divórcio ou casamento eterno?...

2006-03-07

O desafio da Oração

Uma das questões que se me colocaram quando fui informado do problema sério de sáude que me atingiu foi o confronto com uma velha questão minha: a oração deve ser para pedir a Deus que, neste caso, me cure ou para me dar forças para aceitar a sua vontade?
Tão habituados estamos a fazer da oração um pedido que a tentação é logo pedir a Deus que nos cure, nos dê saúde e muita vida. Mas se não for essa a sua vontade ou o seu projecto a nosso respeito, como é?!
Como devemos rezar? O exemplo de Jesus sempre me marcou profundamente: "Meu Pai, se é possível, afasta de mim este cálice. Contudo não se faça como eu quero, mas como tu queres". Foi este um dos temas da crónica que ontem mandei para o Correio de Coimbra e que aqui reproduzo na íntegra para os interessados:

Nesta estrada que me conduz, espero eu (ou estarei a cair no gravíssimo pecado de “presunção de salvação sem merecimento”, como ensinava o meu antigo catecismo?), à plenitude do Reino de Deus, tive um acidente que me obrigou a encostar às boxes.
Algum tempo depois de me ter sido tirado um quisto de gordura, vieram as análises dizer que era maligno. Tumor maligno é uma palavra tão banal como terrível pois logo a associamos a cancro e, consequentemente, a morte muito próxima antecedida de tratamentos muito agressivos.
Perante esta inesperada notícia ocorreram-me três palavras bíblicas.
A primeira é de Job: “Deus mo deu, Deus mo tirou. Que o Senhor seja louvado!” (2,21). Ao repetir esta palavra, fiquei feliz por não ter dito “Porquê a mim? Que mal fiz a Deus?”, como se eu merecesse um tratamento especial da parte de Deus ou como se estas coisas não acontecessem todos os dias a tanta gente. É que esta era uma das minhas dúvidas: “será que a minha fé resiste a uma contrariedade grave? Como “tratarei” Deus nessa situação?”. Por isso respirei fundo e dei graças a Deus, na presunção (outro pecado!?) de que talvez ame mesmo a Deus.
A segunda palavra tirei-a de S. Paulo e vou citá-la em latim dada a sua musicalidade: “bonum certamen certavi, cursum consummavi, fidem servavi” (2Tim 4,7). Com uma “pequena” diferença. S. Paulo fazia uma afirmação; eu faço uma pergunta: Será que “combati o bom combate, percorri (bem) o meu caminho, guardei a fé”? Então lembrei-me das angústias da minha avó que tanto se lamentava: “Ai filha quando morrer vou de mãos vazias. Eu sou uma burrinha (entenda-se “não sei ler nem escrever”). O que será de mim!?”. Angústias que a minha mãe também repete, ela que tem uma fé tão grande, ela que me ensinou a amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como sua imagem. Será que a proximidade da morte nos faz ver o tão pouco que fizemos em louvor e testemunho do nosso Deus? Quando eu digo a Deus que quero ser seu instrumento, mesmo “enferrujado” (apesar de tantas vezes procurar fugir a este propósito: cf. a “desconversa” de Moisés com Deus (Ex 3-4) na qual tanta vez me revejo) estou a traçar um programa de vida ou apenas a fazer um discurso falado sem consistência prática?
A terceira palavra vem do Jardim das Oliveiras: “Meu Pai, se é possível, afasta de mim este cálice. Contudo, não se faça como eu quero, mas como tu queres” (Mt 26,39). Estas palavras de Jesus colocaram-me sempre problemas existenciais profundos. O que devia eu rezar a Deus: “Cura-me” ou “Faça-se a tua vontade”? No primeiro momento, a tentação foi pedir a cura. Mas resisti e acabei por pedir a Deus que me desse forças para aceitar a sua vontade. É que a vontade de Deus podia não ser a minha cura. E pedir a cura pode gerar um “conflito de interesses”.
Mas este dilema coloca-me o problema que poderia chamar da “eficácia da oração”. Se Deus tem um projecto para mim (como para cada um de nós), eu devo pedir-lhe para me tirar esse projecto e substituí-lo pelo que mais me agrada ou devo aceitar incondicionalmente o projecto de Deus a meu respeito? O Evangelho e os Salmos estão cheios de oração de súplica: “Cura-me”, “Liberta-me dos meus inimigos”. O Evangelho mais que uma vez ensina “Pedi e recebereis” (Mt 7,7) e “com insistência” (Mc 5,10.23) quanto mais não seja para calar os importunos que insistem e voltam a insistir (Lc 11,8). Mas também vai dizendo ”Não é o que diz ‘Senhor, Senhor’ que entrará no reino dos céus, mas o que faz a vontade de meu Pai” (Mt 7,21).
Por isso não pedi a Deus que me curasse, mas que me desse forças para aceitar sem revolta a sua vontade. A oração não tem que ser só petição, nem uma tentativa de alterar a vontade de Deus, menos ainda uma espécie de cunha que pode raiar o suborno: “Não tentes corrompê-lo com presentes, porque Ele não os receberá. Não te apoies num sacrifício injusto. Porque o Senhor é justo e não faz distinção de pessoas. " (Eclo 35, 11-12). Há certamente muitas formas de oração (e cada um ainda terá a sua), mas ela deve ser sobretudo uma conversa amorosa entre a criatura infinitamente carenciada e Deus infinitamente bondoso, um diálogo amoroso entre um filho e um Pai que tudo sabe e não irá certamente dar ao filho “uma pedra em vez de um pão” (Mt 7,9).
Só falei da minha experiência interior e dos primeiros momentos de um processo ainda em curso. Mas tudo teria sido muito mais difícil não fosse o apoio da minha mulher (“Fomos sempre tão felizes em tantos anos de casados. Não é uma grande graça que Deus nos fez?”), da minha filha (“aceitar a vontade de Deus é o melhor caminho para a paz interior”), do meu filho (“é proibido chorar ao pé do pai”), da minha mãe e da mãe que a minha mulher me deu (ambas “gente de muita fé” e de muito amor aos outros), dos meus irmãos, cunhados e sobrinhos (que tiveram gestos e palavras que na sua tocante solidariedade me mostraram o amor que eu sei que eles têm por mim, mesmo quando não o expressam de viva voz), dos muitos amigos que telefonaram, procuraram saber notícias, mandaram recados e até de desconhecidos que sempre deixavam na Net um “força, estamos contigo”. E também o carinho dos médicos, enfermeiros e todos os que estiveram ao meu serviço quando me encontrava absolutamente limitado e incapaz de me bastar.
Tempos de dor, tempos de solidariedade, tempos de testar a seriedade da nossa fé.
Louvado seja Deus por tanta coisa boa que me deu ao longo da minha vida e neste momento muito especial.

2 Comentários:

Blogger xana disse...

Que bom....saber.
Gostei de ler este teu post.
Paz e Bem.

8/3/06 19:18

 
Anonymous Anónimo disse...

Paz y Bien

9/3/06 13:57

 

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