumidores de electricidade com potência contratada acima dos 3,45 kw [a maioria dos clientes domésticos] que adiram ao plano EDP-Continente já não podem regressar ao mercado regulado" da EDP Universal, advertiu em declarações à Lusa a jurista da DECO, Ana Tapadinhas.   
A DECO tem alertado para a "insuficiente" informação prestada pelas duas empresas sobre algumas das implicações de aderir àquela campanha, nomeadamente quanto ao facto de implicar uma mudança de contrato da EDP Universal para a EDP Comercial, o que obriga o aderente a passar de cliente do mercado regulado para o mercado liberalizado.  
A tarifa liberalizada significa que os preços da electricidade deixam de ser fixados pela ERSE e passam a ser definidos pelo mercado, o que vai começar a acontecer a partir do próximo ano e até 2015, quando também os clientes que ainda não mudaram para um comercializador de mercado deixam de poder beneficiar das tarifas transitórias e dos acertos periódicos do regulador ERSE para minimizar o efeito da eventual volatilidade do mercado”.

Ladrões? Talvez não! Só publicidade enganosa? É um eufemismo muito interessante, que todos usam como se fosse a primeira regra da publicidade.
E nós, os cidadãos, que temos sido tão fortemente pressionados para não sermos cidadãos mas nos contentarmos em ser apenas consumidores, não podemos ficar de braços cruzados mas temos de lutar como podermos para ajudar a limitar esta imoralidade, mais ou menos declarada ou disfarçada. Se todos levássemos a sério estas imoralidades e as puséssemos em causa, as denunciássemos, nos recusássemos a vender a alma por um prato de lentilhas de 10% de descontos suspeitos ou de um cartão de utilidade mais que duvidosa, todas estas vigarices iriam diminuindo, pelo menos, por redução de clientela.
Mas nós passamos a vida a vender-nos aos bocadinhos, sem dar por ela, até que percebemos que já é tarde e já nem alma temos.
Por isso, os culpados não são só as estruturas de pecado, mas as pessoas, isto é, as ganâncias pessoais. Isto é, no fundo, os principais responsáveis somos nós porque nos deixamos cair alegremente no conto do vigário.


1 Comentários:

Blogger JC disse...

Estes dois meses de silêncio, não significam alheamento às suas reflexões, apenas falta de tempo para dar o necessário "feedback". Mas a propósito da excelente entrevista radiofónica sobre a CJP, aqui deixo o meu abraço de apoio e reconhecimento. No mais, vou continuar, mesmo que na reserva da discrição, a segui-lo.

11/2/12 17:00

 

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