divórcio ou casamento eterno?...

2012-04-03

Semana Santa 2

Falei ontem da proclamação do cego Bartimeu, como um dos sinais da realeza de Jesus.

Hoje é a vez do Jumento. Antes, porém, uma pequena derivação. Jesus, como sabemos, teve que pedir o jumento emprestado. Não tinha nenhum. Como a maior parte dos seus vizinhos. Se recordo este facto é porque a opção pelos pobres, que foi a opção fundamental de Jesus em obediência à vontade do Pai (veio para os que estavam limitados; os auto-suficentes não precisavam dele), foi muito mal vista quando os bispos sul-americanos a “abençoaram”. Depois João Paulo II assumiu-a em plenitude. Mas a maior parte dos senhores do Vaticano ignora-a discretamente e a esmagadora maioria dos católicos pouco ou nada faz na vida para a pôr em prática.
Neste contexto é bom recordar que Jesus se identificou com os pobres no discurso escatológico: “O que (não) fizestes ao mias pequenino foi a Mim que o (não) fizeste” (Mt 25, 40.45). Mas esta identificação não foi um jogo de palavras. Não. Jesus viveu efectivamente como pobre. A sua vida foi uma constante opção pelos pobres, pelo seu estilo de vida. Nasceu pobre, num curral de animais, sofreu as agruras do emigrante que é obrigado a partir para longes terras, foi expulso pelos seus vizinhos da sua aldeia, os seus familiares acusaram-no de loucura, não tinha onde repousar a cabeça, muitos discípulos o abandonaram por causa da dureza das suas palavras, foi perseguido pelos senhores da lei e do templo, foi esquecido na hora da agonia, foi abandonado pelos discípulos mais próximos, foi traído por um deles, foi negado por outro. Morreu sozinho na Cruz entre dois excluídos deste mundo, apenas acompanhado a alguma distância (um cordão de soldados não deixava ninguém aproximar-se dos crucificados) pelas mulheres corajosas que sempre o acompanharam e deram apoio.
É deste Jesus que somos discípulos? Discípulos teóricos ou discípulos seguidores?

Jumento
Voltemos a outro sinal da realeza de Jesus: o jumento.
Jesus quer entrar em Jerusalém não disfarçado, receoso de que o conheçam nem mandando calar ninguém, como fez ao longo de todo o Evangelho de Marcos. Jesus quer entrar solenemente na cidade santa, onde, bem sabe, irá ser morto.  
Em torno deste animal, que o transporta na sua entrada solene em Jerusalém, cruzam-se muitas referências à realeza.

1.Jesus manda dois discípulos ir buscar um jumento. Ele não o pede emprestado. Dá uma ordem clara aos discípulos: “Ide à aldeia e trazei-me um jumento que está preso a uma árvore”. E acautela qualquer intromissão a esta ordem. Se alguém fizer perguntas, a resposta é simples: “O Senhor precisa dele; depois devolvê-lo-á”.
Este era um privilégio real: Jesus utiliza um direito que é exclusivo dos reis em toda a Antiguidade: o de requisitar os meios de transporte para seu uso pessoal.

2. O animal requisitado devia ser “novo”, isto é, não devia ter sido ainda montado por ninguém. Era outro sinal: nenhum rei monta um cavalo já usado. Há, na Bíblia uma excepção, quando David manda chamar “o sacerdote Sadoc, o profeta Natan e Bananías, filho de Jojada” a quem deu a seguinte ordem: “Tomai convosco os servos do vosso senhor e montai Salomão, meu filho, na minha própria mula e levai-o a Gion. Ali o sacerdote Sadoc e o profeta Natan ungi-lo-ão rei de Israel e vós tocareis a trombeta e proclamareis “Viva o rei Salomão” (1Rs 1,32.34).
Um jumento novo é um distintivo do Messias (além de Gn 49,11: ver já a seguir; Zac 9,9: “Exulta de alegria, filha de Sião! Eis que o teu rei vem a ti; Ele é justo e vitorioso; vem, humilde, montado num jumento, num jumentinho, filho de uma jumenta”; cf. 1Sam 6,7s, onde se manda tomar um carro novo, puxado por duas vacas que nunca tenham suportado o jugo para transportar a Arca da Aliança).

3. O jumentinho está ligado ao Rei que havia de vir. No adeus profético de Jacob a seus filhos, pode ler-se:
“O ceptro (do poder) não escapará a Judá
nem o bastão de comando à sua descendência,
até que venha aquele a quem pertence o comando
e ao qual obedecerão os povos.
Então há-de atar-se à vide o seu jumentinho
e à parreira, o filho da sua jumenta.” (Gn 49,10-11).
Assim, o jumento atado à vide é para aquele que há-de vir e ao qual todos os povos obedecerão.

