Dia da Mãe
Ontem celebrei o Dia da (minha) Mãe: dei-lhe uma flor; "recitei"-lhe o "Minha mãe, Minha mãe! Ai que saudade imensa, / Do tempo em que ajoelhava, orando ao pé de ti." de Guerra Jnnqueiro, passei grande parte do dia com ela, rezámos à Nossa Mãe.
Não se trata de nostalgia (ou talvez haja um bocadinho), mas é também um duplo protesto:
- contra a sociedade de consumo: quando chegamos a Maio e assistimos àquele massacre publicitário, ficamos sem saber se a flor é para nossa mãe ou é uma concessão ao consumismo; nem sequer nos deixam sentir a culpa de nos termos esquecido ou a alegria de nos termos lembrado;
- contra a mudança da data: Nossa Senhora, para os católicos, é a mãe por excelência; por isso não entendo por que foi feita esta alteração. Não era este o dia ideal para recordar as mães, juntamente com a Mãe? Como não acredito que tenha sido uma atenção para com a sociedade laica, resta-me suspeitar que a mudança queira separar as mães pecadoras (sim, porque as nossas mães também são pecadoras!) de Maria, a Imaculada Conceição. E se assim foi, não estamos muito longe de uma tradição longa na Igreja de exaltar tanto Maria (não houve no Concílio fortes pressões pelo lado da minoria para que ela fosse declarada co-redentora e, portanto, quase divina?) quanto desvalorizar e acusar a mulher: a Eva sedutora e pecadora vs. Maria salvadora e imaculada.
Aliás... e lá vai mais uma heresia. Eu acho que Maria não merecia a "desconsideração" que, na minha opinião, lhe faz o dogma da Imaculada Conceição: liberta do pecado original, ela não terá sofrido as consequências negativas e, portanto, ter-lhe-á sido mais fácil, muito fácil levar uma vida de santa: sem pecado original, não se encontraria ela na situação de Adão e Eva no paraíso antes da "queda"? Certamente que não, pois todo o mundo à sua volta estava marcado por esse pecado; mas ela teria tido a sua vida facilitada ou não? Ora são estas suspeitas, perfeitamente legítimas, que o dogma da Imaculda Conceição permite levantar. Se ela recebeu um tratamento VIP da parte de Deus, eu, que não mereci este tratamento, tenho mais que desculpas para não ser (tão) santo como ela. Ora eu admiro muito, amo muito Maria, a sua solidariedade que manifesta logo com a prima; a violência que sofreu da opinião pública quando aceitou ser mãe de Deus e apareceu grávida antes de casar com José; a sua simplicidade, humildade e dedicação a José e a Jesus; a preocupação discreta, mas muito atenta, para com os outros, como se viu nas bodas de Caná; o sofrimento atroz que deve ter sentido quando perdeu o Menino no templo, quando disseram que ele estava doidinho e sobretudo quando foi pregado na cruz. Isto é, teve uma vida igual à de cada um de nós e nisto nos deve servir de modelo e incentivo. Que pena terem-lhe proclamado este dogma, que a torna tão diferente de nós. Amo muito Maria, a nossa irmã do dia dia; celebro a Imaculada Conceição, a santa privilegiada de Deus.
Uma exegese antiga defendia que Nossa Senhora para ser mãe de Jesus (Deus) devia ser isenta de todo o pecado. Nós muito gostamos de pôr as nossas ideias e pré-conceitos na "cabeça" de Deus. Como se Deus fosse o que nós pensamos que Ele é.
O que Jesus (ou pelo menos a comunidade de Mateus) nos veio dizer foi exactamente o contrário. Os que não se lembram peguem no Evangelho segundo S. Mateus e analisem o primeiro capítulo. O mais importante, para mim, é que nesta genealogia de Jeus, aparecem quatro mulheres, todas elas "pouco recomendáveis": Tamar, a incestuosa que se disfarça de prostituta (Gn 38,14-30); Rahab, uma das prostuitutas mais famosas do seu tempo (Jos 2,1-24); Rute, uma estrangeira (Rut 1,1-22); Barsabeia, uma adúltera (2SAm 11,2-5). Jesus não receou assumir as suas ascendentes nem pediu ao Pai para lhes arranjar quatro santas avós!
Que Deus maravilhoso o nosso!
5 Comentários:
Gostei muito deste teu texto. Força para o resto!
Confesso-te que não te tenho vindo ler, por falta de coragem.
Peço as bençãos de Deus para ti e para a tua família.
9/12/06 16:44
Olá,
Há muito tempo que penso mais ou menos o mesmo sobre esta questão do dogma da Imaculada Conceição. Sempre me pareceu que, inclusivamente, contrariava e diminuia o essencial de outro dogma, a Encarnação. Mas isto são "heresias" que se devem escrever em letra pequena... :)
9/12/06 19:10
Zé, obrigado por teres escrito este texto.
Espero que nos encontremos 3ª feira.
Um abraço
9/12/06 22:46
Venho pela primeira vez a este blog para saudar o nosso comum amigo a quem a amizade e a familiaridade tratam carinhosamente por Zé.
