divórcio ou casamento eterno?...

2012-03-20

A ENXURRADA

Tenho andado ausente porque fazer setenta anos é um peso pesado muito grande para me poder dedicar a outros trabalhos.
No entanto fui inundado no facebook, onde vou poucas vezes (eufemismo!), por palavras muitas bonitas, simpáticas, exageradas, amorosas, como aqueles livros de que falou a querida Joana: alinhados, amontoados, empilhados, sublinhados, escritos. Mas a minha imodéstia não me permite escrever o último adjectivo. Ainda tenho de lá (facebook) ir ao menos para dizer "olá, gostei que não te tivesses esquecido de mim". 
Fui cumprimentado por alguns via e-mail. Tive comigo muitos outros, alguns que vieram de longe, a maior parte de muito perto, mas todo animado por uma amizade que eu sei que é sincera. E a amizade, o amor, a gratuitidade são as coisas mais lindas que se pode partilhar com os amigos e são as únicas forças que fazem avançar a humanidade na direcção mais correcta.
Fiquei muito contente por sentir que era amado e querido. Não é o que todos precisamos, como do pão para a boca? Estas são emoções que nos mantêm vivo e nos tornam mais pessoa. E quanto mais anos passam, mais gosto destas manifestações. Até porque vivemos numa sociedade que atira os velhotes para o caixote do lixo.
No sábado tive uma grande festa. Eu gostei muito, embora tivesse algum receio do que iria sair daquelas "idiotices" que me passaram pela cabeça e que os amigos têm a bondade de aceitar.
Tinha receio porque nesses cerca de 80 amigos havia-os de todas as gerações e de vários "credos". E eu gostaria de lhes contar um pouco da minha vida e queria também dar uma prova visível da minha condição de católico, mas de modo que nenhum deles se sentisse excluído ou violentado a suportar um frete. Mas pelo que vi e senti parece-me que não tinha razão para tantos receios. Os mais novos já me conhecem para saber que sou assim. Continuo a ser um sonhador de uma vida outra e às vezes esqueço a vida em que estamos. Mas é o sonho que comanda a vida, mesmo, e sobretudo, para aqueles para quem a vida tem sido madrasta. Os mais velhos esses conhecem-me de ginjeira e esperam tudo de mim. São todos uns queridos.

Fazer setenta anos para mim foi muito bonito. Foi muito bonito porque significa que estou vivo, que ainda sinto e vibro com a vida, que tenho muitos amigos, incluindo a minha mãe com os seus 92 anos.
Foi um tempo de olhar para trás. Partilhei com os amigos algumas das grandes fases desta trajectória já longa que começou num espaço tão perdido no tempo e num tempo tão fechado no espaço que nada faria prever que tomasse o rumo que tomou. Mas foi uma caminhada bonita. Fui um tipo cheio de sorte. Vivi dificuldades, como todos, mas o somatório é uma vida feliz. Por isso, resolvi partilhar também aqui, com os que não puderam estar presentes, alguns dos tempos fortes da minha vida: os meus sonhos, as minhas dúvidas, as minhas perguntas, as minhas decepções, as minhas convicções.   
Não sei se adiantará alguma coisa a alguém. Mas eu nunca escrevi para converter ninguém. Só tenho escrito para desafiar as pessoas a pensar e a pensar-se para todos podermos ser verdadeiros agentes da história.
Não sei se adiantará alguma coisa a alguém, mas um testemunho não é para ninguém. É para mim, para me rever, me revisitar, fazer um balanço (espero que não seja final), que me permita ir mudando o muito que há para rectificar. Mas sobretudo serve para eu me maravilhar mais uma vez com este milagre que é a vida, que é estar vivo, que é pasmar perante o céu estrelado que insinua a longa história do Universo desde o Big Bang até este momento, que é encher os olhos de lágrimas por um lindo pôr do sol, que é rasgar um sorriso pelos amigos que tenho, que é reviver todos os dias os milagres que apenas duas dúzias de letras realizam ao irmanarem-se num poema ou num romance ou os que sete simples notas musicais transformam em acordes tão sublimes que mergulham até ao profundo da nossa alma e põem todo o nosso sistema psico-somático a vibrar em harmonia.

Vivemos no meio de milagres. Mas não os vemos, porque são tantos que já saturaram a nossa capacidade de enamoramento, de espanto, de admiração, de paixão. Será pecado falar da beleza num mundo tão marcado pela maldade? Acho que não. O mundo está tão marcado pela maldade porque nós não nos admiramos com a bondade, não a publicitamos, não nos comovemos com ela, não a pegamos aos outros.

Por isso eu continuo a admirar o milagre da vida nas suas multifacetadas formas.

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