4. Jesus quer, portanto, entrar em Jerusalém montado num animal, como faziam os conquistadores das cidades. Mas aqui há uma diferença substancial: os conquistadores usavam a força, vinham montados em cavalos de guerra, com todos os apetrechos bélicos adequados; Jesus vai montado num jumento de paz, sem sequer ter uma sela. Aqui está diferença essencial entre os conquistadores terrestres, que são homens da guerra e da morte, e Jesus que é o homem da paz e da vida e a “vida em abundância”.
Daqui se pode concluir que o Reino de Jesus é um reino de justiça, paz, amor, liberdade. É um reino totalmente diferente do que os poderosos deste mundo gostam de instalar. É um rei que não usa armas de guerra, mas armas de Paz: a simplicidade, a humildade, o cuidado com os outros. É que “o meu Reino não é deste mundo”, embora passe por este mundo e se construa também neste mundo, mas com outros critérios e outros objectivos.

5. Jesus não monta o jumento: entronização.
As traduções portuguesas desta passagem não ajudam muito.
Mas vejamos cada evangelista:
- Mt 21,7 utiliza o verbo grego epekathisen (ἐπ-εκάθισεν, “sentar-se sobre”) e foi traduzido (bem) por “e Jesus sentou-se em cima”;
- Mc 11,7: ekathisen (εκάθισεν, “sentar-se”): “e Jesus montou nele” em vez de sentou-se;
- Lc 19,35: epebíbasan (ἐπ-εβίβασαν, “fazer subir”): “ajudaram Jesus a montar” em vez de fizeram Jesus subir;
Jo 12,14: ekathisen (εκάθισεν, “sentar-se”): “e Jesus montou nele” em vez de sentou-se;
Portanto, a ideia que os evangelistas transmitem não é a de quem monta um cavalo ou um jumento, mas de quem se senta num trono; neste caso, o jumento tornou-se o trono da realeza de Jesus, como sucedeu com Salomão na citação feita atrás (1Rs 1). Mas, como já referi, nunca ninguém antes se “sentara” naquele trono: é uma era nova que começa.

6. Estenderam as capas
Alguns colocaram capas no jumento pois ele estava completamente “despido”. Outros colocaram as capas no chão para Jesus poder passar. Há aqui também uma ressonância régia. Eliseu mandou “um dos filhos dos profetas” para ungir Jeú como rei de Israel. Como a cerimónia se passou apenas entre os dois, quando Jeú chegou à reunião dos seus oficiais, eles perguntaram-lhe o que queria “aquele louco” e pediram-lhe que lhes contasse a verdade: “Pois bem, ele disse-me isto e mais isto. E acrescentou: Isto diz o Senhor ‘Eu te consagro rei de Israel’”. Levantaram-se, então, imediatamente, tomaram, cada um, o seu manto, estenderam-no aos seus pés em forma de estrado e tocaram a trombeta, gritando: ‘Jeú é rei’” (2Rs 9,1-3. 11-13).   

Ainda há outros aspectos, mas gostaria de terminar hoje com uma primeira conclusão:
Jesus preparou e planeou a sua entrada triunfal em Jerusalém, Sião, a cidade do Reino de Deus, mas os discípulos colaboraram com ele (por exemplo, indo buscar o jumento) e tornaram-se agentes principais destes gestos messiânicos, tomando até a iniciativa (por exemplo, estendendo as suas capas).
É esta colaboração consciente e criativa que Jesus espera de nós ao longo dos séculos. Ele andou connosco trinta e três anos, deu-nos o exemplo (“Fazei isto em memória de mim”; “dei-vos o exemplo; agora fazei o mesmo”). Ele quer que sejamos nós a continuar a sua obra.
Será que entendemos isto? Será que concordamos com Bento XVI quando diz: “No início do ser cristão não está uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (Deus caritas est, 1)?
É Jesus que dá à nossa vida o rumo decisivo? Ou é a opinião pública, a voz do chefe, a ambição de subir na vida a qualquer preço, e outros motivos tão terrenos e egoístas?

2 Comentários:

Blogger José Gonçalves Cravinho disse...

À pessoa que escreve o texto Zé Dias,que crê que o judeu lendário Jesus a quem mais tarde foi dado o nome grego de Cristo,é o filho do Deus Javé/Jeová que é o Padre Eterno dos biblico-judaico-cristãos
e que foi enviado por seu Pai ao Mundo para sofrer e morrer na cruz
como o cordeiro de Deus (agnus dei)
remindo assim o pecado original e apaziguando a ira divina de seu Pai
então eu pergunto a Zé Dias:
-Que Deus é êsse assim tão mau,
tão cruel tirano e sanguinário,
que se porta pior que um marau,
e mata o filho no Calvário??!!

4/4/12 15:26

 
Blogger Zé Dias disse...

Caro irmão Cravinho

As suas questões merecem vários comentários, que irei fazer mas quando dispuser de um pouquinho mais de tempo, pois não cabem no curto espaço de um comentário.
Vou dar-lhe a minha opinião, mas só a partir da próxima semana ou da outra, porque na próxima quarta-feira irei ser internado até ao fim de semana.
Mas não me esquecerei de si.
Um abraço fraterno
Zé Dias

5/4/12 23:28

 

Enviar um comentário

<< Home