Tenho procurado inteirar-me na medida do possível do seu estado de saúde e da evolução da sua doença e neste espaço cibernético tenho conseguido actualizar as informações que vou colhendo sobre o seu estado. Continuamos a rezar cá em casa para que nele se cumpra a vontade do nosso bom Deus e para que o nosso comum amigo não desanime nem desfaleça no percurso da sua prova porque “o espírito pode ser forte mas a carne é sempre fraca”. E não há-de desanimar nem fraquejar porque sabe bem conservar-se unido a Cristo, o Servo Sofredor. Sabemos que o nosso amigo Zé tem a consciência de que, à imagem do Filho do Homem, está no deserto onde não pode abrir mão de nada porque tudo lhe falta, excepto a presença de Deus.
Gostei de ler o seu “Dia da Mãe” escrito a 9.12.06 e não resisti à tentação de meter foice em seara alheia complicando ainda mais a sua “heresia” como diz o nosso bom amigo Zé:
A Virgem Maria, apesar de Deus a ter enchido de Graça (a graça santificante) e de dons, desde o primeiro momento da sua existência no ventre de sua mãe, não a dotou também da primeira prerrogativa do amor que é a liberdade?
Mas a Virgem Maria declarou-se “a escrava” ou “a serva” do Senhor e com essa afirmação não queria ela dizer que sujeitaria o seu livre arbítrio à vontade do Altíssimo?
Não diz Santo Agostinho que Maria foi bem-aventurada, teve mais mérito, mais por fazer-se discípula de seu Filho do que por ter sido Sua Mãe?
Ensina a Igreja que Maria foi privilegiada com a antecipação dos méritos que Jesus Cristo alcançou para todo o género humano por meio da Sua Paixão, Morte e Ressurreição.
Sabemos que os dons que Deus concedeu a Adão e Eva logo depois de terem sido criados e que eles possuíram até ao momento do pecado da soberba que cometeram, foram os dons preternaturais além dos dons sobrenaturais. Graças aos primeiros eles gozavam de uma sabedoria imensamente superior e um conhecimento natural de Deus e do mundo, com clareza e sem obstáculos, sem terem necessidade de frequentar alguma escola; gozavam de uma elevada força de vontade e o perfeito controlo das paixões e dos sentidos que lhes proporcionavam perfeita tranquilidade interior e ausência de conflitos pessoais; e, no plano físico, foram dotados da ausência da senilidade, da dor e da morte. E com a Virgem Maria, não foi também assim? Se não tivessem pecado, quando terminassem os seus anos de vida neste mundo, os nossos primeiros pais entrariam na vida eterna em corpo e alma, sem experimentarem a terrível separação de alma e corpo (a morte).
Ora, se Nossa Senhora foi preservada, por graça especialíssima de Deus, do pecado das origens, não nos será legítimo deduzir que tenha sido dotada também dos dons preternaturais (além dos dons sobrenaturais) e que, por isso, gozou neste mundo de uma sabedoria imensamente superior e um conhecimento natural e sobrenatural de Deus e não foi sujeita à morte tendo sido elevada ao Céu, em corpo e alma, porque uma vez que não conheceu o pecado não podia morrer?
Se a Virgem Maria foi favorecida pelos dons preternaturais que lhe serviam de “escudo” e “couraça” para a proteger das dificuldades e das ameaças do pecado neste mundo não precisando ela de lutar contra as tentações, deixará Deus em desvantagem final aquele ou aquela que se mantém sempre fiel à vontade do Senhor apesar de contínuas lutas, renúncias e actos de caridade?
Não me devo alongar porque quanto mais me alongo mais disparates escrevo.
Um abraço para o nosso amigo Zé Dias do Zé Ferraz que no dia 27 deste mês conta encontrar-se consigo no CPD.
16/1/07 14:41
Depois de terminar e editar o meu comentário no blog lembrei-me que seria oportuno, para quem me lesse, transcrever o seguinte soneto proferido pelo diabo na boca de um menino de 12 anos, possesso, quando estava sendo exorcizado por dois sacerdotes que, para humilharem e dominarem o espírito diabólico que atormentava o menino, lhe ordenaram que confessasse a veracidade do dogma da Conceição Imaculada de Maria. E o diabo declamou:
Sou verdadeira mãe de um Deus que é Filho,
E sou Sua filha, ainda ao ser-Lhe mãe;
Ele de eterno existe e é meu Filho,
E eu nasci no tempo e sou Sua mãe.
Ele é meu Criador e é meu Filho,
E eu sou Sua criatura e Sua mãe;
Foi divinal prodígio ser meu Filho
Um Deus eterno e ter a mim por mãe.
O ser da mãe é quase o ser do Filho,
Visto que o Filho deu o ser à mãe
E foi a mãe que deu o ser ao Filho;
Se, pois, do Filho teve o ser a mãe,
Ou há-de-se dizer manchado o Filho
Ou se dirá Imaculada a Mãe.
Outro abraço do Zé Ferraz
16.Jan.07
16/1/07 17:52
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