Escola de virtudes
Em primeiro lugar, quero cumprimentar todos os que me visitaram nesta ausência de uma dúzia de dias. Não foi por razões de saúde, mas mais de preguiça (disse-me alguém, certamente para me consolar, que pode ser sequela da anestesia geral: espero bem que sim?!...) e de outras actividades.
Gostaria de partilhar convosco uma reflexão que fiz sobre a minha estadia no hospital que se transformou também numa verdadeira catequese sobre as virtudes teologais, cardeais e humanas.
Para isso reproduzo o artigo que enviei para o Correio de Coimbra.
Nestes quase dois meses que me “retirei de circulação”, o mundo continuou a rodar e muitas coisas solicitaram a nossa qualidade de cidadãos. Contudo, gostaria ainda de por mais esta vez voltar à minha experiência pessoal.
Fazer uma operação é assim como ter um filho. Todos os dias nascem milhares de filhos, mas, quando é o nosso, o mundo parece que pára e ali ficamos nós embevecidos a olhar uma “coisinha” tão banal e tão “única e irrepetível”. Todos os dias acontecem milhares de operações, mas quando é a nossa vez de ser operado também nos parece que o mundo pára e que vivemos um acontecimento único. Por isso, desculpar-me-ão de voltar a este tema que foi uma vivência de várias virtudes forçadas pelas circunstâncias e cimentadas pela dor.
A primeira virtude que tive que viver foi a da humildade, no seu sentido original: “o que não se levanta da terra, o que tem consciência das suas limitações”. Virtude tão esquecida hoje e no entanto tão humana: bastará recordar que humildade e homem têm a mesma raiz etimológica. Percebi nos primeiros dias o que é a nossa finitude extrema, que nos leva a uma dependência absoluta dos outros: incapaz de me mexer, de satisfazer as necessidades básicas, ali estava à espera que alguém me ajudasse a viver. Mas, num aparente paradoxo, é nesta situação que nos tornamos o “centro do mundo”, não pela nossa força ou poder, mas precisamente pela nossa fraqueza. É a nossa fraqueza que, ao tornar-nos necessitados dos outros, atrai e concita a sua atenção e o seu carinho. Esta dependência humana é o sacramento da nossa absoluta dependência de Deus que nos ama e nos acompanha primeiro que tudo por causa das nossas limitações e das nossas dificuldades. Deus tem uma especial predilecção pelos mais fracos, faz a sua opção pelos mais carenciados. Por isso das nossas fraquezas ele nos faz fortes. Mais ainda, Deus “escolheu os que são fracos para confundir os fortes” (1Cor 1,27). Humildade: uma virtude tão humana como cristã!
Nestas circunstâncias, a fé ou confiança é absolutamente fundamental. Tive que ter fé em muita gente, na sua competência e no seu saber, mas sobretudo ter fé que eles não me iam dar o medicamento errado ou cortar algo desnecessário ou que, quando tocasse a campainha, me viriam ajudar e ajudar correctamente. Isto só veio confirmar que mesmo no dia a dia a fé é indispensável. Temos que acreditar que, por exemplo, o padeiro coze realmente farinha para fazer o pão ou o mecânico coloca a peça correcta quando faz a revisão do carro. Também esta fé é sacramento de uma outra fé mais profunda, a fé em Deus que nos criou, nos sustenta e nos ama. Fé: virtude tão humana como cristã!
Depois há a esperança. Esperança de que os tratamentos que me deram são os mais indicados, que me vão ajudar a recuperar a plenitude possível das minhas funções. Sem fé é muito difícil haver esperança, pois para esperar algo dos tratamentos preciso de acreditar em quem mos ministra. Também esta esperança é sacramento da esperança teológica: a esperança de alcançar o Reino de Deus definitivo pressupõe a fé no Deus libertador e salvador. Esperança: virtude tão humana como cristã!
Finalmente a caridade. A caridade, a que hoje se prefere chamar solidariedade (sinal de uma sociedade laica ou da desvalorização que os próprios cristãos fizeram da caridade-agapé?), foi praticada por quem me tratou qual bom samaritano. Mas aqui a caridade não foi apenas um exercício daqueles que me trataram directamente, mas uma virtude alargada que incluiu estes profissionais “próximos”, mas também toda uma cadeia de tantos desconhecidos que, ao longo da história, foi descobrindo medicamentos, instrumentos e técnicas de intervenção, meios de diagnósticos, etc.. Um dos exames que tive de fazer – o PET – incluía até o transporte de Espanha até Coimbra de uma substância radioactiva, ainda não produzida em Portugal. A caridade exerce-se de muitas maneiras conforme as circunstâncias, as necessidades de quem sofre e as capacidades de quem se dispõe a ser próximo para o outro. Também esta caridade-solidariedade (cf. SRS 40) é sacramento do grande amor, da caridade-solidariedade do nosso Deus que “amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único” (Jo 3,16). Caridade: virtude tão humana como cristã!
