divórcio ou casamento eterno?...

2006-10-20

Défice ecológico

A propósito da notícia que não vi passar em nenhum telejornal e apenas li no fundo de uma página interor de um jornal diário - a Terra está em saldo negativo ecológico desde o dia 9 de Outubro, isto é, já gastámos nos primeiros nove meses o que a Terra tem para nos dar para o ano inteiro - escrevi um comentário para a revista Além-Mar que gostaria de partilhar convosco. Aí vai:

No passado 9 de Outubro, sem darmos por isso, aconteceu um facto demasiado perigoso. Nesse dia esgotámos os recursos que a Terra nos pode dar para o ano todo. É como se alguém que tivesse mil euros para gastar anualmente, os tivesse gasto até Outubro. Ora o ritmo a que estamos a delapidar a nossa conta bancária ecológica está a tornar-se : em 1987, acabou a 19 de Dezembro; em 1995, a 21 de Novembro e este ano a 9 de Outubro.
Este saldo negativo ecológico não se vê, pois a terra aí está tão grande e tão sólida; o petróleo, apesar do preço, produz-se aos milhões de barris por dia; o sol, o vento ou as marés “oferecem” energias renováveis. No entanto, já começámos a tomar consciência de que nem tudo está bem: os governantes penalizam as poluições e o cidadão comum já percebeu que afinal a Terra não é tão grande nem tão rica como se pensava. Apesar disso, é urgente continuar a pressionar a opinião pública para que adquira uma verdadeira consciência ecológica e se comporte de modo a evitar as consequências desastrosas que já começam a fazer-se sentir. O principal perigo é que ainda não percebemos que estes efeitos tão grandiosos resultam dos minúsculos gestos que cada um de nós faz no seu dia a dia. É certo que cada um dá um contributo muito pequeno. Contudo, esses pequenos nadas são multiplicados por milhões, dando um resultado final muito significativo. Ora é esta operação de multiplicar por milhões que ainda não interiorizámos.
Mas não basta pensar em termos de ecologia física ou ambiental, a que deteriora a natureza. É preciso ir mais longe. Já há 15 anos, João Paulo II falava de ecologia social e ecologia humana (Centesimus annus, 37-39), dimensões que temos de ter em conta, pois como se lamentava o Papa, “empenhamo-nos demasiado pouco em salvaguardar as condições morais de uma autêntica ecologia humana“ (38).
A ecologia social requer uma nova consciência da solidariedade, que obrigue cada país a aceitar as responsabilidades próprias nas causas e na solução da crise ecológica e obrigue cada geração a reconhecer que os que vierem depois de nós têm o direito inalienável de encontrar uma Terra habitável. Aqui deparamo-nos com o obstáculo dos nossos egoísmos individuais, grupais, nacionais, continentais e generacionais: teremos de aprender a pensar nos outros, próximos ou distantes, no espaço mas também no tempo. E o primeiro exercício, já tão discutido e tão programado, deve ser a erradicação da pobreza.
A ecologia humana, por outro lado, implica combater todas as ameaças contra a vida no seio da família ou da sociedade, implementar para todos os serviços básicos vitais, educar para um consumo equilibrado e um comportamento responsável mas sobretudo para uma “cultura da vida” na qual todos e cada um tenham vida e a tenham em abundância.
Precisamos para isso, que o lobo do Norte conviva com o cordeiro do Sul e o leão do Oeste coma ao lado do urso do Leste (cf. Is 11,3-8, que acrescenta: “Não julgará pelas aparências, mas julgará os pobres com justiça e com equidade os humildes da terra”). Precisamos que as armas de destruição maciça, instrumentos de morte, se convertam em arados, instrumentos do pão, e em computadores, instrumentos de cultura (cf Is 2,4, que acrescenta: “uma nação não levantará a espada contra outra”).
Sonhos de um louco visionário? Para uns não, passará de uma utopia, porque ainda não existe em nenhum lugar da terra. Para mim e para outros, já está presente em muitos pequenos gestos de solidariedade, fermento e embrião do Reino de Deus, no qual “voltaremos a encontrar, iluminados e transfigurados, os valores da dignidade humana, da comunhão fraterna e da liberdade, esses frutos excelentes da nossa natureza e do nosso trabalho, depois de os termos espalhados pela terra segundo o mandamento do Senhor” (GS 39).É que a nossa missão não é apenas pregar o Reino de Deus mas de, testemunhando-o, o ir construindo. Porque, embora de modo misterioso, o Reino de Deus é não só um dom mas também uma conquista.

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