divórcio ou casamento eterno?...

2012-02-27

AS TRÊS TENTAÇÕES PRIMORDIAIS E UNIVERSAIS


Embora o Evangelho deste domingo, por ser de S. Marcos, não especifique as tentações, elas são bem conhecidas dos outros dois Sinópticos. Elas são um marco fundamental não só na vida de Jesus, mas também na nossa. Todos conhecem o seu teor que recordo rapidamente, na versão de Lucas, já que Mateus inverte a ordem da segunda e da terceira:
- a primeira é tentação do pão: Jesus, depois de um prolongado Jesus, foi tentado a transformar as pedras em pão. A sua resposta remete-nos para algo de mais fundamental: O homem precisa realmente de pão (tem que estar vivo), mas não pode viver só do pão;
- a segunda é a tentação do poder: O tentador mostra-lhe todos os reinos da terra e diz-lhe: “tudo isto te darei se me adorares”. A resposta de Jesus é também algo de profundo: só a Deus adorarás e prestarás culto”;
- a terceira é a tentação do milagre, do domínio absoluto das leis da natureza, ou se quisermos, numa perspectiva mais actual, do poder religioso: “Atira-te daqui a baixo que Deus mandará os anjos para que não te magoes”. Perante esta insistência, Jesus recorda “Não tenarás ao Senhor, teu Deus”.


Antes de uma reflexão sobre cada uma das tentações, é oportuno fazer uma introdução geral.
Realmente estas três tentações resumem as tentações a que estamos todos sujeitos ao longo da nossa vida. São uma espécie de compêndio das tentações primordiais e universais, porque têm a ver com o pão (dimensão económica), com o poder (dimensão política) e com a ideologia (dimensão religiosa). Todos somos confrontados com elas, nalgum momento da nossa vida ou mesmo durante toda a vida. Melhor: todos devemos encará-las seriamente (“indo para o deserto” como Jesus fez antes de iniciar a sua vida pública) antes de assumirmos qualquer compromisso. Não podemos ignorar que todos temos um determinado poder, por menor ou maior que seja a nossa esfera de influência, e que podemos usá-lo melhor ou pior. Dito por outras palavras, todos temos de tomar decisões e todas elas implicam o confronto com estas tentações, que, no fundo, são tentações acerca do uso, bom ou mau, do poder na vida do dia a dia, na vida política e no comportamento religioso.


Uma das reflexões que mais aprecio é que Dostioevski faz na sua lenda ou poema do Grande Inquisidor, que faz parte do capítulo V do seu livro, Os Irmãos Karamazovs, de que irei fazer várias e amplas citações (pp.223ss da edição do Estudios Cor, 1958).
Ora, Dostoievski começa exactamente por esta mesma ideia geral, mas fá-lo de um modo muito mais sublime:
O Espírito terrível e profundo, o Espírito da destruição e do nada falou-Te no deserto e as Escrituras contam-nos que ele Te tentou. É verdade? E podia-se diz algo de mais penetrante que o que figura nas três perguntas, ou, para falar como as Escrituras, nas tentações que Tu repeliste? Se jamais houve na Terra um milagre autêntico e retumbante, esse foi o dia dessas três tentações. O simples facto de haver formulado as três perguntas constitui um milagre. Suponhamos que houvessem desaparecido das Escrituras, que fosse necessário reconstituí-las, imaginá-las de novo para as restabelecer, que se reuniam, para esse efeito, todos os sábios da mundo, homens de Estado, prelados, homens de ciência, filósofos, poetas, e se lhes dizia: "Imaginai, redigi três perguntas que não somente correspondam à importância do acontecimento, mas exprimam também em três frases, toda a história da humanidade futura”; crês Tu que este areópago da sabedoria humana pudesse imaginar algo de tão profundo como as três perguntas que Te propôs uma vez o Espírito poderoso? Estas três perguntas demonstram por si mesmas que estamos a contas com um Espírito eterno e absoluto e não humano e transitório, visto resumirem e predizerem ao mesmo tempo toda a história ulterior da humanidade; são as três fórmulas em que se cristalizam todas as contradições insolúveis da natureza humana. Então, não era fácil ver isto, pois o futuro estava oculto, mas hoje, decorridos quinze séculos, sabemos que tudo fora previsto nestas três perguntas e que se realizou a tal ponto que é impossível acrescentar-lhes ou tirar-lhes uma só palavra” (p. 228).

Para os cristãos, elas assumem uma ressonância especial, pois, como dizia Congar, onde Jesus triunfou, fazendo possível um caminho de nova humanidade (Reino), com muita frequência os cristãos caíram, convertendo a mensagem-Reino de Jesus numa questão de economia, política e ideologia (X. Pikaza).

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