Estes dias no hospital foram certamente a melhor catequese que tive sobre as virtudes. Podia ainda incluir as quatro cardeais: a prudência, com a escolha dos justos meios para alcançar as minhas melhoras; a justiça, ao ser-me dado o que me era devido como cidadão, neste caso, a saúde ou a qualidade de vida; a fortaleza, sem a qual não teria sido fácil suportar a dor e acreditar que o nosso Deus é absolutamente justo e sempre quer o nosso bem; e até a temperança, enquanto assegura o domínio da vontade sobre os instintos e proporciona o equilíbrio no uso dos bens criados (Catecismo da Igreja Católica, 1804-1809)
Fazer uma operação é assim como ter um filho. Todos os dias nascem milhares de filhos, mas, quando é o nosso, o mundo parece que pára e ali ficamos nós embevecidos a olhar uma “coisinha” tão banal e tão “única e irrepetível”. Todos os dias acontecem milhares de operações, mas quando é a nossa vez de ser operado também nos parece que o mundo pára e que vivemos um acontecimento único. Por isso, desculpar-me-ão de voltar a este tema que foi uma vivência de várias virtudes forçadas pelas circunstâncias e cimentadas pela dor.
A primeira virtude que tive que viver foi a da humildade, no seu sentido original: “o que não se levanta da terra, o que tem consciência das suas limitações”. Virtude tão esquecida hoje e no entanto tão humana: bastará recordar que humildade e homem têm a mesma raiz etimológica. Percebi nos primeiros dias o que é a nossa finitude extrema, que nos leva a uma dependência absoluta dos outros: incapaz de me mexer, de satisfazer as necessidades básicas, ali estava à espera que alguém me ajudasse a viver. Mas, num aparente paradoxo, é nesta situação que nos tornamos o “centro do mundo”, não pela nossa força ou poder, mas precisamente pela nossa fraqueza. É a nossa fraqueza que, ao tornar-nos necessitados dos outros, atrai e concita a sua atenção e o seu carinho. Esta dependência humana é o sacramento da nossa absoluta dependência de Deus que nos ama e nos acompanha primeiro que tudo por causa das nossas limitações e das nossas dificuldades. Deus tem uma especial predilecção pelos mais fracos, faz a sua opção pelos mais carenciados. Por isso das nossas fraquezas ele nos faz fortes. Mais ainda, Deus “escolheu os que são fracos para confundir os fortes” (1Cor 1,27). Humildade: uma virtude tão humana como cristã!
Nestas circunstâncias, a fé ou confiança é absolutamente fundamental. Tive que ter fé em muita gente, na sua competência e no seu saber, mas sobretudo ter fé que eles não me iam dar o medicamento errado ou cortar algo desnecessário ou que, quando tocasse a campainha, me viriam ajudar e ajudar correctamente. Isto só veio confirmar que mesmo no dia a dia a fé é indispensável. Temos que acreditar que, por exemplo, o padeiro coze realmente farinha para fazer o pão ou o mecânico coloca a peça correcta quando faz a revisão do carro. Também esta fé é sacramento de uma outra fé mais profunda, a fé em Deus que nos criou, nos sustenta e nos ama. Fé: virtude tão humana como cristã!
Depois há a esperança. Esperança de que os tratamentos que me deram são os mais indicados, que me vão ajudar a recuperar a plenitude possível das minhas funções. Sem fé é muito difícil haver esperança, pois para esperar algo dos tratamentos preciso de acreditar em quem mos ministra. Também esta esperança é sacramento da esperança teológica: a esperança de alcançar o Reino de Deus definitivo pressupõe a fé no Deus libertador e salvador. Esperança: virtude tão humana como cristã!
Finalmente a caridade. A caridade, a que hoje se prefere chamar solidariedade (sinal de uma sociedade laica ou da desvalorização que os próprios cristãos fizeram da caridade-agapé?), foi praticada por quem me tratou qual bom samaritano. Mas aqui a caridade não foi apenas um exercício daqueles que me trataram directamente, mas uma virtude alargada que incluiu estes profissionais “próximos”, mas também toda uma cadeia de tantos desconhecidos que, ao longo da história, foi descobrindo medicamentos, instrumentos e técnicas de intervenção, meios de diagnósticos, etc.. Um dos exames que tive de fazer – o PET – incluía até o transporte de Espanha até Coimbra de uma substância radioactiva, ainda não produzida em Portugal. A caridade exerce-se de muitas maneiras conforme as circunstâncias, as necessidades de quem sofre e as capacidades de quem se dispõe a ser próximo para o outro. Também esta caridade-solidariedade (cf. SRS 40) é sacramento do grande amor, da caridade-solidariedade do nosso Deus que “amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único” (Jo 3,16). Caridade: virtude tão humana como cristã!
Estes dias no hospital foram certamente a melhor catequese que tive sobre as virtudes. Podia ainda incluir as quatro cardeais: a prudência, com a escolha dos justos meios para alcançar as minhas melhoras; a justiça, ao ser-me dado o que me era devido como cidadão, neste caso, a saúde ou a qualidade de vida; a fortaleza, sem a qual não teria sido fácil suportar a dor e acreditar que o nosso Deus é absolutamente justo e sempre quer o nosso bem; e até a temperança, enquanto assegura o domínio da vontade sobre os instintos e proporciona o equilíbrio no uso dos bens criados (Catecismo da Igreja Católica, 1804-1809)
2 Comentários:
Eu estava a ficar preocupado por esta ausência. Não por não estar a par da tua recuperação, mas que estivesse a acontecer alguma coisa parecida com o o nosso amigo Zé Beirão. Mas pronto. Gosto de ler o que escreves. Por isso cá estou.
Um abraço
AS
21/3/06 09:08
Anda não readquiri o ritmo, mas espero não demorar muito.
Isto de ser preguiçoso também cansa.
23/3/06 16:59
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