divórcio ou casamento eterno?...

2012-01-17

PROTEGER O MEU PATRIMÓNIO

Estas últimas semanas têm sido pródigas na proclamação pública de frases que, em tempos próximos futuros, poderão vir a fazer parte de uma antologia de sabedoria balofa.
Desse ramalhete, gostaria de reflectir um pouco sobre "preciso de defender o meu património". Não está em causa quem a disse, até porque, nisso, foi mais honesto que os outros que fizeram a mesma coisa pelos mesmos motivos mas acharam que não deviam explicações a ninguém.
Mas eu até acho que deviam. De qualquer modo, esta expressão choca-me como cidadão e como cristão.

O que significa o "meu" naquela expressão?
Primeira pergunta: será que foi o próprio que construiu tudo aquilo que tem sem o apoio de nenhum dos seus colaboradores (para já até deixo de lado os familiares)? Ninguém deu uma lágrima de suor para que alguém construa um património? Será que qualquer empresa, seja ela qual for, é feita apenas com o esforço do empresário? Para nada contam as milhares de horas de serviço, tantas vezes mal remunerado, dos seus operários, dos seus clientes, dos seus fornecedores?

Segunda pergunta: será que aquele património é só dele? Não estão os bens da terra destinados a todos. Agora cito, de cor, dois documentos da Igreja: "Deus criou a terra e tudo o que ela contém para uso de todos" (GS 69), "sem excluir nem privilegiar ninguém"(CA 31). São os primeiros que chegam, só porque chegam primeiro, que adquirem o direito de tomar como seu o que é para bem de todos? Bem sabemos que uns têm mais talentos, mais competências (embora o nosso ministro Crato discorde), mais capacidade para fazer render os talentos que tem. Mas isso torna-o dono dos seus talentos e autoriza-o a utilizá-los unicamente para serviço próprio?

Ligando as duas questões, o que faria um empresário se não utilizasse parte desse património mundial que ao longo de milénios foi desenvolvendo novas tecnologias, novas ideias, que ele não inventou e possivelmente nunca seria capaz de inventar? Vivemos numa ilha deserta, onde cada um vive só com o que tem ou desenvolvemo-nos como pessoas, como trabalhadores, com o contributo solidário de todos? Uns partilharão pouco, outros, muito. Mas é do somatório de todos os contributos que nasceu este património riquíssimo que cada geração recebe, ajuda ou deve ajudar a aumentar de modo a poder passá-lo mais grandioso às gerações futuras e não apenas aos filhos sanguíneos ou aos amigos de peito.

Depois, há um outro aspecto. Ele não ganhou nada por ter nascido neste país, ter aproveitado as estruturas sociais que lhe permitiram fazer desabrochar esses talentos, que outros não têm, mas que precisam de condições para surgirem? Não lhe foi dado um povo? Quantos apátridas gemem por esse mundo fora desejando um espaço para si. Não lhe foi dada uma cultura, que o estimulou a desenvolver-se segundo os padrões locais? Quantos são obrigados a emigrar para longes terras e longes culturas, perdendo-se num emaranhado de códigos e normas que não entendem?
É bem possível que, com a globalização "de serviço", estejamos a perder a consciência destes bens imateriais que formam a nossa identidade, a nossa raiz mais funda.
É bem possível que com esta globalização neoliberal, onde só o dinheiro conta, muitos se percam em perene adoração ao deus dinheiro, pouco importando as vítimas que irão sendo crucificadas em seu nome e para seu sustento.
É bem possível que com a ganância de não perder o "meu património" muitos tratem da sua vida esquecendo que estão a roubar os seus concidadãos que os ajudaram material e espiritualmente a ser eles próprios.

Eu sei que devo ser meio maluco por estar a defender estes pontos de vista.
Mas como podemos construir uma humanidade onde todos, por sermos humanos, temos, os mesmos direitos fundamentais? Por que razão é mais grave a morte de meia dúzia de turistas do cruzeiro nas costas da Itália do que á de milhares de mortos à fome e à sede no Sudão ou na Somália?
Como podemos construir uma Europa - de que um dos valores fundadores era a abertura aos outros e o acolhimento fraterno - se cada um puxa para a sua quinta e só vê os defeitos e os danos causados pelos outros mas nunca vê o que eles trouxeram de positivo para a construção de uma Europa democrática, defensora dos direitos humanos, prenhe de descobertas nos campos científicos e de inovações nas criações artísticas.
Por que será que não olhamos para o outro, mesmo pobre e andrajoso, como nosso irmão, pois talvez tenha sido o nosso estilo de vida que o atirou para esse estado, em vez de o tratarmos como um perigoso à solta do qual é preciso fugir rapidamente.

Que dramática continua a ser a pergunta de Javé a Caim: "Onde está o teu irmão?".
Ou será que com a morte de Abel somos todos descendentes de Caim?
RECUSO-ME A ACEITAR ISSO.
Até porque há milhões de gestos de carinho, de amizade, de partilha, de fraternidade, alguns até desencadeados agora pela crise, que provam o contrário.
O HOMEM SUPERA SEMPRE O HOMEM?
Não sei, mas sei que o Homem vai sempre superar o próprio Homem, pois há nele uma bondade natural que ninguém pode apagar de modo definitivo. Só precisa que lhe sejam criadas condições para que uma flor nasça num charco de entulho.

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